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Novas famílias... Velhos conflitos?
Novas famílias... Velhos conflitos?[1]
Claudia Pretti Vasconcellos Pellegrini[2]
Resumo: Partindo da complexidade subjetiva do sujeito humano, sobretudo da importância de sua relação com o outro e sua inserção no campo simbólico da linguagem, enquanto dimensão terceira e estruturante, o presente texto aborda a importância da interdisciplinaridade e do diálogo entre os campos do Direito de Família e da Psicanálise. É feita uma reflexão sobre as mudanças ocorridas em nossa atual organização social, dentre elas a influência da tecnologia na subjetividade do sujeito, mudanças essas nomeadas por alguns autores de “mutação no laço social”. Supondo um aumento na judicialização dos conflitos familiares como um dos efeitos dessas transformações discorre sobre os aspectos necessários a serem levados em conta na condução das clínicas, tanto do direito de família quanto da psicanálise.
Palavras-chave: Psicanálise e Direito de Família, interdisciplinaridade, subjetividade, conflitos familiares, pós-modernidade.
Abstract: Looking through the subjective complexity of human being, especially when it comes about the importance of its relationship with the other and its insertion in the symbolic field of language, as third and structuring dimension, this text approaches the importance of interdisciplinarity and dialogue between Family law and psychoanalysis fields. A reflection about changes in our current social organization is displayed, among them the influence of technology in the subjectivity of the individual, these changes are names by some authors as “mutation of the social bond”. Assuming an increase in the judicialisation of family conflicts as one of the effects of these chances, this article exposes about the necessary aspects that must be considered in the clinical conduction, as much as in family law as in psychoanalysis.
Keywords: Psychoanalyses and Family Law, interdisciplinarity, subjectivity, family conflicts, pos modernity.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.
A natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.
(Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas)
Somos humanos, portanto seres de linguagem, portadores de uma complexidade enorme, que nos caracteriza e nos permite viver, mas também nos introduz uma série de dificuldades. Enquanto seres humanos, podemos dizer que existimos. Mas simplesmente existir não equivale ao viver. Podemos dizer que “viver supõe o existir recoberto pelo outro” (LACAN, 1998, p. 658). Esse outro que nos constitui e nos humaniza. Sim, porque não nascemos humanos. Ser filhote do homem é depender de um outro que nos insira na ordem humana, subjetiva, por meio de seus cuidados, e banhado pela linguagem. O humano é esse ser que, imerso na linguagem e incompleto por excelência, encontra em sua relação com o outro os elementos necessários para se constituir e para lidar com a dor de existir que é sua condição. Essa grande complexidade do sujeito humano caracteriza sua inserção no mundo e permeia todos os seus atos, fazendo com que esses atos sejam sempre carregados de um sentido que nunca é único.
Não vivemos só. Vivemos em sociedade. Uma sociedade estruturada a partir de um fato fundamental: os homens não podem satisfazer todos os seus impulsos. A renúncia de alguns de nossos impulsos é a base da civilização. Se o que Freud denominou como objeto inteiramente satisfatório – o Das Ding (a Coisa) – não existe, estamos sempre condenados à insatisfação. Sempre procurando aquilo que supostamente nos completará, mas que, por não existir, nos lançará em nova busca. Um sempre procurar para nunca achar. Somos isso, nós, humanos. Feitos de carne, ossos, mas somos feitos sobretudo dessa matéria que os conceitos de inconsciente, desejo, pulsão e gozo, recortados pelo campo psicanalítico, nos marcam, estruturam e nos movem. O que está em jogo na base da estrutura humana é que o desejo pressupõe uma renúncia ao gozo absoluto e imediato. Só assim nos tornamos de fato desejantes.
Desde o início da Psicanálise, Sigmund Freud insistia em dizer que os artistas precedem os psicanalistas, e que a arte é um campo fértil para colhermos os elementos de nossa estrutura e funcionamento psíquicos. A arte sendo uma possibilidade de dar algum contorno ao furo, na estrutura real que caracteriza o humano.
Quando o grupo Titãs canta sua aclamada música Comida, em 1987, eles, de imediato, ilustram essa condição humana tão complexa: “Bebida é água / comida é pasto”. E em seguida nos questionam: “Você tem sede de quê? / Você tem fome de quê?”. A resposta? “A gente não quer só comida /A gente quer comida / Diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer saída / Para qualquer parte”.
Enfim, somos assim. Complexos e incompletos. Estamos imersos na linguagem. Não somos apenas uma organismo a nutrir. Temos fome e sede de outras coisas. O desejo e a pulsão são conceitos psicanalíticos que apontam algo além da pura satisfação dos instintos. Como nos canta e encanta lindamente Djavan, na música Tanta Saudade: “Quis saber o que é o desejo / De onde ele vem / Fui até o centro da Terra / E é mais além”. Somos civilizados. Os traços que definem o humano são esses. A linguagem e a cultura. E o primeiro encontro de cada um de nós com esses traços se dão a partir de nossos primeiros outros, geralmente representados pela família. Assim se constrói um sujeito humano. Assim se constrói uma realidade psíquica. Assim se fabrica um homem ocidental, como define Pierre Legendre, em seu roteiro do filme-documentário A Fábrica do Homem Ocidental. Assim se insere um filho em uma genealogia e assim se lhe apresenta a diferença geracional. A autoridade, Lei do Pai que ordena todo o funcionamento psíquico do sujeito. É na relação com o Outro, na música da língua, em seus intervalos e interrupções, no tom de voz, no que é dito e no que fica por dizer para além do que é dito, que o afeto pode ser transmitido. Que o corpo é marcado e se constitui enquanto imagem e unidade corporal. O que o filho do homem recebe de herança não se restringe ao mapa genético. E a herança mais preciosa não é material, e sim discursiva, pois é ela que nos insere no mundo: “A fábrica do Homem não é uma usina que reproduz cepas genéticas. Uma sociedade jamais será governada sem os cantos e a música, sem as coreografias e os ritos, sem os grandes monumentos religiosos ou poéticos da solidão humana” (LEGENDRE).
E aqui se encontram Direito de Família e Psicanálise. Cada um em seu campo, com uma clínica que, se por um lado se diferencia em objetivos e modo de funcionamento, por outro precisam lidar com o sujeito humano em toda sua complexidade. É esse sujeito de direito e de desejo que vai procurar tanto os consultórios dos psicanalistas quanto os escritórios de advocacia e os tribunais. Vai procurá-los para lidar tanto com suas dores quanto com os conflitos inerentes a sua inserção na família e na cultura. Porque o conflito é estrutural nas relações humanas. Não existe possibilidade de existência sem a presença deles. O fato de dependermos de um outro que garanta nossa subjetividade, introduz algo de agressividade e ódio em nossa estrutura. Alienação ao Outro como momento fundamental e separação desse mesmo Outro ao qual o sujeito se alienou para que o mesmo possa se constituir enquanto sujeito desejante. Esse processo depende do vigor da função paterna, que introduz o interdito, e possibilita o caminho de cada um na estrada da complexa e humana subjetividade. Nesse sentido, o campo do direito é representante dessa função fundamental que é a de regular e regulamentar a convivência humana em sociedade e seus conflitos. Nomeamos essa função de limitação do gozo. Gozo enquanto conceito psicanalítico que aponta para a total satisfação das pulsões. Regular o gozo significa dizer para o sujeito humano que ele pode muitas coisas, mas que não pode tudo. Função paterna que estrutura psiquicamente o sujeito humano e que se estende ao campo jurídico. Cito Rodrigo da Cunha Pereira, que possui um longo e consistente trabalho na clínica do Direito de Família: “A Psicanálise remeteu-me a elementos e a instrumentos que ampliaram e fizeram-me entender melhor o objeto de meu trabalho: o discurso do meu cliente. Freudianamente, é escutar o que está por detrás do discurso ou, como Lacan, o que está entre o dito e o por dizer”.[3]
Tanto Freud, que inaugura a Psicanálise, quanto Lacan, seu mais profundo e ético seguidor, sempre insistiram no diálogo entre os psicanalistas e os outros campos de saber, no sentido de poder ampliar a compreensão das questões humanas e pensar aquilo que se apresenta no mundo, já que este está em constante transformação. Nesse sentido, dialogaram com a Arte, a Filosofia, a Literatura e o Direito, entre tantos outros campos de saber. Com o cuidado de existir sem transgredir as fronteiras disciplinares de cada campo e de cada clínica, a interdisciplinaridade é hoje fundamental, sobretudo após as modificações ocorridas no Direito de Família com o novo CPC e a inclusão do afeto como valor jurídico. Somos profissionais de escuta. De clínica. Lidamos com o sujeito e suas relações, portanto com seus conflitos existenciais, familiares etc. Um olhar cuidadoso e que leve em conta – para além das relações objetivas – as relações subjetivas é não somente necessário como ainda torna mais possível a condução dos processos, sua conclusão e a implicação de cada uma das partes envolvidas nas decisões daí advindas. A vida humana é muito maior do que qualquer CPC, seja ele novo ou velho. Com a interdisciplinaridade, a visão é ampliada, uma lente de aumento é colocada permitindo que um para além dos autos e suas entrelinhas venha alinhavar saídas mais interessantes para cada um dos envolvidos. O direito de família apresenta aos psicanalistas de forma clara e efetiva o que se passa no mundo atual, e como essas questões atingem a subjetividade desses que nos procuram em nossas clínicas, nos levando a seguir eticamente a posição indicada por Freud de que o psicanalista deve estar à frente de seu tempo. Indicação essa seguida por Lacan (1998, p. 321) de que “Deve renunciar à prática da psicanálise todo analista que não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época”. Por outro lado, a psicanálise pode fornecer ao Direito de Família um aparelhamento conceitual que abre muitos horizontes de atuação. Levar em conta que maternidade e paternidade são funções imprescindíveis à constituição do sujeito humano, mas que não são necessariamente ligadas à genética e ao registro civil é uma delas. Que homem e mulher e, ainda, pai e mãe, são funções a serem ocupadas discursivamente, e que vão muito além da pura marcação anatômica do sexo. Isso desloca a conjugalidade para um campo distinto da parentalidade, e deixa ainda a autoridade parental em um campo distinto do poder familiar. Pensar a sexualidade enquanto marcada pelo desejo e não apenas como ato instintual de acasalamento, é outro ponto de grande relevância, pois o que leva um homem a uma escolha de parceria amorosa e sexual não é apenas o encontro de corpos e não se restringe ao campo das necessidades. Sem esquecer a contribuição preciosa da noção de inconsciente, que revela uma cena outra, nem sempre colocada nos autos em forma de demanda. Isso permite levar em conta os novos arranjos familiares que hoje se apresentam. Sabemos que um sujeito, quando respeitado e escutado em sua posição subjetiva, tem muito mais chances de se colocar dignamente diante de um conflito. Portanto, Direito de Família e Psicanálise só tem a ganhar com esse diálogo tão precioso, bem ilustrado pelo provérbio português “O boi pega-se pelos chifres, e o homem, pelas palavras”. São as palavras que introduzem o homem no laço social, e isso apresenta a dimensão simbólica, a alteridade necessária a toda constituição psíquica.
Vivemos tempos de grandes e profundas mudanças, que têm trazido grandes avanços, mas que também nos apresentam grandes desafios. São transformações discursivas e subjetivas complexas. Sigmund Freud nos ensinou a importância de acolher as questões que o mundo nos apresenta, ainda que não tenhamos respostas satisfatórias.
Temos encontrado dificuldades na sustentação do diálogo e da dimensão simbólica responsável pela intermediação das relações humanas. Sim, porque a palavra tem, por excelência, uma função de mediação. Portanto esse enfraquecimento da dimensão simbólica não é sem efeitos. Essas mudanças atingem diretamente a subjetividade do sujeito humano, modificando seu modo de se colocar no mundo e de se relacionar com os outros. Sustentar um dizer singular não tem sido tarefa fácil. As relações humanas, sejam elas amorosas, eróticas, sociais, familiares ou outras quaisquer, são hoje vividas com e a partir dos efeitos gerados pelas modificações existentes em nosso tecido social.
Lembro aqui da etimologia da palavra diálogo, que provém do vocábulo grego diálogos, formado originalmente pelos elementos diá, que significa “por intermédio de”, e por lógos, que significa “palavra”. No dicionário Michaelis, uma de suas definições é: troca de ideias, opiniões etc.; que tem por finalidade a solução de problemas comuns. Para tanto, necessário se faz colocar em cena outra questão presente na origem etimológica da palavra diálogo. Dialogar significa dar lugar ao outro. Somente assim um diálogo verdadeiro se estabelece. Recorro mais uma vez aos poetas, que tanto nos presenteiam com suas habilidades no manuseio das palavras. Dessa vez é Carlos Drummond de Andrade quem nos ilustra brilhantemente o que é dialogar: “Dialogar é dizer o que pensamos e suportar o que os outros pensam” (ANDRADE, 1999, p. 43).
Para os psicanalistas, essa dificuldade no vigor da dimensão simbólica promove o encontro com quadros clínicos particulares. O psicanalista e psiquiatra Jean-Pierre Lebrun, de origem belga, em seu livro denominado O mal-estar na subjetivação, nomeia esse neossujeito de “órfão do simbólico”, e faz uma leitura muito lúcida da mutação social vivida por nós e de suas características e efeitos para o homem pós-moderno. Entre eles, o declínio do patriarcado, da sociedade hierárquica, o deslocamento daquilo que antes era transmitido pelo fio da tradição, assim como as marcas da introdução de novas tecnologias em nossas vidas. Fatos que têm dificultado a renúncia pulsional, enquanto premissa básica de inserção na vida civilizada para o homem. Vivemos tempos em que acreditamos poder tudo. Momentos em que supomos que o sucesso e o poder econômico são sinônimos de bem estar subjetivo. Da primazia da imagem. Em que não aceitamos lidar com o mal-estar inerente à condição humana e que, com isso, tentamos educar nossos filhos sem a palavra “não”, primeira representante do interdito fundamental; sem frustração, condição de uma estruturação psíquica saudável. “Sua majestade o bebê”, assim como Freud nomeia o humano recém-chegado ao mundo, tem tido grandes dificuldades para encontrar referências e barreiras necessárias para ajudá-lo na construção de seu caminho subjetivo. Será que “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”, como nos indaga Nando Reis, em sua música Relicário?
Na atualidade, a averiguação frequente e banal de uma criança a quem tudo parece permitido – ou antes, a quem nada mais está proibido e cujo pai voluntariamente confessa que não pode colocar limite, pois ele temeria não mais ser amado pelo filho –vem corroborar plenamente o que afirmamos. O papai hoje não se sente mais reconhecido nesse lugar de colocador de limite, pois esse último é precisamente aquele de que o social da modernidade crê ter-se emancipado. Abandonado por um discurso social que lhe asseguraria sua legitimidade e então sua autoridade, ele busca junto de seu próprio filho o apoio que lhe foi retirado. O resultado é evidentemente a consequência: a criança se vê protegida pelo pai da prova de confrontação com o limite, o que tem apenas como efeito tornar mais difícil a inscrição desse último no aparelho psíquico da criança. (LEBRUN, 2010, p.19)
No entanto, de algum lugar essa criança precisará retirar as insígnias necessárias para sua constituição e para construir seu romance familiar e seu sintoma, sinônimo de sua colocação no mundo. De algum lugar essa Lei do pai, interditora do excesso de gozo materno, precisará se presentificar, pois é garantidora de muitas possibilidades. Se ela não vigora, caímos em uma indistinção de lugares, onde a criança é confundida com o adulto, onde não há separação entre incesto e amor. Onde no lugar da elaboração de um luto frente à uma perda do objeto amoroso, é a passagem ao ato criminoso que entra em cena. O inconsciente humano é habitado de representações familiares, mas também sociais. E é nesse sentido que novos caminhos, diante de questões tão estruturais e antigas, precisam ser pensados. Se antes o pai na família e no social tinha um respaldo concreto da estrutura patriarcal, hoje ele precisa garantir seu funcionamento dentro da nova ordem que se apresenta. Não podemos cair na crença romântica de uma família arquétipo ideal. E apesar de muitos avanços ainda presenciamos grande resistência na quebra de paradigmas necessária para o enfrentamento das mudanças e desafios que nos chegam e desarrumam os saberes cristalizados. É necessário que isso seja levado em conta na prática de todos aqueles que lidam com a subjetividade humana, pois é o que lhes é dirigido. Como profissionais de escuta, precisamos substituir o medo pelo espanto. Pois o espanto, em sua origem etimológica, comporta não somente o que assusta mas também o que traz admiração. Isso nos possibilita construir saídas. Nada mais atual do que a fala de Liev Tolstói na introdução de “Anna Karenina”, quando afirma que “Todas as famílias felizes se parecem. Cada família infeliz é infeliz a sua maneira” (TOLSTÓI, 2015, p. 15).
Se assim caminha a humanidade, e se assim é “a vida como ela é”, parafraseando Nelson Rodrigues, assim precisamos evoluir e repensar nossas práticas. Considero que o encontro e o diálogo do Direito de Família com a Psicanálise não é somente produtivo, mas absolutamente necessário. A Psicanálise e seu aparato conceitual permitem um cuidado com a vida humana na prática dos operadores do Direito. Em tempos de grandes técnicas e do culto ao mais rápido e mais fácil, precisamos levar em conta que o sujeito humano não funciona como um computador. Não é programável. Sua complexidade implica a necessidade de um tempo de elaboração para que seus conteúdos internos sejam ressignificados. Em nossas práticas, ou levamos em conta essa necessidade, ou corremos o risco de trazer à tona fantasmas e estruturas que, não sendo bem trabalhadas, podem desorganizar ainda mais o sujeito, e, assim, mesmo que aparentemente resolvam um processo judicial, o que fazem é trazê-lo de volta mais à frente, com muito mais complexidade e sofrimento.
Na introdução do livro Intoxicações eletrônicas, organizado por Angela Batista e Julieta Jerusalinsky, onde temos brilhantes artigos que trabalham a complexidade das transformações discursivas e subjetivas produzidas na era digital, ela se pergunta se não estaríamos atualmente no caminho oposto ao do filme Blade Runner. Lá temos androides em uma marcha para assumir vidas orientadas pelos seus desejos. Atualmente, continua ela, temos “Pinóquios ao avesso”, meninos de verdade habitados por falas autômatas, provindas de suas relações com teclas e telas.
Recorto a fala de uma criança de 5 anos, escutada no privado da clínica psicanalítica, por ocasião do divórcio de seus pais, e que ilustra com clareza alguns elementos aqui destacados. O casal se separava em função de uma traição que fora descoberta pelo telefone celular, mas ambos os genitores acreditavam que a criança nada percebera, e assim não entendiam sua mudança de comportamento:
-Claudia, você sabia que os pombos se casam e nunca se separam?
-Verdade? Eu não sabia. E por quê?
-Porque eles não têm telefone celular.
Viver e amar não é fácil e nem é brincadeira de criança. Como profissionais, precisamos levar muito a sério o acolhimento das demandas que recebemos em nossas clínicas. Pois um processo, seja ele psicanalítico ou judicial, que seja conduzido de forma a permitir a elaboração simbólica do que ali está em jogo, poderá promover uma reparação do que foi desnodulado e desarranjado, e restaurar um lugar desejante para que o sujeito conduza sua vida.
Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. O avesso das coisas. Rio de Janeiro:Record,1999.
BAPTISTA, Ângela; JERUSALINSKY, Julieta (org.). Intoxicações eletrônicas: o sujeito na era das relações virtuais. Salvador: Ágalma, 2017.
LACAN, Jaques. Observação sobre o Relatório de Daniel Lagache: Psicanálise e estrutura da personalidade. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LEBRUN, Jean-Pierre. O mal-estar na subjetivação. Porto Alegre:CMC,2010.
LEGENDRE, Pierre. A Fábrica do homem ocidental. Texto inédito, 1996. Originado do roteiro do filme documentário “A Fábrica do Homem Ocidental”, realizado por Gérald Caillat, com Roteiro de Pierre Legendre e Pierre-Olivier Bardet.
TOLSTÓI, Liev. Anna Karenina. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
[1] Conferência de abertura do II Congresso Brasileiro de Direito de Família e Psicanálise – Os conflitos Familiares e sua Judicialização. Realizado pelo TJES e pela Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória, em 22 de agosto de 2019.
[2] Psicanalista, Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória, Coordenadora do Fórum Clínico da Infância e da Adolescência, Presidente da Comissão de Interdisciplinaridade do IBDFAM/ES.
[3] Rodrigo da Cunha Pereira, em conferência “Por que o Direito se interessa pela Psicanálise”, proferida na Faculdade de Direito da UFMG, em 15 de maio de 1995.
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