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Abaixo o foro privilegiado
As imunidades parlamentares e o chamado foro privilegiado, do ponto de vista teórico, puramente doutrinário, até podem apresentar alguma razão, algum razoável motivo, mas, na prática, na vida real que vivemos, em nosso país, representam instituições odiosas, que se têm prestado para perpetuar injustiças e acobertar ladrões de toda espécie, pilantras consumados, que ficam livres de qualquer punição, rindo, cínica e gostosamente, da sociedade. Já escrevi um pequeno livro sobre imunidades parlamentes e, como relator da Constituição do Pará, em 1989, propus e foi aprovada uma norma que foi elogiada por ninguém menos que o grande jurista e político Paulo Brossard e em vários congressos de direito constitucional, aqui e fora daqui, apontada como pertinente e avançada. Vou transcrever o art. 95, § 10, da Carta paraense: “Observados os fundamentos e princípios que norteiam esta Constituição, a imunidade formal, conferida aos Deputados, jamais deverá servir de apanágio à impunidade”.
Quanto ao terrível e antidemocrático foro privilegiado, por iniciativa do Ministro Luís Roberto Barroso, o Supremo Tribunal Federal está tentando limitar gravemente esse benefício odioso, para que se aplique somente para políticos acusados de crimes cometidos no exercício do mandato em vigor, e por atos relacionados com o mandato. Assim, o foro privilegiado não atingiria crimes como de homicídio, violência doméstica, estupro.
Reunido anteontem, 23 de novembro, o STF discutiu e votou a proposta do Ministro Barroso, e o resultado está favorável à mesma: 7 a 1. Mas o Ministro Dias Toffoli, alegando que o tema está em discussão também no Congresso Nacional, pediu vistas do processo, o que impediu a proclamação do resultado, evitou que a histórica decisão entrasse logo em vigor. Algumas vezes, esses pedidos de vistas servem apenas para procrastinar, jogar a decisão final para “calendas gregas”, sendo chamado “obstrutivo”. Infelizmente, há casos em que depois dos pedidos de vista os processos não voltam logo para o Plenário resolver, e ficam engavetados por várias sessões, por meses, amortalhados até por anos! Vamos ver qual vai ser a atitude de Toffoli com relação a este caso. Creio que ele vai devolver os autos com brevidade.
A não ser a bandidagem que não quer de jeito algum que o foro privilegiado sofra restrição ou saia de cena, não há uma só pessoa de bom senso que seja favorável que ele seja mantido da forma elitista, desigual e absurda com que está regulado no Brasil. A Ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, deu uma declaração importante: “todos devíamos ser julgados, mesmo, por juízes de 1º grau, aplicando-se a regra geral, como cidadãos que somos”.
Sempre fui contra esse tal “foro privilegiado”, considerando-o uma excrescência, um “ponto fora da curva”. Há cerca de dez (10) anos, neste espaço, escrevi um artigo denominado “Abaixo o foro privilegiado” e vou transcrever alguns parágrafos do mesmo:
“(...) temos de lamentar que muitos privilégios e discriminações continuam ocorrendo no Brasil. Basta fazer uma visita ao presídio (qualquer presídio) e verificar que tipo de pessoas estão ali recolhidas – qual o nível cultural, social, econômico, qual a cor delas. Indague ao diretor do estabelecimento se está ali algum homem rico, algum doutor, algum político. Se a resposta for positiva, o que é altamente improvável, trata-se, com certeza, da exceção da exceção.”
“Nossas autoridades, quando praticam algum crime, têm direito ao que se chama “foro privilegiado”. Em alguns casos, são pessoas que assaltam cofres públicos, que roubam a merenda de crianças, que ficam com verbas para construção de escolas, que recebem “mensalões”, entram na folha de empreiteiras, que compram votos, que praticam corrupção eleitoral e outras trapaças, que se associam com o crime. E os “bonitinhos”, quando são apanhados, escapam do juiz de primeira instância e são processados e julgados pelos tribunais recursais ou superiores. “Processados e julgados” é forma de dizer, balela, conversa fiada, lei que vira potoca, porque, invariavelmente, o processo não anda e prescreve o crime; jamais os figurões são condenados, nunca são presos, de modo geral ficam impunes, num escárnio à sociedade. E quase sempre conseguem se eleger e reeleger, pois conhecem o caminho das pedras, são experientes na sedução, na corrupção, na demagogia, na compra de votos, na prostituição da vontade do eleitor (que já é muito debilitada, enfraquecida pelo analfabetismo e semi-analfabetismo). Voltam afirmando que foram “absolvidos” pelas urnas. Desfaçatez!”
“Os ministros dos tribunais superiores, tentando justificar a demora crônica de suas decisões, alegam excesso de trabalho, número enormíssimo de demandas, parafernália de normas recursais. Já se vê que não têm meios, treinamento, estrutura, nem tempo para promover os processos criminais. E tudo fica como dantes no quartel de Abrantes.”
“O foro privilegiado é perverso, caviloso, aristocrático, tem de ser banido, em nome da igualdade, em nome da democracia. O foro privilegiado é o foro da impunidade, é o foro que alforria alguns dos piores bandidos do país. O foro privilegiado – como o nome indica – é um atraso, é uma vergonha.”
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