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Adoção em tempos de pandemia
Adoção em tempos de pandemia
Cynthia Esteves de Andrade[1]
Mariana Costa Heluy[2]
O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n.º 313/2020, que estabelece o regime de Plantão Extraordinário no âmbito do Poder Judiciário, como um meio de uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários durante a crise do Coronavírus (Covid-19). Garante-se, assim, as atividades essenciais e o próprio acesso à Justiça.
Ressalvado os processos que tramitam na Justiça Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, os prazos processuais encontram-se suspensos até o dia 30 de abril. Ao se deparar com o rol de exceções, restrito e taxativo, verifica-se tão somente uma matéria estritamente ligada aos interesses da criança e adolescente; no caso, autorização de viagem. E só!
Tal medida, embora indispensável ante às recomendações da Organização Mundial da Saúde, acaba por ferir o direito de várias crianças e adolescentes, dentre eles, o direito à adoção, notoriamente marcado por procedimentos burocráticos.
Para ilustrar o longo e árduo caminho da adoção, qualquer pessoa antes de ser inserida no cadastro de habilitados para adoção deve submeter-se a uma série de trâmites necessários: ingresso com a ação, participação do programa de habilitação para adoção, submissão ao estudo psicossocial, manifestação do Ministério Público, até o então deferimento judicial. Após a conclusão da primeira fase, o habilitado aguarda na fila a sua vez de ser apresentado a uma criança com o perfil desejado. Quando esse encontro acontece, vem o primeiro estágio de convivência para em seguida ser possível ingressar com o pedido de adoção.
É notório que o processo após a habilitação é naturalmente ainda mais demorado. A discrepância entre o perfil desejado pelas famílias e as crianças cadastradas para adoção torna essa espera ainda maior. Crianças com enfermidades e pertencentes a grupos de irmãos apresentam mais dificuldade em serem adotadas. Já os pré-adolescentes e os adolescentes continuam sendo pouco aceitos pelos postulantes à adoção, embora sejam a maioria no cadastro. A cultura do perfil restrito resiste às mudanças. As famílias que se abrem ainda são minoria.
O que se percebe é que, mesmo diante da atual situação, grande parte de todo esse processo ainda poderia tramitar sem maiores problemas, mesmo no contexto atual. Além do trabalho remoto, existem diversos meios tecnológicos de transmissão de sons e imagens em tempo real que facilitariam as etapas presenciais, como por exemplo, a videoconferência. Tal recurso não é de uso restrito para interrogatórios de presos ou sustentações orais por advogados. Por óbvio, deveria ter sido ponderado como uma solução para o aumento da morosidade processual em um momento tão sui generis.
Diante da ausência de qualquer disposição para esses casos, sonhos são estagnados. Se por um lado, uma família permanece incompleta, por outro, têm-se uma ser humano em seu estágio mais vulnerável da vida sendo obrigado a “esperar mais um pouco” por um lar. O isolamento não só social, mas também o afetivo já é uma realidade na vida de diversas crianças e adolescentes do país. A luta contra o relógio é familiar.
Muito se comenta durante este período sobre o que fazer com as crianças em casa. Dicas de brincadeiras, leitura de histórias. Os contos de fadas são exprimidos como uma prece por dias melhores, por finais felizes. Todavia, pouco se fala daqueles que sequer tem um lar para chamar de seu, quiçá alguém que lembre a importância de lavar as mãos.
O irrevogável e louvável instituto da adoção, infelizmente, não é prioridade em tempos de pandemia.
[1] Assessora jurídica da Procurador de Justiça do Estado do Maranhão. Pós-graduanda em Direito de Família, da Infância e Juventude (UNDB). Presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/MA. Membro do Grupo de Apoio à Adoção AME/MA. E-mail: cynthiaesteves@msn.com
[2] Advogada. Pós-graduanda em Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Estado do Maranhão (UFMA). Membro da Comissão de Advocacia Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Maranhão. E-mail: mcheluy@gmail.com
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