Artigos
Os filhos do feminicídio como órfãos do Estado
Os filhos que perderam suas mães dentro das atuais estatísticas do feminicídio são, na sua absoluta maioria, menores de idade e, em razão disso, tornam-se eles órfãos do Estado. A Lei 13.104, de 09.03.2015 estabelece como feminícídio o homicídio contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (crime de gênero como circunstância penal qualificadora) e o inclui no rol dos crimes hediondos, alterando o artigo 121 do Código Penal e o artigo 1º da Lei 8.072, de 25.07.1990.
Recentes estatísticas do Observatório argentino de Feminicídios “Adriana Marisel Zambrano”, com base em cento e vinte (120) agências e veículos de mídia impressa, apontam que diante de mulheres assassinadas a cada trinta (30) horas na Argentina, duzentos e noventa e quatro (294) filhos perderam, este ano, suas mães, sendo cento setenta e três (173) deles menores. Nos últimos oito anos, 2.518 filhos quedaram-se sem genitora.
Em nosso país, as estatísticas não são exaurientes e os resultados concretos da recente legislação não são visíveis para se apurar, nos mapas da violência contra a mulher, a nova qualificadora penal. Demais disso, os julgamentos de júri realizados, este ano, no país, não continham nas denúncias, salvo poucas exceções, essa qualificadora. O mais preocupante é que o Brasil detém, em um grupo de 83 países avaliados, a quinta maior taxa de homicídios contra a mulher (4,8 homicídios par cada 100 mil mulheres).
Certo, ainda, que cerca de 55,3% dos crimes são cometidos no ambiente doméstico e 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas (Ministério da Saúde/2013), o tema da orfandade ditada pelo feminicídio se apresenta urgente como questão de extrema relevância a exigir novas políticas públicas e penais a respeito.
Mais ainda: quando nosso país foi selecionado como país-piloto para o processo de adaptação do Modelo de Protocolo latino-americano de investigação de mortes violentas de mulheres por razões de gênero (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) e sua incorporação às normativas e diretrizes nacionais, cuide-se pensar, de logo, nas consequências suportadas pelos filhos menores das vítimas como órfãos decorrentes dos feminicídios ocorrentes no país.
A circunstancia de a vítima deixar filhos menores, afigura-se constituir uma das circunstancias judiciais constantes do artigo 59 do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do sentenciado; motivos, circunstâncias e conseqüências da infração penal; e, ainda mais o comportamento da vítima) para efeito de fixar-se, com fundamento na apreciação das referidas circunstancias, a pena-base, dentro do sistema trifásico da dosimetria da pena.
Em exatidão das consequências, além da própria vítima do feminicídio, outras vítimas são imediatamente identificadas na esfera do crime perpetrado, aqueles seus filhos menores; como circunstância judicial desfavorável, o que deve orientar a análise criteriosa de valoração das circunstancias do artigo 59, CP, em predicado de logicidade e de devida proporcionalidade da pena, com maior reprovabilidade em relação à culpabilidade do réu feminicida.
Mas não é só: os filhos órfãos, à falta da mãe assassinada e de uma outra que a substitua, em função materna, dentro do núcleo familiar expansivo, serão eles efetivamente órfãos do Estado, cumprindo-lhes oferecer medidas de proteção objetiva, a exemplo de destinar-lhes uma mãe social, cuja regulamentação dada pela Lei nº 7.644, de 18.12.1987, deveria(á) contemplar essa hipótese de orfandade. Chama-se, a tanto, a atenção do legislador.
DESEMBARGADOR DECANO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO (TJPE). MESTRE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CLÁSSICA DE LISBOA (FDUL).
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM