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Mudança estrutural ou reforma emergencial?
Fonte: Boletim do IBDFAM nº 24
Primeiramente, é preciso que se tenha a consciência de que o Judiciário necessita de uma reforma para as questões emergentes, mas, sobretudo, necessita de uma mudança estrutural, advinda de profunda reflexão sobre a efetiva eficácia dos meios de acesso à Justiça. Somente a partir desta visão mais ampla é que será possível traçar as diretrizes norteadoras da concepção de um novo modelo de prestação jurisdicional.
A criação da Secretaria da Reforma do Judiciário, em maio de 2003, pelo Ministério da Justiça, representa a concretude da vontade política de promover um debate nacional e democrático, proporcionando a oportunidade de participação de todos os segmentos da sociedade em prol de uma reforma-mudança do Judiciário. E, neste contexto, a mediação tem merecido destaque, contemplando a tendência mundial de desenvolvimento desta via de acesso à justiça.
A reforma do Judiciário deve ser compreendida como um movimento de fora para dentro, periférico, de natureza emergencial, sem aprofundamento nas causas que desencadearam o status quo.
A mudança do Judiciário constitui uma abordagem de dentro para fora, muito mais profunda, a partir da reflexão sobre as causas que deram origem ao status quo, buscando uma atualização capaz de minimizar a distância entre os meios de acesso à justiça e o cidadão, realidade hoje expressa pela absurda demora de cerca de quatro anos para distribuição de um recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme tem sido amplamente noticiado pelos veículos de comunicação.
A Mediação é o instrumento de mudança do Judiciário, dada a sua natureza interdisciplinar, com fundamentação filosófica, não podendo ser reduzida a instrumento de reforma do Judiciário, tendo em vista a ótica de natureza periférica e emergencial.
O primeiro passo para a compreensão deste instrumento de mudança é a sustentação teórica da diferença entre mediação, conciliação e arbitragem, posto que estes termos têm sido empregados como sinônimos, indiscriminadamente, e sem qualquer critério, desconsiderando a estrutura lógica de cada conceito.
A Mediação constitui um dos meios de escolha disponíveis para que o cidadão tenha acesso à justiça, ao lado de outros meios da mesma escala valorativa, tais como a jurisdição estatal, a conciliação e a arbitragem. Porém, são conceitos que não se confundem, pois, dispõem de linguagem própria.
A técnica da Mediação, examinada sob a ótica da teoria da comunicação, é um método fundamentado, por meio do qual uma terceira pessoa, imparcial e especialmente treinada, ensina os mediandos a despertarem seus recursos pessoais para que consigam transformar o conflito que os opõe. Essa transformação constitui oportunidade de construção de outras alternativas para o enfrentamento ou prevenção de conflitos.
Porém, antes da indicação da técnica da mediação para os conflitos judiciais ou extrajudiciais, é necessário que os operadores do Direito estejam afinados com o espírito da mediação, que vem a ser a ampliação do conhecimento jurídico pela visão interdisciplinar do conflito humano.
As questões de Direito de Família, seguramente, são as mais afeitas à mediação, dada a natureza dos conflitos terem, como fundamento, as relações de afeto. Muito se investe para promover conciliações nestes processos, quando, o indicado é a mediação. Destaque-se, outrossim, que também há muitos esforços para promover a mediação ? termo que está na moda - quando o conteúdo é de conciliação. E isto se dá por falta de conhecimento e discriminação entre ambos os institutos, afastando os sujeitos do conflito de uma eficaz e efetiva prestação jurisdicional, pelo que voltarão ao Judiciário tão logo surja uma nova manifestação do mesmo conflito mal assistido.
Em matéria de família, uma das mais graves causas de acúmulo de processos se deve, indiscutivelmente, às execuções de alimentos. Devido a um sólido entendimento jurisprudencial, que só acolhe pedido de prisão do devedor com três meses de inadimplência, no máximo. Destarte, os advogados promovem uma execução a cada três meses, que são distribuídas livremente, portanto, os juizes não têm conhecimento dos desdobramentos do litígio, pois só observam a execução de sua competência, sem se dar conta de que é oriunda de um conflito maior.
Numa visão interdisciplinar do conflito, o juiz sensível poderá, por exemplo, designar uma audiência de tentativa de conciliação - prática pouco usual para este procedimento - criando, assim, a oportunidade de acolher as partes, valendo-se do precioso valor simbólico que exerce sobre o jurisdicionado, promovendo uma escuta qualificada, criando espaço para que o sofrimento de ambos seja reconhecido. Este magistrado vocacionado ? qualidade indispensável ? para atuar nos conflitos familiares, poderá proporcionar às partes o resgate da comunicação adequada, que, desassistidos, comunicavam-se inadequadamente pela via do litígio.
A mediação como instrumento de mudança - e não de reforma - não tem como objetivo desafogar o Judiciário por meio da celebração de acordos, sob a aparência de pôr fim ao litígio, mas acaba tendo como efeito a diminuição da litigiosidade e a redução do número alarmante de processos.
A mediação interdisciplinar é criativa, em decorrência da sua própria linguagem, promovendo a exaltação do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, promove a humanização do Direito de Família, exigindo que os aplicadores deste ramo da ciência jurídica tenham preparo científico para atingir o amplo alcance da tutela disponível às pessoas envolvidas em conflito familiar, reconhecendo a complexidade da tarefa e a responsabilidade que assumem junto ao mais amplo conceito de cidadania.
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