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As medidas governamentais excepcionais para contenção da pandemia do covid-19 e a prestação de alimentos
As medidas governamentais excepcionais para contenção da pandemia do covid-19 e a prestação de alimentos
Igor Grisolia Said Xavier de Oliveira
Advogado
Especialista em Direito Civil pela PUC-Minas
Fomos surpreendidos com a notícia da pandemia do COVID-19, causada pelo coronavírus, a qual tem tomado proporções globais e já atingido o Brasil. No intuito de se conter a proliferação da doença, o Estado tem tomado decisões drásticas mas, ao nosso ver, necessárias, como fechamento do comércio por tempo indeterminado, suspensão de atividades presenciais em repartições públicas e restrição de deslocamento, salvo por extrema necessidade. Contudo, além do principal malefício desta doença que é o perigo a saúde, os atos tomados para se tentar conter a pandemia refletem em inúmeros aspectos da sociedade, não ficando de fora o direito das Famílias, principalmente no que tange aos alimentos.
É sabido que os alimentos, a partir do momento que são determinados judicialmente (seja por homologação de acordo, seja por imposição), devem ser cumpridos a tempo e modo pelo alimentante, sob pena de possível ação executória, seja pelo rito prisional ou pelo rito expropriatório. Por óbvio, pelo princípio do contraditório, o alimentante terá o direito de arguir e comprovar os motivos pelos quais deixou de efetuar o pagamento dos alimentos ou realizou a menor/fora do prazo legal. E no caso das restrições comerciais e convivências determinadas pelo Estado para conter a pandemia? Seria um motivo para não se pagar alimentos? E o alimentado? Terá que sofrer as consequências ou poderá exigir judicialmente seu direito?
Pois bem.
A lei não prevê expressamente qual atitude a se tomar em uma situação excepcionalíssima como esta, ou seja, situação em que todo o comércio fora obrigado a fechar por tempo indeterminado e que, como um efeito dominó, atinge a todos (v.g.: padaria é fechada; o dono não obtém renda; o padeiro não recebe salário; o padeiro não paga o aluguel; o locador não recebe o aluguel; o locador não paga a concessionária de serviço público; etc...). No caso dos alimentos, também, o devedor necessita de seu trabalho para obter a renda e arcar com sua obrigação.
A jurisprudência dominante indica que o desemprego não é motivo hábil a justificar a ausência da prestação alimentícia. Contudo, na hipótese da suspensão do contrato de trabalho (nas relações de trabalho) ou na obrigatoriedade de suspensão das atividades (nas hipóteses de autônomo), advindas de uma determinação da Administração Pública, a análise deve ser realizada com maior profundidade pelo Judiciário.
Entendemos que nesta situação excepcional trazida pela pandemia do COVID-19, o Estado e os agentes do direito, deveriam incentivar a possibilidade de composição temporária entre os envolvidos no que tange aos alimentos, seja com uma suspensão integral (para os casos de alimentando que possua condições próprias durante o período da quarentena) ou parcial, permitindo que o devedor possa contribuir proporcionalmente ao que obterá neste período de exceção e não deixar completamente desprovido o credor. Ao fim da pandemia e retorno das atividades em sua normalidade, os valores não pagos no período de exceção seriam ressarcidos, sem prejuízo dos alimentos vincendos. Na hipótese de impossibilidade de composição prévia, ao credor é permitido o ingresso em juízo para obtenção dos alimentos mas que, na atual conjectura, a justificativa de impossibilidade de labor por ordem estatal (ou seja, um caso fortuito ou força maior), óbvio que de acordo com o caso concreto, deverá ser acatada pelo Judiciário.
Não buscamos com este posicionamento jogar por terra a prioridade do alimentado em detrimento do alimentante e, sim, permitir uma adequação provisória da ordem judicial em relação as restrições extremas a que todos (incluindo o devedor) se encontram por ordem estatal, ressaltando que os valores não pagos não serão renunciados, até pelo princípio da irrenunciabilidade dos alimentos, mas postergados para um segundo momento.
Portanto, não vislumbramos na atual situação, outro meio de se impedir uma enxurrada de ações judiciais para execução de alimentos que não um estímulo a composição temporária, com garantias para o recebimento posterior, preservando ambas as partes e trazendo a ordem social neste período em que todos precisamos nos unir para superar essa doença.
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