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Crianças e adolescentes invisíveis
Comecei o ano contemplando a imagem de um menino na praia de Copacabana durante o Reveillon, retratada pelas lentes do fotógrafo Lucas Landau, o qual, posteriormente, profetizou em suas redes sociais que: “a fotografia abre margens para várias interpretações; todas legítimas”. Inspirado pela simbólica imagem, volto a reflexão para a questão das crianças e dos adolescentes invisíveis, recolhidos nos mais diversos abrigos de nosso país, esperando que o acaso lhe traga a ventura da adoção.
Assim como o olhar marcante e admirado do menino, voltado para os fogos de artifício que comemoram a chegada de um novo ano, enquanto famílias em regozijo se abraçam calorosamente, ignorando-o por completo; milhares de crianças e adolescentes encontram-se acolhidas em abrigos distribuídos nos mais variados rincões, literalmente depositados e incógnitos, personas intangíveis, ignoradas pela imensa maioria da população nacional e preteridos pelo Estado. São hoje, mais de de 46 mil crianças e adolescentes que se encontram acolhidas no Brasil (46.780 acolhidos, segundo dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas do Conselho Nacional de Justiça, em consulta realizada no dia 03 de janeiro de 2018), aguardando que a roda da fortuna os leve à uma nova família, poupando-os de um destino atrelado à marginalidade e ao Brasil do século XIX, com tão bem vaticinou Elio Gaspari em seu artigo “Um Brasil politicamente incorreto”, publicado no jornal Folha de São Paulo, na edição de 03 de janeiro de 2018.
A imagem retratada por Landau chamou minha atenção pela postura do menino, de braços atados, como atrelado a um sistema arcaico, estático e indissolúvel, sinalado por “exclusão e desigualdade —também de renda ou cor de pele, mas sobretudo de oportunidades”, como ressalta Marcos Troyjo em seu artigo “O menino do Réveillon e o futuro da desigualdade”, também publicado na edição da Folha de São Paulo, de 03 de janeiro deste ano.
Esse é o cenário dos acolhidos, carentes de oportunidades, a representar um incômodo ao Estado, que possui o dever legal de dar-lhes amparo, sustento e educação, mas pouco faz - para dizer o mínimo-, a despeito da garantia de prioridade absoluta à criança e ao adolescente, disposta pelo art. 227 da Constituição Federal e pelo art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Porém, esse incômodo não se limita à atividade estatal, eis que a sociedade também revela todo o seu embaraço ao tratar do espinhoso tema dos acolhidos. No Brasil do século XXI, famílias abastadas despendem verdadeiras fortunas em clinicas de reprodução assistida, ao passo que milhares de infantes permanecem entulhados em seus respectivos abrigos, silenciosos e imperceptíveis, aguardando pela raríssima oportunidade de colocação em uma família substituta.
Carentes de abrigo e alimentação adequados e com educação precária, os que sobreviverem irão se juntar ao perverso exército da agenda do século XIX, sem capacitação e oportunidades, precocemente incompatíveis, como nos fala Marcos Troyjo.
Que neste ano de 2018 a sociedade brasileira comece a descortinar o véu que encobre essas 46.780 crianças e adolescentes despercebidos, passando da constrangedora insensibilidade e da constrangida inação à efetiva participação social, seja na escolha de candidatos que perfilhem dessa preocupação, seja na concretização de ações voltadas à tutela desses interesses.
Visando à efetivação da tutela dessas crianças e adolescentes, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, participou ativamente dos trabalhos de elaboração do anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção, hoje Projeto de Lei do Senado n° 394, de 2017, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues, que se encontra disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131275. Fica o convite para a sua leitura.
JOÃO RICARDO BRANDÃO AGUIRRE. Advogado. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo – IBDFAMSP. Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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