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Retomada histórica da adoção e sua (ir)revogabilidade
Retomada histórica da adoção e sua (ir)revogabilidade
Majoí Coquemalla Thomé (Advogada do Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos de Infância e da Juventude da Universidade Estadual de Maringá e membro do IBDFAM)
RESUMO
A retomada histórica sobre a evolução do instituto da adoção no Brasil e no mundo auxilia na compreensão da construção da filiação adotiva ao longo do tempo. A igualdade entre filhos biológicos e por adoção no momento da sucessão só se deu em 1988, com a promulgação da Constituição Federal; e a bipartição entre adoção plena e simples, sendo esta revogável, apenas foi extinta em 1990, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA trouxe ao ordenamento jurídico a doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse da criança, norteadores da prática da adoção no país. Hodiernamente a adoção é irrevogável, entretanto ainda se verifica diversos casos de reabandono.
Palavras-chave:. Reabandono. Irrevogabilidade. Adoção.
ABSTRACT
The historical survey on the state of adoption in Brazil and worldwide assists in understanding the construction of adoptive filiation over time. Equality between legitimate and adopted children at the time of succession came only in 1988 with the enactment of the Brazilian Federal Constitution; and the splitting between full and simple adoption (which was revocable) was only abolished in 1990 with the advent of the Child and Adolescent Statute (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). ECA has brought to the legal framework the doctrine of full protection and the principle of the best interests of the child, guiding the practice of adoptions in the country. Nowadays adoption is irrevocable, although, there are still many cases do reabandonment.
Keywords:. Reabandonment. Irrevocability. Adoption.
REVISÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO
Falar em adoção é falar em cultura. Sendo uma prática feita em sociedade, é impossível dissociar o instituto da adoção dos costumes da sociedade analisada. Por essa razão, a adoção sofreu diversas mudanças, tanto nos costumes quanto na legislação, ao longo do tempo.
É patente que a prática da adoção é tão, ou mais, antiga que os primeiros registros escritos, sendo impossível determinar com precisão seu surgimento. Alguns defendem que a adoção teria surgido da necessidade de os homens, na idade antiga, perpetuarem a religião doméstica, que só seria transmitida através de um filho homem que pudesse cultuar seus ancestrais. (BANDEIRA, 2001, p. 17).
É provável que essa seja a origem da adoção como se reconhece na maior parte das civilizações ocidentais modernas. Entretanto, levando-se em conta que a adoção toma diferentes formas de acordo com a cultura de cada povo, conforme ensina a pesquisa e literatura antropológica (WEBER, 2000a, P. 9-13), é possível conceber a ideia de que a adoção entre pessoas não ligadas biologicamente possa ser tão ou mais antiga do que a vida em sociedade organizada.
1. A Adoção no Mundo
Em cada cultura a adoção se manifesta de uma forma. Para o presente estudo interessam as culturas que, de alguma forma, exercem ou exerceram influência sobre o direito e os costumes brasileiros, sendo especialmente analisada a possibilidade de revogação do ato.
A adoção possui motivações e finalidades que variam conforme o tempo e espaço onde é praticada; assim como os motivos e fins da adoção, seu tratamento jurídico também sofreu diversas alterações ao longo da história ocidental, tendo a legislação acerca do assunto evoluído muito nas últimas décadas. (BITTAR, 1991, p. 236).
Nas civilizações antigas, a adoção possuía caráter religioso e visava perpetuar a religião doméstica; assim, tinha o intuito de proporcionar um filho àquele que não o teve. Como o culto aos antepassados deveria ser feito pelo homem, a adoção institucionalizada só abarcava pessoas do sexo masculino. Ademais, na maior parte das culturas, a adoção só era permitida aos que não tivessem outros filhos. Pela adoção, os laços com a família biológica eram rompidos, pois cada pessoa se submetia a apenas uma religião doméstica. Observa-se ainda que a adoção possuía, nos parâmetros adotados hodiernamente, caráter irrevogável, pois o filho adotado não poderia renunciar ao culto de sua nova família, sendo permitido romper os laços apenas se deixasse em seu lugar um filho seu, com o qual romperia qualquer vínculo de parentesco. Assim, conclui-se que a adoção era vista como forma de parentesco tão legítima quanto a filiação biológica, mas só se permitia a formação de tal vínculo quando não houvesse filho biológico, legítimo e homem para a continuidade da religião doméstica. (COULANGES, 2006, p. 45, 58-60).
Os primeiros registros escritos conhecidos de normas que abarcam a adoção se verificam no Código de Hamurabi[1] e nas Leis de Manu,[2] ambos de origem oriental. (SCHAPPO; MORAES; ZANATTA, 2011, p. 11).
O Código de Hamurabi não especificava a forma de constituição do vínculo adotivo, entretanto, pode-se observar que a indissolubilidade do vínculo não era absoluta. A família biológica não mais poderia reclamar o filho entregue em adoção se o adotante tivesse lhe dado seu nome e o criado como filho, conforme previa o artigo 185. Mas se o adotante não considerasse o adotado como filho, o retorno à família de origem era possível, de acordo com o artigo 190. Caso o adotado desejasse retornar à casa do pai biológico por vontade própria, ou não reconhecesse os pais adotivos como seus pais, seria punido com sanções físicas, como ter os olhos furados e a língua cortada, conforme artigos 192 e 193. Porém, caso a revogação da adoção se desse por interesse do adotante seria possível, devendo o pai entregar apenas um terço da cota patrimonial de filho ao adotado, que deveria então se afastar. (CÓDIGO DE HAMURABI, 1686). Desta forma, é possível notar que a adoção não seria absolutamente irrevogável, sua dissolução atenderia principalmente aos interesses do adotante.
Segundo as Leis de Manu, a adoção seria possível entre um homem e um rapaz da mesma classe, desde que o adotado tivesse conhecimento das cerimônias religiosas praticadas pelo adotante, o que ressalta o caráter religioso do vínculo adotivo. (SILVA FILHO, 2012, p. 20-21).
Na época do Baixo Império Romano, com a difusão do cristianismo, foi permitida a adoção de impúberes, observados certos requisitos, e admitido que as mulheres adotassem uma pessoa – em adoptio minus plena[3] – para se consolar da perda de seus filhos. (SILVA FILHO, 2012, p. 22).
No medievo a adoção caiu em desuso e não existem registros precisos sobre sua prática no período. A religião doméstica fora substituída pelo cristianismo, assim, não mais havia a necessidade de se perpetuar a família e o culto. Por outro lado, a família cristã, baseada no matrimônio religioso, poderia ser ameaçada com a realização da adoção, pois, com sua prática, não seria necessário o casamento para gerar descendentes; ademais, a inexistência de filhos legítimos era interessante para a igreja, que teria os direitos sobre a herança daquele que falecesse sem herdeiros. (BORGUI, 1990, p. 242-246; PILOTTI, apud WEBER, 2000a, p. 23-24).
Na Idade Moderna, a adoção volta a ser contemplada e regulamentada. Apesar de o marco histórico do retorno da adoção às normas jurídicas ser o Código Napoleônico de 1804 (VENOSA, 2013, p. 283), legislações anteriores já haviam abrangido o instituto: o código de Cristiano V, da Dinamarca, de 1683; o Código Prussiano, da Alemanha, de 1751; e o Codex Maximilianus, da Bavária, de 1756. O Código Prussiano trazia entre seus dispositivos a irrevogabilidade da adoção. (SILVA FILHO, 2012, p. 28).
Embora a retomada da adoção no período iluminista tenha sido de suma importância, é somente a partir da Primeira Guerra Mundial que a atenção passa a ser voltada ao adotando; iniciam-se mudanças nas motivações e finalidades da adoção, que passa a ter caráter caritativo e social. Após a Segunda Guerra Mundial é aprovada a Declaração Universal dos Direitos da Criança, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 1959; que, entre outras disposições, prevê que a criança deve ser protegida contra qualquer forma de abandono. Após as duas grandes guerras, as normas referentes à adoção passam por profundas alterações. A exemplo disso, em 1966 a França autoriza pessoas solteiras a adotar e, apenas em 1976, é suprimida a vedação da adoção por casais que já tenham filhos biológicos nos Estados Unidos. (WEBER, 2000a, p. 27 – 28; SILVA FILHO, 2012, p. 30-31).
Conforme passa o tempo, se modifica a mentalidade de cada sociedade. Para acompanhar as mudanças sociais (e, por vezes, para realizar tais mudanças) serão sempre necessárias novas leis sobre adoção.
2. A Adoção no Brasil
Tendo o Brasil uma história registrada bastante recente, é possível notar drásticas mudanças no instituto da adoção em um curto período de tempo.
No Brasil colonial, os abandonos de crianças eram numerosos; entretanto, apenas no final do século XVII o Estado passou a se preocupar em amparar os pequenos abandonados. Em 1693, a Coroa Portuguesa pediu providências em razão do grande número de crianças encontradas mortas no meio urbano; assim surgiram os cuidadores de expostos.[4] (FRANCO, 2010).
Durante o período colonial e também no Império, o abandono era uma realidade, de certa forma, socialmente aceita, vista como alternativa ao infanticídio e ao aborto. Principalmente a partir do século XVIII, crianças enjeitadas e ilegítimas podiam ser abandonadas nas chamadas “rodas dos expostos”,[5] sendo mantidas e criadas por instituições assistencialistas e, muitas vezes, enviadas a trabalhos indesejados. (VENÂNCIO, In: PRIORI, 2013, p. 196).
É no Brasil Império que a adoção é mencionada pela primeira vez nos textos legislativos. Na vigência das Ordenações Filipinas, a Lei de 22 de setembro de 1828 faz menção ao instituto da adoção,[6] sem tratar de forma específica de seus requisitos e consequências. A adoção passou a fazer parte de uma codificação sistematizada apenas no período republicano, com a promulgação do Código Civil de 1916; mas sua inclusão no projeto de lei não se deu de forma pacífica, pois, ao contrário de Clóvis Bevilaqua, alguns estudiosos do direito acreditavam que a prática tinha caído em desuso. (COSTA, 1988, p. 28-29).
O Código Civil de 1916 disciplinava a adoção com forte influência do direito romano, com caráter levemente assistencial e diversos entraves para sua concretização. Visava proporcionar filhos àqueles que não os tiveram biologicamente, concentrando-se no interesse do adotante; assim, só poderia adotar quem não tivesse filhos legítimos ou legitimados e também não possuísse perspectiva de gerar uma criança, uma vez que era exigida a idade mínima de 50 anos ao adotante. (FERREIRA, 2010, p. 28). O vínculo adotivo não era indissolúvel, podendo ser desfeito pelo adotado até um ano depois de cessada sua menoridade ou interdição; quando adotado e adotante concordassem ou quando o adotado praticasse ingratidão. (BRASIL, Código Civil, 1916).
Com o advento da lei 3.133/57, que alterou dispositivos do Código Civil, nota-se maior preocupação humanitária e assistencial, o que sugere a ocorrência de mudanças na finalidade da adoção, passando também a se atentar em amparar as crianças abandonadas. A referida lei, entre outros dispositivos, modificava a idade mínima dos adotantes de 50 para 30 anos e permitia a adoção por pessoas que já tivessem filhos; entretanto, ainda era negado aos adotivos o direito sucessório, fazendo grave diferença entre os filhos naturais e os civis. (GONÇALVES, 2013, p. 382-383).
Em 1965, por força da lei 4.665, surge nova forma de perfilhação: a legitimação adotiva; posteriormente substituída pela adoção plena. Menores de sete anos, considerado abandonados, poderiam ser tomados como filhos por pares sem filhos, casados há mais de 5 anos, em que um dos cônjuges contasse com mais de 30 anos. Foi reconhecido o caráter irrevogável da legitimação adotiva e todos os efeitos legais da filiação passariam a cercar aquela criança, com exceção do direito sucessório em caso de superveniência de filho legítimo, quando o adotivo receberia então apenas metade do quinhão devido ao filho legítimo. (FERREIRA, 2010, p. 28-29).
Em 1949, em São Paulo, é editada a lei 560, que versava sobre o Serviço de Colocação Familiar, a ser criado junto aos Juízos de Menores daquele estado. A prática era comum e até mesmo institucionalizada, mas não havia sido regulamentada anteriormente. Por essa lei, crianças e adolescentes até 14 anos, que estivessem impossibilitados de conviver com sua família de origem, seriam encaminhados a famílias “substitutas”, entretanto, sem a finalidade de efetivamente fazerem parte dessa família. A colocação se daria de forma gratuita, sem qualquer tipo de relação monetária ou de forma onerosa; que poderia ser “colocação à soldada”, quando uma garota passasse a morar com a família para prestar serviços domésticos, sendo remunerada (parte entregue à garota e outra parte depositada em uma conta em seu nome); ou “colocação remunerada”, quando a criança ou adolescente era entregue à família e o Estado prestaria auxílio monetário para sua manutenção. Importante salientar que a intenção da lei não era encontrar famílias adotivas para essas crianças,[7] mas apenas desinstitucionalizá-las. (COSTA, 1988, p. 37-53).
Aos poucos, a aplicação da referida lei passou a ser, em grande parte, com a colocação remunerada de crianças em suas próprias famílias, visando auxiliar aquelas economicamente desfavorecidas. Com a mudança na mentalidade das camadas média e alta brasileiras, a colocação familiar perde cada vez mais força; as famílias que outrora queriam uma criança ou adolescente para ser “criada”, nos dois sentidos, passam a desejar a maternidade e paternidade de bebês. Da mesma forma, os objetivos estatais sofreram alterações e passaram a buscar o afeto nas relações de famílias substitutas[8]. Demais, as modalidades de colocação familiar supracitadas são incompatíveis com o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. (COSTA, 1988, p. 37-53).
A primeira norma legal brasileira inteiramente voltada para a infância (o Decreto nº 17.943-A de 1927, conhecido como o “Código de Mello Mattos”), não se ocupou do instituto da adoção, embora o admitisse, pois diversas vezes enquadra em suas hipóteses os “filhos adoptivos”. Promulgado em 1979, o Código de Menores se direcionava aos “menores em situação irregular”, tendo substituído os vocábulos abandonado, delinquente, infrator, transviado, desvalido, exposto. (NETO, 2015).
A legislação menorista bipartiu a adoção em plena e simples, esta regida pelo Código Civil de 1916. A adoção plena substituiu a legitimação adotiva, também era voltada a menores de sete anos de idade e possuía caráter irrevogável, mas ainda não se permitia adoção por pessoas solteiras. (SILVA FILHO, 2012, p. 34-35). Embora o Código de Menores não dispusesse expressamente acerca da possibilidade de revogação da adoção simples, estabelecia que tal modalidade seria disciplinada pelo Código Civil; assim, a adoção simples permaneceu revogável nos casos em que houvesse consentimento de ambas as partes, quando fosse admitida a deserdação ou se aquele que fora adotado ainda menor de idade assim decidisse até um ano após sua maioridade. (ALBERGARIA, 1990, p. 149-150).
Subsistindo ainda diferenças de tratamento, com claro preconceito em relação à filiação por adoção, possível conceber que diversas famílias registravam seus filhos por adoção como se biológicos fossem, como forma de protegê-los e possibilitar que efetivamente fossem tratados como iguais.
A Constituição Federal de 1988, elaborada após a retomada da democracia no país, erradicou a distinção entre adoção e filiação biológica, proibindo qualquer tipo de discriminação, o que inclui as diferenças nos direitos sucessórios. (DIAS, 2013, p. 497).
O instituto da adoção sofreu mudança radical com a promulgação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma legal que revogou o Código de Menores. A bipartição entre adoção simples e plena é erradicada, passando a existir apenas uma modalidade de adoção, aplicável à todas as crianças e adolescentes e, excepcionalmente, aos maiores de idade. À luz dos princípios constitucionais, o Estatuto elimina as discriminações entre filhos adotivos e biológicos, permite que sejam adotantes pessoas de qualquer estado civil e institui as adoções unilaterais e post mortem. Pela doutrina estatutária, toda e qualquer adoção passa a ser irrevogável, independentemente das peculiaridades do adotante e da idade do adotado. (FERREIRA, 2010, p. 31-32).
O Código Civil de 2002, em vigor, trazia normas acerca do instituto da adoção, orientadas pelo disposto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A adoção deveria então ser interpretada de acordo com ambos os diplomas legais (VENOSA, 2013, p. 287), persistindo a legislação especial em casos de conflito aparente de normas. (DINIZ, 1998, p. 39-40).
Em 2009 foi promulgada a lei 12.010, que trouxe importantes mudanças ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Código Civil de 2002, tendo unificado as disposições acerca do instituto da adoção, revogando o tratamento da matéria no Código Civil, que passa a reger apenas as adoções de maiores de 18 anos. Entre as alterações ensejadas por esta lei, estão: a substituição do vocábulo “pátrio poder” por poder familiar; a prioridade da reintegração ou manutenção da criança na família de origem; a orientação de não separação dos irmãos; a preparação preventiva e acompanhamento posterior da criança adotada; a preparação dos pretendentes à adoção; e a criação dos cadastros de adoção. (FERREIRA, 2010, p. 33-48).
No final do ano de 2017 surge a lei nº 13.509, que faz novas alterações no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Algumas mudanças que merecem destaque são: a disciplina da entrega voluntária com limitação temporal a 90 dias (prorrogável por igual período) para busca da família extensa; regramento geral para apadrinhamento afetivo e financeiro; institui prazo máximo de 90 dias para o estágio de convivência em adoção nacional e prazo entre 30 e 45 dias para adoções internacionais; prazo máximo de 120 dias para conclusão da ação de adoção, prorrogável uma vez mediante decisão fundamentada; a possibilidade de nomeação de peritos por parte da autoridade judiciária quando houver ausência ou deficiência de equipe técnica, medida tendente a garantir a celeridade dos processos; a obrigação de o postulante à adoção participar de programas de preparação; a necessidade de renovação da habilitação dos pretendentes; a determinação de reavaliação da situação de crianças acolhidas a cada 3 meses e prazo máximo de permanência de 18 meses. (BRASIL, lei nº 13.509, 2017).
A referida lei também traz a figura da punição à desistência e ao reabandono[9], a chamada devolução, prevendo a exclusão dos pretendentes do cadastro e impossibilidade de nova habilitação quando da desistência da adoção durante o período de guarda para fins de adoção ou se ocorrer reabandono após o trânsito em julgado da sentença de adoção, sem prejuízo de outras sanções. Constitui importante avanço este olhar do legislador para os problemas da desistência e do reabandono, uma vez que podem ser tão ou mais nocivos às crianças e aos adolescentes do que o primeiro abandono.
No momento atual, o instituto da adoção está se tornando cada vez mais conhecido e respeitado na sociedade brasileira. Como efeito da luta de profissionais engajados e de grupos de apoio, a nova cultura da adoção está sendo disseminada e fortalecida. Hoje é necessário entender a adoção como mais uma forma de filiação, não sendo apenas uma segunda opção ou a última alternativa.
A partir desta breve retomada histórica percebe-se que diversas crenças e preconceitos que assombraram a adoção por várias décadas, havendo resquícios até hoje, são provenientes do tratamento jurídico dispensado aos filhos por adoção; o que, por sua vez, também refletiu as reivindicações sociais de determinadas épocas.
Avaliando o tratamento discriminatório a que eram submetidos os filhos por adoção ao longo do tempo e até o ano de 1988 compreende-se porque diversas famílias escondiam de todos, inclusive dos próprios filhos, a origem da filiação.
É possível notar que a legislação, no tocante à adoção, foi sendo renovada em resposta às mudanças sociais experimentadas. Assim, foi sempre menos instrumento de mudança social e mais reflexo dos anseios da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SCHAPPO, Alexandre; MORAES, Suzana; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Características históricas e jurídicas da adoção. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 752. 2011.
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[1] O Código de Hamurabi, de origem Babilônica, foi elaborado entre 1728 a 1686 a.C.. É um escrito que abrange diferentes assuntos da vida privada e pública, contendo 282 preceitos. (MEDEIROS, 2009, p. 16).
[2] As Leis de Manu reuniam em uma mesma codificação preceitos de ordem moral, religiosa e política. A codificação foi elaborada na Índia, entre os séculos II a.C. e II d.C. (MEDEIROS, 2009, p. 17).
[3] Adoção feita entre estranhos, em que o poder familiar permanecia com a família de origem.
[4] Pessoas que tomavam conta de crianças abandonadas mediante paga.
[5] Instrumento de origem medieval, consistia em uma roda de madeira que ligava o interior de uma entidade assistencial à rua. A criança poderia ser colocada do lado de fora, em seguida a roda era girada e se tocava o sino para avisar a chegada da criança, não sendo necessário conhecer a identidade do expositor e permitindo o abandono com menos riscos de vida para o infante. (MARCILIO, In FREITAS (Org), 1997, p. 57).
[6] “§ 1º Aos Juizes de primeira instancia, precedendo as necessarias informações, audiencia dos interessados, havendo-os, e conforme o disposto no Regimento dos Desembargadores do Paço, e mais Leis existentes com recurso para a Relação do districto, compete: Conceder cartas de legitimação a filhos illegitimos, e confirmar as adopções.” (sic)
(BRASIL, Lei de 22 de setembro 1828)
[7] No presente trabalho, frequentemente, será utilizado o termo “criança” quando se pretender abarcar tanto crianças quanto adolescentes.
[8] Embora não seja o termo mais adequado, a expressão “família substituta” será utilizada no presente trabalho por ser a locução que melhor representa todas as “novas famílias”, ou seja, as que não são a família de origem.
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