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A influência dos fatores psicológicos inconscientes nas decisões judiciais
“O quê não se compreende, não se possui”
Goëthe- Arte e Antiguidade
Leibniz em seu Nouveaux essais sur l’entendement humain, 1703, já havia sublinhado a importância e influência do Inconsciente: “percepções ... que formam esse não sei o quê, esses gostos, essas imagens das qualidades sensíveis, claras no conjunto, mas confusas nas partes...”
Passando por Wolff e Kant foi Schelling que em 1856, “o converteu no elemento fundamental de uma construção metafísica”; “esse eterno Inconsciente – dizia Schelling em System der transzendentalen Idealismus – que como o sol eterno do reino dos espíritos se esconde em sua própria luz serena e que, se bem não resulta nunca objeto, imprime às ações livres sua identidade ... Eterno intermediário entre o subjetivo, que se determina em nós, e o objetivo ...”.
Todavia, foi com Freud que o Inconsciente ganhou corpo e estrutura: “a psicanálise tirou do Inconsciente o caráter indeterminado e amorfo que havia conservado até esse momento nas interpretações dos filósofos e dos psicólogos, para adquirir um conteúdo preciso ...” .
O maior mérito de Freud está em ter descoberto que não é a Consciência o principal condutor do ser humano, mas o Inconsciente. E que este tem sua leis que, demandando investigação, são pouco claras ou desconhecidas para a Consciência, porém determinantes de sua conduta.
Tal descoberta teve enorme impacto na ciência da época, constituindo um novo paradigma, com repercussões ainda hoje não devidamente apreciadas.
Conceber o ser humano como sendo regido sobretudo pelo Inconsciente, traz desafios extraordinários.
Implica, entre outras coisas, aceitar a hipótese de que desconhecemos grande parte das motivações de nossas ações, e que por mais que nos esforcemos, uma parte significativa do sofrimento humano está além da nossa capacidade de compreensão e ajuda.
Significa que, mesmo com todo o conjunto de leis e regras que regulamentam os relacionamentos, uma quantidade nada desprezível de tensão emocional subjacente aos conflitos, sobretudo de natureza inconsciente, se nos escapa ao entendimento e possibilidade de intervenção.
Essa é a parte imponderável das questões que chegam ao Direito.
E é para ampliar a possibilidade de compreensão e de intervenção mais apropriada dos profissionais do Direito, e que esteja em consonância com as necessidades dos indivíduos, que surge a contribuição da Psicanálise.
A Psicanálise permite-nos entender o lugar simbólico que ocupam, nas relações humanas, cada um dos representantes sociais, entre eles, os juízes.
O juiz preenche um lugar fundamental não só na sociedade, mas no imaginário das pessoas. Ele ocupa o lugar simbólico de pai orientador e norteador. É o representante do superego social, ou como chamamos, “o grande pai” ordenador e repressor. De seu adequado posicionamento psicológico, além do saber técnico, irá depender a qualidade de suas decisões e, portanto, o atendimento mais satisfatório das necessidades dos cidadãos.
Uma das maiores dificuldades para qualquer profissional que lida com pessoas em crise – e aqueles que se dirigem ao Judiciário para dirimir seus conflitos estão, antes de mais nada, enfrentando uma crise de maior ou menor magnitude –, é posicionar-se adequadamente.
Tal dificuldade decorre sobretudo de dois fatores. O primeiro se deve ao fato de que os indivíduos em crise estão psicologicamente regredidos, comportando-se de modo irracional, imaturo e aparentemente incompreensível, “convocando” os profissionais que os atendem a exercer funções egóicas de reflexão, ponderação, consideração, prudência e bom senso, as quais sentem-se impedidos de desempenhar. Isto comumente gera expectativas de atuação além do conveniente e oportuno. O segundo fator, decorrente do primeiro, se deve às repercussões no mundo interior, na mente, na subjetividade do profissional, das expectativas projetadas neles pelos atendidos.
Devido a complexos e profundos mecanismos de funcionamento psicológico, o profissional impulsionado por essas pressões, pode, não raro, se sentir premido a tomar decisões que nem sempre são apenas fruto das exigências apresentadas. Há inúmeros fatores subjetivos, verdadeiros “ruídos interiores” que, estimulados por essas projeções podem levá-lo, sem que tenha plena e total consciência de seus motivos ocultos, a decidir. Há aí, um sutil deslize que pode se materializar em, por exemplo, sentenças baseadas mais em um costume socialmente aceito e menos nas necessidades e possibilidades do caso.
A Psicanálise nos permite também compreender como se dá a comunicação humana em um contexto de significados emocionais latentes apenas vislumbrados e intuídos pelo pensamento objetivo. É na subjetividade das relações humanas que as mensagens comunicacionais adquirem sentido.
A comunicação humana compõe-se de aspectos verbais e não-verbais. Ambos são importantes para que a comunicação se dê de forma eficaz e eficiente. Porém, o aspecto não-verbal é dominante, não raro decisivo para a maneira como a mensagem será assimilada e a como reajir-se-á a ela. Pesquisas demonstram que 70% da comunicação são compostos por tais aspectos. O peso do aspecto não-verbal da comunicação, como gestos, entonação etc, é mais evidente nas crises emocionais e sociais. Indivíduos em crise ficam mais sensíveis e atentos ao como as palavras são ditas do que propriamente a o quê é dito.
Para entender e intervir de modo eficiente, o juiz pode se beneficiar enormemente da compreensão da linguagem não-verbal, da utilização adequada dos vários tipos de perguntas e das técnicas de escuta dinâmica.
Noções a respeito do funcionamento mental e da comunicação humana, bem como o auto-conhecimento, só auxiliam este profissional a ‘dizer melhor o direito’.
(*) Psicóloga; Psicanalista, Terapeuta de Família e de casal; Mediadora ; Consultora; Mestranda em Psicologia Clínica PUC/SP; Docente na Escola paulista da Magistratura; Coordenadora do projeto de implantação da mediação no Centro de Integração e Cidadania – CIC Leste do Estado de São Paulo; Vice-presidente do CEREMA – Centro de Referência em Mediação e Arbitragem; Coordenadora do Núcleo de Mediação do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família/SP; Diretora e Coordenadora do IBCM – Instituto Brasileiro de Consultoria e Mediação; Presidente da ABC – Associação Brasileira de Candidatos, órgão da ABP – Associação Brasileira de Psicanálise; Docente e coordenadora técnica do Curso de Psicologia e Mediação de Conflitos da Escola Paulista da Magistratura; Membro da International Society of Family Law; Membro do Fórum Mundial de Mediação; Fundadora e Coordenadora da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família – IBEIDF; Participação na elaboração do Projeto de Lei de Mediação, apresentado pela deputada Zulaiê Cobra Ribeiro; Participante do Projeto BID/SEBRAE/CACB de Multiplicação da Mediação e Arbitragem no Brasil. |
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