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O poliamor e sua repercussão judicial
Nazaré Silva Cajado
Graduada em Direito pela FA7.
Sumário: Introdução. 1. Poliamor. 2. Conceito de família com a Constituição federal de 1888. 3. O Poliamor e sua repercussão judicial. Conclusões. Referências.
Resumo: O presente artigo trata dos aspectos gerais sobre o Poliamor e sua repercussão jurídica no ordenamento brasileiro. Aborda uma questão contemporânea, diante a um novo mundo de possibilidades. A ampliação do conceito de família trazido pela Constituição Federal de 1988 faz com que novas formas de famílias ganhem a proteção do Estado Democrático de Direito. O princípio da autonomia privada permite essa forma de relacionamento, porém se contrapõe a intervenção estatal, que se manifesta, juridicamente, com algumas decisões contrárias a tal forma de se relacionar. Na repercussão jurídica dessa inovadora forma de amar não encontramos consenso.
Palavras-chave: Poliamor. Repercussão jurídica. Família. Princípio da autonomia privada.
Abstract: This article deals with the general aspects about the Poliamor and its legal repercussion in the Brazilian order. It addresses a contemporary issue, facing a new world of possibilities. The expansion of the concept of family brought by the Federal Constitution of 1988 makes new forms of families gain the protection of the Democratic State of Law. The principle of private autonomy allows this form of relationship, but is opposed to state intervention, which manifests, legally, with some decisions that are contrary to this way of relating. In the juridical repercussion of this innovative way of loving we do not find consensus.
Keywords: Polyamory. Legal repercussion. Family. Principle of private autonomy.
INTRODUÇÃO
Gilberto Gil na letra da música de O seu amor diz: “O seu amor, ame-o e deixe-o livre para amar, o seu amor, ame-o e deixe-o ir aonde quiser.” Na música de Gil há a presença da ideia de um amor libertário, que é um tipo de amor defendido pelos adeptos do Poliamor.
A Wikipédia, enciclopédia livre da internet, dá a definição de Poliamor [destacou-se]:
Poliamor é a tradução livre para a língua portuguesa da palavra polyamory (palavra híbrida: poly é grego e significa muitos, e amor vem do latim), que descreve relações interpessoais amorosas que recusam a monogamia como princípio ou necessidade. Por outras palavras, o poliamor como opção ou modo de vida defende a possibilidade prática e sustentável de se está envolvido de modo responsável em relações íntimas, profundas e eventualmente duradouras com várias/os parceiras/os simultaneamente. (2013, online).
A autora Lins Navarro, fala dessas uniões multissubjetivas, ela diz: “No poliamor uma pessoa pode amar seu parceiro fixo e amar também as pessoas com quem tem relacionamentos extraconjugais ou até mesmo ter relacionamentos amorosos múltiplos.” (2012, p.401). O poliamor já é vivenciado nos dias atuais com vários documentários que falam dessa temática, sites oferecem desde dicas para a relação entre poliamantes até músicas, artigos de opinião e há já uma organização sem fins lucrativos,a Polyamory Society, que promove e apóia os interesses de indivíduos com relacionamentos e famílias múltiplas.
Com a abertura do modelo familiar através da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o Estado passou a tutelar os novos tipos de família, por exemplo, a família matrimonial, informal, homoafetiva, monoparental, parental, pluriparental, paralela. Esse conceito de família que foi alargado, porém não foi taxado, pois a CF/88 não enumerou todas as conformações familiares que vicejam na sociedade. Leciona Venosa que: “entre vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteram no curso dos tempos”. (2007,p.2). O formalismo vem cedendo espaço aos laços afetivos, logo será que uma união multissubjetiva pode ser considerada uma família?
Até que ponto o Estado pode ultrapassar a fronteira do princípio da autonomia privada intervindo numa união poliamorista para proibi-la e dizer que esse tipo de união multissubjetiva não gera efeitos jurídicos entre seus parceiros. O Estado deveria abrir mão ou não da intervenção para em nome do supracitado princípio deixar livre a escolha dos indivíduos para formarem o tipo de relação que mais se adequarem em nome do princípio da dignidade humana?
Há decisões judiciais favoráveis dizendo que esse tipo de relação múltipla gera efeitos na órbita do direito, inclusive tendo sentença de um juiz que reconhece uma união desse tipo e determina a partilha dos bens entre os três, o que seria uma traição é uma triação. Porém na divergência jurídica o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça proíbem o poliamor, dizendo que isso é concubinato [destacou-se]. Por existir uma lacuna da lei esse tema acaba sendo polêmico, principalmente, em virtude da repercussão jurídica diante dos variados posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre esse assunto.
O Direito não vive engessado, pois vive em constantes mudanças de acordo com a evolução da humanidade. Se já existem casos concretos de uniões multissubjetivas, como o Estado vai se colocar diante dessa inovação amorosa? Vai se posicionar contra ou favor do poliamorismo.
1 POLIAMOR
Maria Marlene Silva Saboia, cearense, nascida em Jaguaribe Mirim, tem 54 anos e viveu durante 17 anos sob o mesmo teto com três maridos no interior do Ceará. Marlene inspirou o filme Eu Tu Eles, dirigido por Andrucha Waddington. Maria é uma mulher forte e determinada, mas polêmica, pois enfrentou o machismo no Nordeste tendo relações multissubjetivas. (2000, online). Essas relações multissubjetivas entre Maria Marlene e seus três maridos é um exemplo de poliamor [destacou-se].
Lins Navarro diz: “No Google, são encontradas 769 citações para a palavra poliamor e 840 mil para a palavra polyamory, nos mais diversos idiomas.” (2012, p.401) O que demonstra a visibilidade desse tema. A mesma autora descreve esse tipo de relação multissubjetiva:
No poliamor uma pessoa pode amar seu parceiro fixo e amar também as pessoas com quem tem relacionamentos extraconjugais, ou até mesmo ter relacionamentos amorosos múltiplos em que há sentimento de amor recíproco entre todos os envolvidos. Os poliamoristas argumentam que não se trata de procurar obsessivamente novas relações pelo fato de ter essa possibilidade sempre em aberto, mas sim, de viver naturalmente tendo essa liberdade sempre em mente. Eles dizem que o poliamor pressupõe uma total honestidade no seio da relação. Não se trata de enganar nem de magoar ninguém. Tem como princípio que todas as pessoas envolvidas estão a par da situação e se sentem à vontade com ela. A ideia principal é admitir essa variedade de sentimentos que se desenvolvem em relação a várias pessoas, e que vão além de mera relação sexual. (2012, p. 401).
A supracitada autora fala que o poliamor aceita como fato evidente que todos têm sentimentos em relação a outras pessoas que as rodeiam. Os adeptos garantem que o ciúme não tem lugar nessa relação. (2012, p.401).
A antropóloga americana Helen Fisher (apud LINS NAVARRO, 2012, p.404) concluiu que nossa tendência para as ligações extraconjugais parece ser o triunfo da nossa natureza sobre a cultura. A antropóloga citada por Lins Navarro diz:
Dezenas de estudos etnográficos, sem mencionar inúmeras obras da história e de ficção, são testemunhos da prevalência das atividades sexuais extraconjugais entre homens e mulheres do mundo inteiro. Embora os seres humanos flertem, apaixonem-se e se casem, eles também tendem a ser sexualmente infiéis a seus cônjuges. (2012, p.404).
Darcy Ribeiro nos seus estudos sobre a formação do povo brasileiro fala do cunhadismo, instituição social de criação do povo brasileiro: “O cunhadismo é um velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade. Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa.” (2006, p.72).
Darcy Ribeiro explica que o homem branco ao assumir a índia como sua esposa estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo. Darcy escreve:
Assim é que, aceitando a moça, o estranho passava a ter nela sua temericó e, em todos os seus parentes da geração dos pais, outros tantos pais ou sogros. O mesmo ocorria em sua própria geração, em que todos passavam a ser seus irmãos ou cunhados. Na geração inferior eram todos seus filhos ou genros. Nesse caso, esses termos de consanguinidade ou de afinidade passavam a classificar todo o grupo como pessoas transáveis ou incestuosas. Com os primeiros devia ter relações evitativas, como convém no trato com sogros, por exemplo. Relações sexualmente abertas, gozosas, no caso dos chamados cunhados; quanto à geração de genros e noras ocorria o mesmo. Há amplo registro dessa prática entre os cronistas e também avaliações de sua importância devidas a Efraim Cardoso( 1959), do Paraguai, e Jaime Cortesão(1954), para o Brasil. A documentação espanhola, mais rica nisso, revela que em Assunção havia europeus com mais de oitenta temericó. A importância era enorme e decorria de que aquele adventício passava a contar com uma multidão de parentes, que podia pôr a seu serviço, seja para seu conforto pessoal, seja para a produção de mercadorias. (2006, p.72).
Através desse estudo da formação do povo brasileiro feito por Darcy Ribeiro verificou que se estabeleceu criatórios de gente mestiça através do cunhadismo com os poucos homem brancos que aqui vieram povoar (náufragos e degredados). Primeiro, junto com os índios nas aldeias, quando adotam seus costumes, vivendo como eles, furando os beiços e as orelhas e até mesmo participando dos cerimoniais antropofágicos, comendo gente. Então aprendem a língua e se familiarizam com a cultura indígena. Muitos gostaram tanto que se deixaram ficar na tribo com suas múltiplas mulheres índias, uma questão antropológica na formação do povo brasileiro, demonstrando que o poliamor no Brasil tem base histórica.
2 CONCEITO DE FAMÍLIA COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Será que uma relação poliamorista pode receber tutela do Estado para ser concebida como uma unidade familiar? Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88) houve uma abertura do significado do termo família, o legislador constituinte passou a denominar família não só a de origem matrimonial, mas também a da união estável e a constituída por um apenas dos pais e seus descendentes.
Schreiber, Anderson (apud SOARES PINHO, 2013, online) fala que ao interpretar o caput do artigo 226 da CF/88, a maioria da doutrina afirma que o conceito de família, atualmente, é aberto. A importância que antes era assegurada ao liame jurídico- celebração do matrimonio- agora foi desviada para o âmbito da consanguinidade e, principalmente, para o aspecto da afetividade. Segundo o citado autor a própria apreensão antropológica do fenômeno familiar parece desafiar enumerações tipificadas, diante da fluidez que vem caracterizando, na atualidade. Soares Pinho escreve que com a ampliação do próprio conceito de família, o afeto foi elevado ao centro principal, e fundamental da relação família, logo os direitos de família devem ser reconhecidos para aqueles que estão com o foco na convivência mútua a partir do liame afetivo. (2013, online).
Comentando sobre a afetividade Paulo Lôbo diz:
O Princípio da afetividade está implícito na constituição. Encontram-se na constituição fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira, além dos já referidos: a) todos os filhos são iguais independentemente de sua origem (art. 227, & 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art.227, && 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (artigo 226, & 4°); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227). (2011, p.71).
Boechat cita a afetividade como o grande elemento propulsor das relações familiares, a sólida base sobre a qual se edifica a dinâmica dos relacionamentos no seio da família. O afeto torna-se, pois, indispensável à interação familiar a fim de viabilizar uma convivência harmoniosa e equilibrada, criando um ambiente saudável à formação de hábitos, habilidades e atitudes em consonância com os valores de um Direito de família de um novo tempo. (2012, p.51).
Na evolução do termo família a supracitada autora percebe que, hoje, na sociedade pós-moderna, a família contemporânea ganha novos contornos: o casamento e a família dele decorrentes continuam valorizados pelo ordenamento jurídico, porém é possível se evidenciar que o formalismo vem cedendo espaço aos laços afetivos. (2012, p.55). A família não vive engessada assim como o direito ela é objeto de constantes mudanças e assim como ela se transformou com o passar dos tempos o Direito deve transformasse também para tutelar e acompanhar a mudança dessa instituição que é considerada a base da sociedade.
Esses novos arranjos familiares baseados em laços afetivos são tutelados pelo Estado sob o enfoque do chamado princípio da liberdade. Paulo Lôbo fala que tal princípio diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas sua dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral. (2011, p.69).
Ainda sobre o princípio da liberdade, Paulo Lôbo escreve:
Na Constituição brasileira e nas leis atuais o princípio da liberdade na família apresenta duas vertentes essenciais: liberdade da entidade familiar, diante do Estado e da sociedade, e liberdade de cada membro diante dos outros membros e da própria entidade familiar. A liberdade se realiza na constituição, na manutenção e extinção da entidade familiar; no planejamento familiar, que “é livre decisão do casal ‘’ [destacou-se] (artigo 226, & 7° da Constituição), sem interferências públicas ou privadas; na garantia contra a violência, exploração e opressão no seio familiar; na organização familiar mais democrática, participativa e solidária. [...] Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que o Estado interesse regular deveres que restringem profundamente a liberdade, a intimidade e a vida privada das pessoas, quando não repercutem no interesse geral. (2011, p.70).
Como o Estado tutela uma relação poliamorista? Aplica o princípio da liberdade na prática ou intervêm ao se posicionar contra esse tipo de relação? É o que algumas decisões judicias vêm explanar.
3 O POLIAMOR E SUA REPERCUSSÃO JUDICIAL
Juiz reconhece relação triangular de poliamorismo e determina a partilha de bens [destacou-se]. Essa decisão foi proferida na 4ª Vara de Família da Comarca de Porto Velho, Rondônia. A citada decisão reconheceu, em Ação Declaratória de União Estável, a duplicidade do relacionamento de um homem legalmente casado que convivia com a sua esposa, e simultaneamente com a companheira. Na sentença, o juiz determinou a partilha dos bens adquiridos durante a relação dúplice em três partes iguais, isto é, entre o homem, a esposa legalmente casada e a companheira. De acordo com o magistrado, a psicologia moderna chama essa relação triangular de poliamorismo, que se constitui na coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas em que as pessoas se aceitam mutuamente. Para o julgador o reconhecimento da partilha dos bens deve-se a doutrina e o precedente da jurisprudência que tem admitido a “triação”, isto é, meação que se transforma na divisão do patrimônio em partes iguais. (2008, online, acesso em 14/9/2013)..
Outro caso de reconhecimento dessas uniões multissubjetivas ocorreu em um cartório de notas da cidade de Tupã, interior de São Paulo, onde foi lavrado o registro de uma escritura pública declaratória de união poliafetiva [destacou-se]. O presidente da Comissão de Direito de Família da OAB de São Paulo, Nelson Sussumu Shikicima, fala que o documento de Tupã não pode ser considerado oficialmente um casamento. Nelson diz “O que eles fizeram foi um contrato, reconhecendo uma sociedade de fato.” (2012, online, acesso em 14/9/2013).
Maria Berenice Dias no seu Manual de Direito das Famílias, escreve que o concubinato chamado de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé é alvo de repúdio social, mas que nem assim essas uniões deixaram de existir. Passaram agora a serem chamadas de poliamor, são relações de afeto e, apesar de serem consideradas uniões adulterinas, geram efeitos jurídicos. A doutrinadora afirma se estiverem presentes os requisitos legais, é mister que a justiça reconheça que tais vínculos afetivos configuram união estável [destacou-se], sob pena de dar uma resposta que afronte a ética, chancelando o enriquecimento injustificado. A autora fala: “Depois de anos de convívio, descabido que o varão deixa a relação sem qualquer responsabilidade pelo fato de ele – e não ela – ter sido fiel.” (2006, p.50).
Dias, Maria Berenice diz que a jurisprudência amplamente majoritária nega a existência desses relacionamentos, não os identificando como união estável [destacou-se]. No máximo é invocado o direito societário com o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância, mediante indispensável prova de participação efetiva para a aquisição patrimonial. (2006, p.54).
Tavares da Silva, Regina Beatriz fala que nem o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nem o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecem as uniões poliamoristas, conforme se demonstra no teor das decisões transcritas abaixo.
A Ministra do STJ, Nancy Andrighi, escreve que nossa sociedade apresenta como elemento estrutural a monogamia, logo não pode atenuar o dever de fidelidade. Segunda ela ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve, o juiz, atento às peculiaridade multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade. E continua ao falar que emprestar aos novos arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável implicaria julgar contra o que dispõe a lei. Logo ela explica que o artigo 1.727 do Código Civil regulou, em sua esfera de abrangência, as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só podem constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente [destacou-se]. (STJ, REsp 1.157.273/RN, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi. 18/05/2010)
O STF faz distinção entre união estável para concubinato. Para tal órgão uniões paralelas são classificadas como concubinato, logo não gera efeitos jurídicos [destacou-se]. O Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário 397.762/BA diz que o Direito é uma verdadeira ciência, logo é impossível confundir união estável com concubinato. Para o Ministro a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. O concubinato não se iguala à união estável referida no texto constitucional, no que esta acaba fazendo as vezes, em termos de consequências, do casamento. (STF, RE 397.762/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 3.6.2008).
CONCLUSÃO
Num país onde a monogamia é considerada por alguns como um princípio constitucional falar de poliamor seria uma afronta a tal princípio, aos bons costumes e a moral. Porém saindo da esfera desse princípio e entrando na esfera do princípio da autonomia privada e do alargamento do conceito de família trazida pela CF/88 constatei que o poliamor deve ser tutelado pelo Estado e gerar efeitos jurídicos. O princípio da monogamia seria um empecilho, um instrumento de exclusão de muitas famílias no Direito brasileiro, tal princípio coloca as relações poliamoristas transparentes ao Direito. Acredito que tal princípio deveria ser superado a partir do momento em que se confronta com o princípio da dignidade da pessoa humana, da autonomia privada, da pluralidade das entidades familiares. Observei em algumas decisões judiciais que escrevi nesse Artigo que o Judiciário tem dado respostas condizentes superando o princípio da monogamia, mas o Legislativo tem resistência às mudanças, pois não há nenhuma lei que regulamente o poliamor, há uma lacuna, até porque sei que no Poder Legislativo existem algumas bancadas muito reacionárias que resistem às mudanças ou mitigação do princípio da monogamia. Vivemos num Estado laico, logo acredito que não deve haver interferência indevida de ordem religiosa, filosófica numa relação privada, que é de livre decisão do casal, afinal é como dizia o filosofo John Stuart Mill: “é desejável, em suma, que em assuntos que não concernem principalmente aos outros, a individualidade deva se declarar.” (2006, p. 84).
REFERÊNCIAS
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