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Exame da OAB
Exame da OAB
Na última prova do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, ocorrida no domingo passado, foi apresentada uma questão que está gerando muitas dúvidas e discussões nas redes sociais, especialmente entre civilistas, que têm dado opiniões divergentes a respeito. Recebi importante posição doutrinária da Dra. Karim Rick, uma grande autoridade na matéria. Vou transcrever a questão e dar, também, o meu parecer:
Questão 35: “Flora e Carlos pretendem contrair matrimônio. Flora tem 65 anos e Carlos 66. Por se tratar de segundas núpcias do futuro casal e já terem filhos oriundos de relacionamentos anteriores, eles não pretendem se tornar herdeiros um do outro e tampouco comunicar seus patrimônios. Diante do desconhecimento dos efeitos sucessórios do casamento, Flora e Carlos buscam aconselhamento jurídico sobre a possibilidade de sua pretensão. Assinale a opção que indica a resposta correta dada pelo(a) advogado(a) consultado(a).
- Em razão da idade de Carlos, o regime de bens será o da separação obrigatória, o qual afasta a possibilidade do futuro casal ser herdeiro um do outro.
- O futuro casal deverá optar pelo regime da separação convencional de bens, que permitirá a exclusão da qualidade de herdeiro de Flora e Carlos.
- O cônjuge, no ordenamento jurídico brasileiro, sempre será herdeiro necessário, independentemente do regime de bens.
- O ordenamento jurídico brasileiro não oferece alternativa para a pretensão do futuro casal.”
A OAB apresentou como correta a alternativa D), o que tem proporcionado muitos questionamentos. Já dei meu parecer pelas redes sociais e vou repeti-lo, aqui.
A alternativa A) está errada, pois o regime do casamento não será o da separação obrigatória, o que ocorre quando a pessoa, ao casar, é maior de 70 (setenta) anos, e os nubentes têm, respectivamente, 65 e 66 anos (Código Civil, art. 1.641, inciso II).
A alternativa B) também está errada. Ainda que o futuro casal celebre pacto antenupcial, por escritura pública, optando pelo regime da separação convencional de bens, nesse regime, o cônjuge sobrevivente concorre, sim, com os descendentes do cônjuge falecido (Código Civil, art. 1.829, inciso I).
A alternativa C) também está errada, considerando o comando da questão, ou seja, a exposição apresentada no caso concreto: Flora e Carlos, que desejam casar-se em segundas núpcias, já têm filhos advindos de uniões anteriores, de maneira que o cônjuge não concorrerá com os descendentes do outro cônjuge, ou seja, não herdará nada, se o regime do casamento foi o da comunhão universal, no da separação obrigatória, ou da comunhão parcial, salvo, neste último caso, se o autor da herança houver deixado bens particulares ou exclusivos (Código Civil, art. 1.829, inciso I).
Considerando, sempre, o exposto na questão, ou seja, que o futuro casal (Flora e Carlos) já têm filhos e seu objetivo é excluir tanto da comunhão, quanto da herança, o outro cônjuge, não há alternativa para essa pretensão em nosso ordenamento jurídico. Se casarem sob o regime da separação convencional, atingirão o objetivo e evitar a comunhão, ou seja, cada cônjuge é dono exclusivo dos respectivos bens. Mas não conseguirão evitar que o cônjuge sobrevivente venha a ser herdeiro, embora em concorrência com os filhos do outro.
O que falta em nosso ordenamento – e isso acaba de ser introduzido no Código Civil português, através da Lei nº 48/2018 – é a possibilidade de os nubentes, em pacto antenupcial, renunciarem, reciprocamente, à condição de herdeiro. Embora respeitando as opiniões em contrário de Rolf Madaleno e Mário Delgado, penso que no direito brasileiro é inabalável a proibição dos pactos sucessórios, considerando o art. 426 do Código Civil (que é norma de ordem pública): “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. Os romanos também proibiam essas convenções, chamando-as “pacta corvina”, expressão inspirada nos hábitos alimentares do corvo (e de nosso simpático urubu), de comerem animais mortos. Clóvis Beviláqua ensina que nos pactos sucessórios as disposições determinam um surto de sentimentos imorais, porque tomam por base de suas combinações a morte da pessoa de cuja sucessão se trata, sejam os pactos aquisitivos, sejam renunciativos (de não suceder, de não ser herdeiro).
P.s. Atendendo compromisso há muito tempo assumido, estive em Porto Alegre participando – com os professores João Aguirre e Simone Tassinari -, da banca de mestrado da dra. Vanessa Kerpel Chincoli, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, razão pela qual não compareci ao lançamento dos livros de Jorge Arbage, ocorrido no auditório da FIEPA. Foram três obras, apresentadas ao mesmo tempo. O eminente autor, veterano advogado e político brasileiro (constituinte de 1988), tem 95 anos de idade. Acho que é um verdadeiro recordista mundial ao escrever, publicar e lançar três livros, no mesmo dia, sendo merecedor do maior respeito e da admiração de todos.
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