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Comunicar é conhecer
Fonte: Boletim do IBDFAM nº 25
“Não há duas pessoas que não se entendem. Há duas pessoas que não discutiram”.
Provérbio Wolof
A mediação familiar tem como fundamento e objetivo a comunicação humana, posto que os conflitos familiares decorrem de uma inadequada comunicação. A essência do papel do mediador é conduzir os mediandos à percepção e ao exercício consciente dos diversos níveis de comunicação, na conformidade da definição dada pelo sociólogo Edgar Morin à ação de comunicar: informar e informar-se, conhecer e conhecer-se, explicar e explicar-se, compreender e compreender-se. Ressalte-se, porém, que para a mediação familiar a discriminação das diversas formas de comunicação otimiza o nível da compreensão e o da intercompreensão, sendo este último o verdadeiro objetivo a ser alcançado na mediação familiar.
O caminho a ser percorrido para atingir o nível da intercompreensão começa pela qualificada troca de informações, comunicação normalmente deteriorada, já que, inconscientemente, os mediandos comunicam-se pela linguagem do conflito - inadequada e destrutiva - em lugar da linguagem adequada e construtiva da intercompreensão, pois encontram-se tão frágeis, que não conseguem despertar outros recursos pessoais mais adequados. O mediador dá a palavra aos mediandos, organizando a ordem de uso e o tempo a ser concedido para cada um falar, com a regra rígida de um não interromper a fala do outro. Ao término da fala de cada mediando, o mediador vai repetir, reformular e confirmar a informação, procurando situar os fatos no tempo e no espaço. Esta primeira organização comunicacional - que normalmente ocorre nas duas primeiras sessões de mediação - já se presta a conter a angústia dos sujeitos do conflito, permitindo-lhes acessar logo outro nível mais sensível da comunicação.
Para atingir a intercompreensão será necessário valer-se de informações, sentimentos, idéias, valores, explicações, representações, permitindo a circulação de subjetividade e objetividade. Trata-se, enfim, de uma atitude comunicativa que leva cada mediando a ter o cuidado de se fazer compreender e de se esforçar para compreender o que o outro diz. Trata-se de diálogo a partir do registro do “EU”, vindo das experiências vividas, do “TU”, a partir das relações interpessoais, e do “ELE”, advindo do estado de coisas existentes. Nesta dinâmica comunicacional há espaço, inclusive, para surgir a incompreensão - tanto pessoal como no outro - afinal, compreender e compreender-se pressupõe aceitar que existem o inexplicável e o desconhecido presentes em ambos os mediandos.
Destas considerações iniciais depreendem-se duas conclusões significativas: a primeira é que não se pode dizer que há ausência de comunicação na família, pois o que se observa é a presença de uma comunicação inadequada, não cumprindo a circularidade necessária, movimento indispensável para a sua efetividade; a segunda conclusão é que os desentendimentos familiares têm raiz na dificuldade de comunicação, que começa pela dificuldade de identificação dos próprios sentimentos, em decorrência de não conseguirem identificar os papéis que cada um deve desempenhar no sistema familiar.
A comunicação inadequada exalta-se, sobremodo, quando os pais separam-se, principalmente quando a ruptura é litigiosa, pois, enquanto o ex-casal realimenta inadequadamente o vínculo “conjugal” por meio da comunicação da linguagem do conflito, os filhos vivem uma situação de abandono diante da dificuldade de diálogo entre os pais. Muitas vezes o conflito se mantém “em nome” da criança, no entanto, os filhos ficam sufocados e sem espaço para compreenderem seu efetivo papel na família transformada pela separação.
Para estas famílias a mediação possibilita o resgate da comunicação fundada na intercompreensão, permitindo que o ex-casal compreenda que agem e falam em nome próprio - e não em nome dos filhos - o que lhes permite discriminar as funções da família, compreendendo que é o casal conjugal que se dissolve, porém, o casal parental deverá se fortalecer para ter continuidade para sempre. Assim, os pais tornam-se disponíveis para acompanharem o cotidiano dos filhos, dando o devido significando a questões importantes como a escolaridade, a sexualidade, a sociabilidade etc. Ressalte-se que a mediação interdisciplinar é capaz de proteger os filhos do divórcio de comprometimentos psicológicos e psicossomáticos, tão presentes nas crianças no período pós-separação.
É bastante freqüente ouvir depoimentos dos mediandos, reconhecendo que a mediação familiar proporciona ao casal a oportunidade de experimentar, pela primeira vez, a plena comunicação fundada na intercompreensão, exercendo, assim, uma função pedagógica, preparando estas pessoas para novos relacionamentos sem repetirem o paradigma do casal dissolvido. Eis o verdadeiro resultado da mediação interdisciplinar, qual seja, a transformação do conflito.
Para completar esta reflexão sobre a importância da comunicação - instrumento da mediação - o pensamento de Georghe Bernard Shaw: “O maior problema da comunicação é a ilusão de que ela foi consumada”.
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