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Quem cuida da infância em Rondônia?
Rondônia tem sido um território de aviltamento para as crianças, esses sujeitos sociais titulares de direitos e tomados de subjetividades, para além da tradicional visão de meros objetos de depósito de desejos de adultos.
A infância tem sido observada sob um marco da punição e da ordenação, seja a violência intrafamiliar ou a pretensão punitiva estatal.
Há uma escassez de cidadania, negando o acesso aos mais básicos direitos às crianças, enquanto agiganta-se as falas coletivas pelo punitivismo doméstico ou estatal.
Esse intento do punir e do abusar das infâncias se manifesta sob muitas formas, organizadas de apropriação ilegal dos corpos infantis, produzindo e ampliando vulnerabilidades.
Atualmente, Rondônia é o terceiro no país em exploração e trabalho infantil, segundo os mais recentes elementos colhidos pelo IBGE.
Depois de ter figurado em primeiro lugar no ranking de exploração e trabalho infantil, tivemos um discreto incremento no ainda vergonhoso índice.
Outra pesquisa, realizada pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, coordenada pela ginecologista Marta Finotti, apresentou que a média de gravidez na adolescência em Rondônia é de mais 27%.
Portanto, do total de partos em Rondônia, quase três em cada dez partos foram de meninas entre 10 e 19 anos de idade, estando acima da média nacional e ocupando a sétima posição no país de índices de gestação na adolescência, grande parte dessas gestações, não planejadas.
O último dado que aqui trago, é o recém noticiado mapeado realizado pela entidade Childhood em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal, demonstrando que Rondônia está em primeiro lugar de crescimento de pontos de exploração sexual no ranking nacional, sendo uma das unidades federativas com o maior índice de municípios com tais pontos de exploração de crianças e adolescentes.
Todos esses dados são notórios, explorados à exaustão pela imprensa e documentados em briosos relatórios, confeccionados com técnicas de pesquisas das mais apuradas.
O quadro geral que se depreende é que as crianças e adolescentes em Rondônia tem servido para a exploração total, indo da aviltante apropriação da força de trabalho à extremada possessão não consensual de corpos.
Tem-se uma conjuntura de descumprimento das promessas constitucionais e políticas, que se estrutura com uma efetivação insuficiente do sistema de garantias e direitos.
Precisamos, individualmente, pensar urgentemente em processos de aprendizagem não discriminatória para com a infância.
O enfrentamento da intolerância e a desigualdade econômico-social precisa ser uma pauta da agenda governamental, com real alocação orçamentária para que se efetivem programas de enfrentamento à essas violências enraizadas.
É a violência a gramática disponível para a infância e juventude em Rondônia. Um desafio enorme para o tempo presente.
Desarticular nossos mais íntimos pensamentos e discursos que contrariem a dignidade humana é um esforço diário, a ser mentalizado. Se há pobreza e desigualdade, pode haver desenvolvimento. Se há violência, também pode haver uma cultura de paz.
Reformular esses fazeres autoritários e desmontar as culturas do infanticídio é um processo que tardou demais em iniciar. A boa notícia: mesmo tarde, ainda podemos começar.
Vinicius Valentin Raduan Miguel
É docente da Universidade Federal de Rondônia. Doutorando em Ciência Política pela UFRGS. Integrou a coordenação geral da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente. Compõe o grupo de trabalho do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Maria dos Anjos, em Porto Velho. Associado ao IBDFAM.
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