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Fuja enquanto pode
Quantas vezes você já escutou: homem mata a mulher porque discordava do fim do relacionamento. Há variações: matar junto a sogra, a cunhada e os filhos. Ou mata na frente dos filhos, da sogra, dos familiares e dos vizinhos. Raramente assassina na presença do sogro ou de um cunhado, pois, embora em fúria psicótica, outro homem pode inibir a vileza. O assassinato de mulheres tanto habita as páginas das más notícias, que virou nova palavra feminicídio – e ganhou legislação específica.
Essa epidemia é um dos indesejáveis subprodutos da emancipação feminina, um desencontro cronológico: homens do século 19 chocando-se com mulheres do 21. Eles procuram aquelas que os valorizem não pelo que são, mas simplesmente por terem nascido biologicamente machos. Buscam herdeiras do olhar da mãe para a "maravilha" de ter dado à luz um varão. Esses seres anacrônicos se sentem feminizados quando abandonados, ou anulados, como se sofressem um aborto tardio. Sua masculinidade se esvai e exigem uma cota de sangue feminino para refundar a macheza perdida. Para possuir letalmente a fêmea que não controlam, lambuzam-se em seu sangue, como quando chegaram ao mundo.
Enquanto for preciso conviver com essa espécie de macho, além de proteger as mulheres e puni-los, é preciso pedir a elas que abram mão das crenças tolas que as colocam em risco:
"Comigo vai ser diferente." Não vai. Não era a ex a culpada, era ele que exigia uma submissão ao seu projeto.
"Meu amor vai curá-lo." Não vai. Pode piorar. Começa o ciúme e você vai ter que se esconder numa caverna para não ser vista por mais ninguém.
"Vou saber lidar com ele." Não vai. A violência paralisa, desconcerta e não cessa com suas palavras ou lágrimas.
"Vai melhorar." Não vai. Homem que bate segue batendo. Quem se faz valer pela força só conhece esse caminho.
"Se denunciar pode piorar." Errado, já está pior e você não vai controlar ele sozinha.
"Cachorro que late não morde." Morde sim. Se ele disser que vai matá-la, que você vai pagar pelo "crime" de ter deixado de amá-lo, algo ruim vai suceder.
"Mas ele me ama." Não ama, precisa de você como um espelho que lhe devolve uma imagem de homem que não para em pé. Só a amará se você se anular, e se isso for amor...
É preciso convencer as potenciais vítimas de que seu amor não é capaz de domar o monstro do ódio às mulheres. Carece quebrar a imagem da mulher santa, que se sacrifica pelo seu homem como uma mãe faria pelo filho.
Nunca tem saída? Depende, se ele procurar um terceiro, um terapeuta, um amigo, um familiar mais velho e sábio e admitir que tem um problema, temos uma luz. Mas, atenção, vale já ter procurado ajuda, não a promessa. Fora disso, fuja!
Publicado em Jornal Zero Hora, ano 54, nº 19.074, sábado/domingo, 28 e 29 abril de 2018, p. 62.
Mário Corso
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