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Quem matou Naiara
Maria Berenice Dias
Advogada, Vice Presidente Nacional do IBDFAM
No dia 9 de março, Naiara, aos sete anos de idade, foi sequestrada, estuprada e morta. O autor do crime está preso, mas cabe perguntar: de quem é a responsabilidade por sua morte?
Talvez Naiara sequer merecesse ter nascido. Foi a 8ª filha de uma mãe que, pela negligência com que tratava os filhos, há um ano já era acompanhada pelo conselho tutelar. Abandonou uma das filhas no hospital, que é criada pela avó. Viciada em crack, a mãe deixava os filhos na rua, com fome. Depois de quatro anos, em 2014, os sete dos filhos foram levados para um abrigo. Durante um mês Naiara e dois irmãos ficaram com a avó materna, que os devolveu. Nunca mais foram procurados por algum familiar.
Tudo isso aconteceu na cidade de Vacaria-RS. Mas descobriu-se uma tia paterna que residia há mais de 100 km, em Caxias do Sul-RS. Apesar de morar em uma casa de quatro peças com cinco filhos, ela aceitou ficar com Naiara e dois irmãos dela. Desempregada, recebia R$ 400,00, a pensão dos sobrinhos pela morte do pai. Certamente não foi feita qualquer avaliação, nenhum acompanhamento. Faltou comunicação e sobrou burocracia entre os órgãos de proteção. Sequer a Justiça de Vacaria comunicou a Caxias que as crianças haviam sido transferidas para lá.
Esta situação permaneceu por três anos, até que aconteceu o que aconteceu. Uma tragédia anunciada. Naiara, sozinha, caminhava dois quilômetros até o colégio. Nem a tia, nem a escola e nem o conselho tutelar sabiam disso.
Fica a pergunta: Qual seria o futuro de Naiara e de seus irmãos se, ao ser constatado que a mãe, dependente de drogas, deixava os filhos abandonados, tivesse o Estado cumprido o seu papel de assegurar-lhes proteção integral e convivência familiar, como garante a Constituição da República? Como eles foram parar em uma cidade distante, com uma tia paterna, que tinha cinco filhos e nenhuma condição ou estrutura para ficar com a guarda dos sobrinhos? Por que houve o descumprimento da lei que admite somente a entrega à família extensa: parente com quem a criança convive e mantém vínculo de afinidade e afetividade (ECA, art. 25 § 2º)?
Qual o destino dos sete filhos de Naninha, se não tivessem ficado abrigados por três anos? Se não fossem entregues a quem não era sua família extensa? Se a Justiça tivesse sido mais célere em disponibilizá-los à adoção?
Certamente Naiara não estaria morta.
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