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Um aporte interdisciplinar ao Direito de Família
A interdisciplina tem se tornado palavra de ordem, palavra da moda. Mas que onda é esta que vem nos ventos do pós-modernismo - de difícil definição, nos ventos da globalização em que se anuncia até o fim da história.
A interdisciplina tem se difundido nestes tempos de incerteza, nestes tempos de crise – definida como o estado de um sistema em que a mudança é iminente. Cabe pensar os limites e possibilidades de sua contribuição. Estes são tempos em que o império das ciências exatas e da razão, entendida sob a ótica destas, se vêm invadidos pela inexorável subjetividade do humano.
Crise dos sistemas, das instituições e, crise da razão nas ciências humanas. A época é de mudanças em que se faz mister uma resistematização responsável que inclua nos sistemas - sejam eles de que ordem forem: o legal, o social, os científicos – o que foi anteriormente excluído, por força de uma visão parcializada e de uma excessiva especialização.
Em sentido amplo sabemos das conseqüências da exclusão em termos sociais que vão desde uma pretensa indiferença ao status quo, até a proliferação da marginalidade com suas próprias formas de organização. As conseqüências da exclusão se fazem ouvir nas revoltas que eclodem difusamente, na proliferação do uso de drogas, em atentados da ordem do terror.
No Direito, as conseqüências da tentativa da exclusão de outras formas de conhecimento, sobretudo das questões ligadas à subjetividade, se fizeram e se fazem sentir pela entrada desta pela porta dos fundos, no estresse e frustração sofridos pelos Sujeitos e pelos Operadores do Direito na prestação jurisdicional frente aos avanços da sociedade, pela proliferação de formas alternativas do exercício do Direito, pelos questionamentos quanto à eficiência e mesmo quanto à ética que tem sido alvo o sistema Judiciário, pelo alarmante descrédito nas instituições.
A Interdisiciplina visa a inclusão do aporte do conhecimento de outras ciências para somar às epistemologias específicas a cada uma. Pensamos que um enfoque interdisciplinar possa trazer um novo olhar para questões ontológicas próprias de nosso tempo.
Parte das mudanças que têm ocorrido no Direito e o novo Código Civil, cuidam da inclusão dos excluídos do laço social. A visão outrora utilizada para a consideração dos sujeitos por parte do Direito, acabou por restringir sua visão do ser humano de forma que foram perpetradas algumas formas de exclusão, sendo necessária sua reformulação. Novas ordenações foram e são formuladas no sentido da inclusão, no laço social, dos antes excluídos. A isto tem sido o Direito chamado, sobretudo o Direito de Família. À inclusão de outras disciplinas tem sido chamada sua ciência.
É época de inclusão dos excluídos. Direito e Cidadania, tema do II Congresso do IBDFAM, exercício que se faz por meio de mudanças nas condições de representatividade; cabendo pensar como viabilizá-las. Traçando um paralelo, para aumentar as condições de representatividade não basta a vontade como nos decretos lei – remendos que sobrecarregam os tribunais - ou um novo Código Civil. A representatividade no âmbito da organização jurídica pode efetivamente realizar-se por meio de uma mudança epistemológica que permita um alargamento dos horizontes, com a contribuição de outras disciplinas. Ampliar a representação que temos do que é o ser humano, buscando a interface com outras ciências, podendo pensar as questões da intersubjetividade, que é o que nos faz humanos, é ampliar o entendimento do Direito e dar efetivas condições para que ele seja a via por excelência do exercício da cidadania, da possibilidade de visibilidade e representatividade também dos excluídos, do diferente.
Importante frisar que a interdisciplina só é possível a partir de um relativo desenvolvimento das disciplinas, de modo que estas possam receber contribuições que venham a somar aos conhecimentos já sedimentados. A interdisciplina só pode se instituir quando há espaço para a criatividade, como produto da combinação ordenada de aspectos do conhecimento de acordo com as novas necessidades com as quais se defrontam as ciências e de acordo com suas finalidades. Assim, a interdisciplina pode fazer sua contribuição respeitando a hierarquia ditada pela área que clama sua contribuição. A interdisciplina implica na combinação original de disciplinas por parte de cada pensador e da ética que ordena sua praxis.
Pensamos que a psicanálise é um dos aportes fundamentais, na busca da compreensão dos impasses da intersubjetividade das relações, agregando a visão dos Sujeitos do Desejo aos Sujeitos/Operadores do Direito.
A sociedade encontra-se em franca mudança e as leis tentam acompanhá-las, sabendo de antemão ser esta uma tarefa impossível. Emprestamos da crítica feita pelo realismo norte-americano, a visão de que o Direito efetivo é o que se faz nos tribunais, é aquele interpretado pelos seus operadores. Assim, seria por meio da interpretação, da lei e das demandas que fazem os sujeitos, realizada pelos tribunais, que os sujeitos teriam representatividade social, ao mesmo tempo em que seriam incorporadas na jurisprudência as mudanças sociais. Ousamos chamar esta função de mediadora, com o poder de transformar os conflitos. É na mediação que é feita pelos tribunais, por meio de seus operadores, que se faz a representação da lei na sociedade e da sociedade nas leis. É por meio dos operadores do direito, da interpretação feita da lei, por um lado, e das demandas por outro, que pode se dar o real direito. Impossível a interpretação sem o uso da subjetividade, cujo uso precisa ser amplamente discutido, e que precisa ter seu lugar devidamente reconhecido, sendo certo que tal aspecto não pode mais ser negligenciado.
(*) psicanalista, mediadora
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