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A lei dos registros públicos completa 45 anos
A lei dos registros públicos completa 45 anos
No dia 31 de dezembro de 2018 a Lei 6.015/1973 completou 45 anos em vigor.
São muitos anos! E sua trajetória de “vida” nesses 45 anos demonstra que além de bastante idosa, a lei sobreviveu a duríssimos percalços, começando pela lei de divórcio em 1977, a revolução feita no ordenamento jurídico nacional em 1988 com a promulgação da atual Carta Magna, passando por inúmeras leis pós constituição que transformaram a legislação civil, deixando bastante obsoleto o então vigente Código Civil de 1916. Dentre elas sobrepõe-se o Estatuto da Criança e do Adolescente que, no âmbito do Direito Civil e do Registro Civil das Pessoas Naturais, trouxe relevantes mudanças, harmonizando temas como adoção e filiação à nova ordem constitucional.
Em 2002 um novo Código Civil substituiu o de 1916, atualizando o regramento civil nacional, suprindo quase todas as lacunas abertas em mais de 90 anos de evolução jurídica. Em 2007, a Lei 11.441 facilitou a formalização do fim do casamento com a possibilidade de separar e divorciar por Escritura Pública e, 3 anos após, a Emenda Constitucional 66/2010 fez do rompimento do casamento um ato quase sempre mais simples que o próprio casamento. E a Lei de Registros Públicos? Sobreviveu a tudo isso. Quando ela foi editada, em 1973, sequer existia divórcio no Brasil.
Será que os créditos pela longevidade são mesmo da idosa e em muito ultrapassada Lei de Registros Públicos? Não obstante ela ter sido muito bem elaborada, com disposições plenamente coerentes com o que se vivia em 1973, os últimos 50 anos da história do Brasil foram marcados por uma vultosa evolução no âmbito do Direito das Famílias, tornando imprescindível a alteração sistemática do ordenamento jurídico que, claro, não ocorreu. Sem dúvida, é meritória a sobrevivência, mesmo que em “estado vegetativo”, dessa lei dos anos 70. É uma constatação de que realmente foi muito bem estruturada.
E por qual motivo manter uma lei em vigor por tantos anos, causando um esfacelamento que se agrava a cada edição de novas normas? Imagina-se que a resposta esteja no arrastado funcionamento do processo legislativo no país, extremamente moroso e burocrático; na insuficiência de assessoramento técnico-jurídico eficaz aos parlamentares, tanto para identificar demandas de atualizações quanto para propor textos que as implementem; na falta de consonância entre os parlamentares e, ainda, no exorbitante número de deputados e senadores que compõem o Congresso Nacional, com direito/dever de voz e voto.
A aniversariante é uma lei específica, que dita as regras de funcionamento da atividade registral no país, definindo desde o formato do papel em que deve ser escriturado um registro até a discriminação de seu conteúdo obrigatório. E mesmo diante de tantas alterações, ela continua sendo o principal norte do registrador civil das pessoas naturais.
Contudo, seu texto apresenta vários dispositivos que sofreram revogações tácitas, cuja inobservância poderá comprometer a eficácia e até mesmo a validade de atos registrais. Como pontos sensíveis podem ser citados, em uma disposição meramente exemplificativa, a classificação de filhos como legítimos e ilegítimos, a possibilidade de averbação de escritura de adoção, a legitimação adotiva, a averbação de legitimação de filhos pelo casamento de seus pais, as determinações do artigo 32 sobre transcrição, que estão totalmente desatualizadas em função da Emenda Constitucional nº 54, e regras sobre a interdição, alteradas pelo recente Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A rigor, e no que concerne ao registrador civil de pessoas naturais, é imprescindível que se tenha um conhecimento profundo e uma atualização diária das leis, atos normativos e julgados. Numa situação antagônica, ficaria comprometida a eficácia de alterações que poderiam significar ganhos imensuráveis às relações familiares e de cidadania. Enquanto profissional do direito responsável por registrar, manter, arquivar e dar publicidade, nos termos da lei, aos atos e fatos da vida civil das pessoas físicas, o registrador é responsável por entregar a todo cidadão um documento que comprova seu real e atual estado civil. Esse documento leva consigo a fé pública do registrador que a ele confere autenticidade. E a inobservância de qualquer critério que tenha modificado tacitamente regras de procedimento fixadas pela lei de registros públicos pode causar consequências imensuráveis ao usuário do serviço como também a cidadãos que porventura venham a participar de qualquer relação jurídica da qual dependa a certidão de registro civil.
O ainda imprescindível manual de procedimentos dos registradores brasileiros depende de muita eficiência, de destreza e da dedicação dos oficiais, em prol do interesse público e da sua lisura na prestação do serviço que lhe foi confiado. E foi por esse comprometimento do registrador que a Lei pôde continuar sendo aplicada, mesmo depois de tantas mudanças. Porque se seguissem a esmo os dispositivos da Lei de Registros Públicos, como o “errante navegante” de Caetano Veloso, ela não sobreviveria por 45 anos.
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