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Novas formas de família demonstram nova relação com a pátria
As ideias sobre pátria e nacionalismo não estão fora de moda. Elas continuam importantes, mas mudaram de sentido, ou melhor, a relação dos indivíduos com a pátria se inverteu.
Não há mais lugar para os valores sacrificiais, como aquilo que se exaltava no Hino da Independência (letra e música de D. Pedro I Evaristo da Veiga): “Ou ficar a pátria livre / Ou morrer pelo Brasil”. Ninguém mais morreria para salvar a pátria, a não ser alguns fanáticos religiosos, homens-bombas e outros revolucionários que ficaram parados no tempo.
Não são mais as pessoas que devem servi-la, ou sacrificar-se por ela. É a pátria que deve estar a serviço das pessoas. Os problemas aparentemente privados são os problemas políticos de hoje. A dívida pública, o mar de lama da corrupção, finalmente escancarada, principalmente pela operação “lava jato”, não teriam tanta importância política se o cerne da questão não fosse a do mundo que queremos deixar para os nossos filhos e gerações futuras.
Esta inversão de valores, radicalmente inédita na história da humanidade, é o que é o novo tempo. E isto advém da revolução da família moderna e o novo humanismo. Se o laço familiar está fundamentado no afeto, e não mais na economia, é natural que surjam novas formas de família.
E por isto é que, gostemos ou não, queiramos ou não, novas estruturas parentais e conjugais estão em curso, como as famílias simultâneas, poliafetivas, multiparentais, coparentais etc. Elas continuarão existindo e reivindicando seu lugar ao sol e no laço social, independentemente da permissão do Estado, que não deve interferir nestas questões privadas, a não ser para proteger pessoas vulneráveis.
Assim, a revolução silenciosa que a família vem provocando é, portanto, a grande questão política atual. A luta por um país melhor é sem sentido, ou deixa de ser verdadeira, se a autonomia privada do sujeito não anda bem, se ele não tem a liberdade de escolha de seus afetos e da forma de constituir sua família, que é o locus do amor e de formação do sujeito. E se, a pátria é a família amplificada, o sentido de se lutar por um país melhor passa necessariamente pela compreensão de conceito de família que se sustente na liberdade e na autonomia privada.
Todos assistimos ao ridículo espetáculo da votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, quando a maioria dos deputados, votando sim ou não, proclamava seu voto em nome da família. Claro que foi completamente bizarro, mas, além de revelar que eles estavam ali por interesses particulares, revelavam também talvez inconscientemente que “minha pátria é minha família”. Mas, de alguma forma, falavam desta nova relação pátria família, ainda que ali, completamente inadequada e equivocada.
O amor e a autonomia privada têm sido fonte de ampliação dos horizontes da verdadeira política hoje. Nunca se demonstrou tanta preocupação com o outro e o seu bem estar como nas sociedades atuais. É assim que a política hoje, para ser verdadeira, deve ter seu ponto de partida, e de chegada, nas relações interprivadas, que começa e acaba nas relações familiares.
Ao completar 20 anos de existência, em 25 de outubro, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) já se consolidou como um agente de grandes transformações políticas e sociais ao renovar o conceito de família, ao abrir espaço para discutir todas as suas possibilidades e formas de sua constituição. O Direito é um instrumento ideológico de inclusão e exclusão de pessoas e categorias no laço social.
Não se pode mais repetir as injustiças históricas de exclusão e expropriação de cidadanias, como aconteceu com os negros, as mulheres e os filhos e famílias havidos fora do casamento. Esta e a nova pátria que se deve enaltecer.
A pátria amada, gentil, deve acolher todas as formas de família, por mais inusitadas que possam parecer. Esta é a relação entre família e pátria, já que a política hoje se inscreve, e se escreve, é a partir da vida privada, do sujeito de desejo, e da liberdade de escolha de seus afetos.
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.
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