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Máximas e brocardos latinos
Há gente que se acha sabida e afirma que não há necessidade do estudo e da aprendizagem do latim em nossas escolas, garantindo que se trata de língua morta, irrelevante, não havendo o “mínimo interesse” em aprendê-la. O latim é do ramo itálico, originalmente falado no Lácio, região do entorno de Roma. O português derivou do Latim Vulgar. Olavo Bilac deixou o verso imortal: “Última flor do Lácio, inculta e bela”. Portanto, a crítica daquele “metido a sabido” não tem a mínima pertinência, e vou buscar no próprio latim uma resposta para ele: “Ne sutor ultra crepidam” = “não vá o sapateiro além da chinela”: trata-se da famosa resposta do pintor grego Apeles a um sapateiro, que, depois de haver acertadamente criticado, num de seus quadros, a posição de uma sandália, julgou-se autorizado a depreciar o resto da pintura.
Muitos de meus alunos censuram os autores de livros que, no meio ou no final de alguma lição escrevem um ditado, um provérbio, como, por exemplo: “In medio stat virtus” = “no meio termo está a virtude”, e não apresentam a tradução, deixando o leitor na dúvida. Meu saudoso avô, dr. Gonçalves Bastos, professor catedrático de Direito Processual Civil e, por muitos anos, diretor da Faculdade de Direito do Pará, usava sempre o brocardo: “Est modus in rebus” = há uma medida em todas as coisas, locução que aparece nas célebres Sátiras de Horácio, e o bondoso “velho” Bastos sempre explicava o significado da mesma: deve-se evitar os excessos, os radicalismos, e é preciso agir dentro de limites certos, com reflexão, prudência, moderação.
Há tempos, penso em escrever um ou dois artigos – ou até mais – divulgando, tornando acessíveis locuções e máximas latinas, que povoam a literatura jurídica, a linguagem forense, as petições, pareceres, sentenças, votos, fornecendo a tradução, o significado das mesmas. Vou começar pela coluna de hoje. Espero que tenha utilidade, para os leitores, em geral, e operadores do Direito, sobretudo, estudantes universitários da área de Ciências Humanas. Vamos, então, começar:
“A priori” = a princípio / “ab origine” = desde a origem. O mesmo que “ab initio” ou “ab ovo” / “Abundans cautella non nocet” = cautela abundante não prejudica / “Accessorium sequitur principale” = o acessório segue o principal / Acta est fabula” = a peça chegou ao fim. Foram também as últimas palavras de Augusto antes de morrer / “Ad calendas gregas” = para as calendas gregas. Ou seja, para nunca, porque os gregos não tinham calendas, como os romanos / “Ad impossibilia nemo tenetur” = ninguém é obrigado ao impossível. Por exemplo: a tocar o céu com o dedo / “Ad judicia” = para fins judiciais / “Alea jacta est” = a sorte está lançada. Frase célebre de Júlio César quando regressava de Gália e se preparava para atravessar o rio Rubicão / “Alterum non laedere” = não prejudicar ninguém. Dever jurídico geral./ “Amicus certus in re incerta cernitur” = o amigo certo se encontra na hora incerta / “Amor omnia vincit” = o amor tudo vence. Divisa utilizada pelo escritor e fotógrafo Guy Veloso / “Beati pauperes spiritu” = bem-aventurados os pobres de espírito. Palavras de Cristo no Sermão da Montanha / “Bis in idem” = repetição sobre a mesma coisa / “Carpe diem” = aproveite o dia de hoje / “Cave canem” = cuidado com o cão. Inscrição gravada nos umbrais das casas romanas, cujo uso se transmitiu até os nossos dias / “Cogito ergo sum” = penso, logo existo. Princípio da autoria de Descartes / “Cessante causa, tollitur effectus“ = cessando a causa, tira-se o efeito / “Consummatum est” = tudo está consumado. Últimas palavras de Jesus Cristo, ao expirar na cruz / “De cujus” = o falecido, o autor da herança / “De lege ferenda” = da lei a ser criada (proposição) / “De lege lata” = da lei criada, já existente, em vigor / “Dormientibus non sucurrit jus” = o direito não socorre a quem dorme. No mesmo sentido: “Tarde venientibus ossa” = aos que chegam tarde, os ossos / “Ex facto jus oritur” = do fato nasce o direito / “Ex nunc” = desde agora; daqui para frente / “Ex tunc” = desde então; com efeito retroativo / “Ex officio” = de ofício, por força do cargo; sem necessidade que alguém requeira / “Ex vi legis” = por força da lei / “Hereditas viventis non datur” = não há herança de pessoa viva. Expressão que aconselhei a uma cliente – senhora idosa e doente – que dissesse a seu filho – rude, beberrão -, que exigia que ela lhe repassasse logo “a herança a que tinha direito” / “Habemus Papam” = temos Papa. Fórmula com que se anuncia ao povo de que acaba de ser eleito um novo Papa / “Homo homini Lupo” = o homem é lobo para o homem / “I” = vai embora. Imperativo do verbo “eo, is, ire...”. É a frase mais curta conhecida / “Idem” = o mesmo; a mesma coisa / “In cauda venenum” = na cauda está o veneno. É na parte final do discurso que o orador põe toda a malícia / “In dubio pro reo” = na dúvida a favor do réu. Princípio de direito penal. Relaciona- se com a presunção da inocência / ”verba volant, scripta manent” = as palavras voam, os escritos permanecem / “’Inter amicos non esto judex” = entre amigos, não sejas juiz, não escolha um dos lados, não tome partido.
O espaço está acabando. Futuramente, quem sabe, voltarei no assunto. Para terminar, cinco ditados: “Errare humanum est, perseverare autem diabolicum” = errar é humano, perseverar, diabólico / “In vino veritas” = sob o efeito do vinho, a verdade aparece. Máxima que ouvi do advogado Sérgio Couto, num almoço que ele generosamente ofereceu a amigos, no Trastevere, bairro mais charmoso e autêntico de Roma / “Quis custodiet custodes?” = quem guarda os guardas? / “Parce sepulto” = poupe a quem está sepultado. Recebi um telefonema do Rio de Janeiro, de meu cunhado, advogado e professor André Luiz Santos, contei que estava escrevendo este artigo, e ele me deu a sugestão para terminá-lo com a expressão: “Tollitur quaestio” = acabou-se a questão, encerrou-se a discussão, não se fala mais nisso.
Zeno Veloso
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