Artigos
A dispensa dos advogados nos processos de adoção
Fonte: Boletim do IBDFAM nº 25
A Adoção de menores de 18 anos é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), sendo da competência exclusiva da Justiça da Infância e Juventude.
O “Estatuto” estabeleceu procedimento próprio para as formas de colocação familiar, onde se destaca a Adoção. O processo deverá obedecer a etapas que envolvem trâmites judiciais e acompanhamento por uma equipe interprofissional. O vínculo da adoção constituído por sentença judicial (art.1623-CC e no art.47-ECA) e a sua irrevogabilidade (Art. 48-ECA) concedem o seu caráter definitivo. Da mesma forma o art. 198 - ECA refere-se ao sistema recursal. São, portanto, procedimentos judiciais que exigem a atuação de um Advogado ou Defensor Público.
Alerte-se, no entanto, para o art. 166-ECA, ao determinar que “se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do pátrio poder, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este (o pedido) poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes”.Estabeleceu ainda o parágrafo único do mesmo art. 166-ECA que “na hipótese de concordância dos pais, eles serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações”.
Por algum tempo questionou-se a referida regra estatutária ao dispensar a intervenção de um profissional do Direito. “Ad cautelam” a maioria dos Juizes tem evitado sentenciar sem a participação no processo de um Defensor Público ou Advogado.
Não pode, portanto, prevalecer o Projeto de Lei n. 1380/2003 do Deputado Carlos Nader (PFL/RJ) que, incluindo o § 6o no art. 42 do ECA, “dispensa a participação de Advogados nos feitos judiciais relativos à Adoção de menores e adolescentes”. Em sua justificativa o autor da proposta alega que “a exigência do exercício do jus postulandi junto às Varas da Infância e Juventude, exclusivamente por meio de Advogado, tem dificultado, sobremodo, a concretização de numerosas adoções, haja vista o custo elevado dos honorários cobrados por estes profissionais”.
Trata-se de flagrante violação ao art. 133 da Constituição Federal que declara ser o advogado “indispensável à administração da justiça”. Sendo explícita a norma constitucional, ficam afastados entendimentos restritivos.
O STF já declarou que a indispensabilidade do advogado somente será arredada nos casos de Habeas Corpus, Juizados Especiais e Justiça do trabalho. Quanto à Justiça da Infância e Juventude, não há qualquer exceção à regra geral da exigência de capacidade postulatória.
Outrossim, a Lei n. 8. 906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) determina no art. 1º, ser atividade privativa do advogado “a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário”.
Para facilitar o acesso à Justiça, a Constituição estabeleceu, dentre as garantias do exercício dos direitos fundamentais, no art. 5o que ”o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Além do mais, na Justiça da Infância e Juventude não existe recolhimento de custas, a não ser na hipótese de litigância de má-fé.
Não há por que mudar o “Estatuto” com base no custo excessivo dos honorários advocatícios de alguns profissionais. Além da Defensoria Pública, não faltam advogados que trabalhem corretamente e concordem com uma forma razoável de pagamento.
Merece também efetivo questionamento a orientação assumida pelo Ministério da Justiça ao expedir a NOTA 2/2002, estabelecendo a proibição de Advogados atuarem nas Adoções Internacionais, a não ser através de Agências. Fundamenta a medida na ratificação, através do Decreto n. 3.087/99, da “Convenção Relativa à Proteção e Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional” aprovada em Haia, na 17.ª Seção da Conferência de Leis Privadas Internacionais de maio de 1993.
Esclareça-se que na Convenção de Haia/93 não há referência específica, entre os requisitos processuais, de procedimento especial de habilitação para a Adoção; refere-se a “relatório que contenha informações sobre a identidade, capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar” (art. 15), bem como, “relatório que contenha informações sobre a identidade da criança, sua adotabilidade, seu meio social, sua evolução pessoal e familiar, e ainda, seu histórico médico pessoal e familiar, assim como quaisquer necessidades particulares da criança” (art. 16).
O Art. 51-ECA refere-se aos documentos necessários e o art. 52-ECA refere-se a laudo de habilitação. Conclui-se, portanto, tratar-se os procedimentos administrativos probatórios, identificados como “subsídios por escrito, mediante laudos” elaborados pela equipe interprofissional e previstos no Art. 151-ECA.
Sendo de natureza “pericial”, representa um serviço auxiliar no Sistema da Justiça da Infância e Juventude e, na forma do Art. 151- ECA, está sob a imediata subordinação da autoridade judiciária. O laudo técnico da CEJA acompanhará a petição inicial que será assinada pelas partes, assistidas por Advogado ou Defensor Público.
Destaque-se, ainda, que a C.E.J.A. - Comissão Estadual Judiciária de Adoção é também qualificada como “judiciária”, uma vez que atua naquele espaço reservado ao Judiciário. Portanto, não se pode proibir o Advogado ou Defensor Público de atuar junto àquele Órgão na fase de avaliação dos documentos dos adotantes residentes no exterior.
Considerando que o ato constitutivo da Adoção é a sentença, estabelece o art. 24 da Convenção que “uma adoção só poderá ser recusada em um Estado Contratante se for manifestamente contrária à ordem pública”.
Também aqui a atuação de um Advogado não pode ser afastada por um ato administrativo do Ministério da Justiça afrontando, também, o art. 133 da Constituição Federal.
Mesmo após a ratificação da Convenção não se pode falar em conflito de atribuições entre a CEJA e o Juiz da Infância e Juventude no que concerne à Adoção; aquele órgão exerce atividades subsidiárias à atuação jurisdicional do Juiz da Infância e Juventude. Sua natureza complementar não pode afastar o Advogado ou Defensor Público que deverá acompanhar todos os trâmites do processo, também naquela fase de habilitação.
Sugere-se, finalmente, que o Conselho Federal da OAB manifeste-se contrariamente ao mencionado Projeto de Lei n. 1380/2003 por sua frontal inconstitucionalidade e tome as medidas necessárias junto ao Ministério da Justiça, liderado por ilustre advogado, para que sejam esclarecidos os equívocos que envolvem a Nota 2/2002, devendo as CEJA´s nos Estados serem orientadas quanto aos princípios constitucionais pertinentes, os quais se sobrepõem às Leis Ordinárias e aos atos normativos ministeriais.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM