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Termo inicial da obrigação alimentar
A Constituição Federal atribui primeiramente à família o encargo de promover, com absoluta prioridade, entre outros, o direito à vida, à saúde, à alimentação de crianças e adolescentes (CF 227). O direito à alimentação, inclusive, é reconhecido como um direito social (CF 6º).
O Código Civil diz que compete a ambos os pais o dever de sustento da prole (CC 1.566 IV), bem como o encargo de dirigir sua criação (CC 1.624).
Mas, a partir de quando estes deveres devem ser cumpridos?
Como a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC 2º), induvidável que o termo inicial da obrigação alimentar é a concepção.
A partir do momento em que é alguém gerado, em necessidades que precisam ser atendidas. O só fato de se encontrar no ventre da mãe não livra o pai de quaisquer encargos. Até a constatação da gravidez gera custos, ainda que seja simples teste de farmácia. Depois é necessário acompanhamento neonatal periódico, realização de ecografias e toda a sorte de exames. A gestante necessita de alimentação e roupas especiais. Tem restrições para viajar e limitações de acesso ao trabalho.
Quando os genitores mantêm vida em comum, os deveres decorrentes do poder familiar são assumidos por ambos. Cessado o convívio do casal, não se modificam os direitos e deveres do genitor que não está com o filho sob sua guarda (CC 1.579 e 1.632). O dever de sustento é quantificado e se transforma em em obrigação de pagar alimentos.
Ainda que não tivesse ciência da gravidez ou do nascimento, tais argumentos não servem para livrar o genitor do dever de pagar alimentos, com efeito retroativo, a partir da concepção do filho. E, a partir do momento em que o pai procede ao registro do nascimento do filho, está por demais ciente de todos os deveres parentais.
A partir do reconhecimento legal da obrigação alimentar durante a gestação – chamados de alimentos gravídicos – ninguém mais duvida que o encargo alimentar do genitor tem início mesmo antes de o filho nascer. Ainda que ditos alimentos tenham natureza indenizatória, não importa, visam a garantir o nascimento do filho. Assim, são devidos desde sua concepção. Basta atentar que a mãe pode pedir o reembolso das despesas que já tenha efetuado, até do custo do teste de gravidez.
Independente de ter a mãe buscado ou não alimentos gravídicos, o pagamento de tais encargos não impede que o filho, após o nascimento, busque alimentos, os quais são devidos desde sua concepção. Não se trata de bis in idem, pois são verbas de diferentes naturezas.
Ao contrário do que acontece com as tutelas provisórias de urgência, cautelar ou antecipada, que dispõem de eficácia imediata (CC 249 parágrafo único), em se tratando de alimentos provisórios, não é imposta a obrigação a partir do momento em que são fixados, afrontando expressa determinação legal (LA 4º): As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor,(...).
O termo inicial é empurrado para a citação do genitor, invocando-se, equivocadamente, o dispositivo da Lei de Alimentos (13 §2º): Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação. A referência, no entanto, é aos alimentos definitivos, e exclusivamente quando houve aumento do valor dos alimentos provisórios na sentença ou em sede recursal. Como os alimentos são irrepetíveis, eventual redução do montante não dispõe deste efeito.
Além de tudo isso, a obrigação de pagar é imposta para depois de decorrido o período da obrigação, sendo concedido, ainda, cinco a 10 dias de prazo para o pagamento.
Por falta de previsão legal específica, é de se invocar a regra do legado de alimentos, que determina o pagamento no começo de cada período (CPC 1.928 parágrafo único). A regra não pode ser mais salutar, pois os alimentos servem para garantir a subsistência, e a fome não pode esperar 30 dias.
A resistência doutrinária e jurisprudencial em ver esta obviedade, só pode decorrer de uma postura corporativista sexista. Afinal, na grande maioria das vezes os alimentos são devidos pelos pais e não pelas mães.
Não há outra explicação!
Maria Berenice Dias
Vice-presidente Nacional do IBDFAM
Advogada
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