Artigos
As flexibilizações das alterações dos alimentos à luz da jurisprudência
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar, através do método dedutivo, com técnica de pesquisa bibliográfica e documental, a evolução dos alimentos, para que se possa interpretar as flexibilizações na prestação alimentícia por parte de desembargadores dos Tribunais Estaduais e Superiores, através da mudança paradigmática ocorrida com o passar dos anos.
Através de três capítulos, busca-se uma conceituação dos alimentos, um entendimento de obrigação alimentar e do dever de prestá-la e as novas teses alimentares, sendo o enfoque a não perpetuidade dos alimentos ao ex-companheiro, a exoneração dos alimentos sem alteração do binômio necessidade-possibilidade, a redução dos alimentos em razão do nascimento de outro filho do devedor e a mudança na espécie da obrigação.
Com o dinamismo da sociedade, a jurisprudência tem sofrido adaptações ao longo do tempo a fim de acompanhar tais mudanças. Por sua vez, a previsão do art. 1.699 do Código Civil por vezes se torna parca para que haja efetiva garantia da tutela jurisdicional.
A enérgica transformação social, fez com que a questão alimentícia fosse sofrendo alterações, sendo possível concluir que as decisões judiciais procuram resolver ou amenizar as problemáticas jurídicas que são trazidas por tais lacunas diante do caso concreto.
Palavras-chave: alimentos, pensão, prestação alimentícia, flexibilizações, entendimentos jurisprudenciais, adaptações, tutela jurisdicional, Código Civil, exoneração, redução, alteração.
INTRODUÇÃO
O trabalho possui como tema central a prestação alimentícia. Para tal, faz-se breve explanação do conceito de alimentos, com as complementações que os doutrinadores acrescentam ao tema, além de brevemente abordar o aspecto no Novo Código de Processo Civil (Lei. N. 13.105/2015).
Além disso, o segundo capítulo aborda o dever de prestá-los, com os requisitos trazidos pelo próprio dispositivo e a legitimidade para tal. Com ensinamento trazido pela doutrinadora Maria Berenice Dias e abarcado por demais nomes do Direito, o capítulo destaca o trinômio proporcionalidade-possibilidade-necessidade.
O capítulo principal, e último, trata das teses alimentares trazidas pelos Tribunais Estaduais, especialmente o de Santa Catarina, e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Para tanto, subdivide-se em três grandes teses: a possibilidade de exoneração sem alteração do binômio necessidade-possibilidade, seja pelo aspecto da não perpetuidade dos alimentos, seja pelo casamento do alimentando; a revisão do valor em razão do nascimento de outro filho, através da pressuposição de aumento de gastos e a mudança na espécie da obrigação, buscando atender o melhor interesse do alimentando, assim como dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ainda que nenhuma das hipóteses esteja expressamente prevista nos dispositivos que tratam do assunto, seja do Código Civil, seja da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/1968), o Superior Tribunal de Justiça admite que as hipóteses de revisão sejam aplicadas com análise no caso concreto.
Tal construção jurisprudencial advém do dinamismo da sociedade, fazendo com que as decisões sofram adaptações a fim de garantir maior efetividade na garantia da tutela jurisdicional.
Ainda que as aplicações das leis e dos princípios sejam respeitadas, as lacunas que surgem com o caso concreto são amainadas pelo entendimento dos magistrados.
1 CONCEITO DE ALIMENTOS
Ao buscar-se uma definição para “alimentos” é possível perceber que os doutrinadores não entram em dissenso entre si, mas sim, complementam os conceitos já trazidos. Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 375) defende a ideia de que os alimentos são todo o necessário à subsistência do ser humano.
De tal modo, o conceito extrapola a nutrição da pessoa, pura e simplesmente, abarcando o desenvolvimento intelectual, cultural, lazer, saúde, vestuário, dentre tantos outros (SANTOS, 2004, p. 03).
Em relação à natureza dos alimentos, a doutrinadora Maria Berenice Dias (2013b, p. 531), traz a seguinte explanação:
Talvez se possa dizer que o primeiro direito fundamental do ser humano é o de sobreviver. E este, com certeza, é o maior compromisso do Estado: garantir a vida. Todos têm direito de viver, e viver com dignidade. Surge, desse modo, o direito a alimentos como princípio da preservação da dignidade humana (CF 1.º III). Por isso os alimentos têm natureza de direito da personalidade, pois asseguram a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física. Inclusive, foram inseridos entre os direitos sociais (CF 6.º).
O tema “prestação alimentícia” sofre mutações a depender da previsão legislativa sobre as relações familiares, como aconteceu com a evolução da obrigação no concubinato, que desmembrou-se também em união estável ao longo do dinamismo inerente à sociedade.
Em razão de se tratar de uma prestação ligada diretamente com a sobrevivência do alimentando, ou seja, daquele que recebe os alimentos, possui características próprias, inclusive com a única atual possibilidade de prisão civil pelo inadimplemento (DIASa, 2013, p. 21). O Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), entendendo pela ampla proteção do alimentando e buscando pela maior efetividade na prestação jurisdicional, prevê o protesto do título e a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito[1].
2 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E O DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS
O Código Civil traz subtítulo próprio que trata dos alimentos (subtítulo III, ínsito ao capítulo II, que trata do Direito Patrimonial). Dentre suas previsões está a de que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitarem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive pata atender às necessidades de sua educação”, no art. 1.694.
Implicitamete o artigo traz os requisitos para que haja a obrigação alimentar, bem como a legitimidade.
Um dos requisitos é o vínculo entre as partes, seja por parentesco, seja por casamento ou união estável. Ainda, “a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar” conforme Enunciado n. 341[2] do Conselho da Justiça Federal, incluído na IV Jornada de Direito Civil.
O outro requisito se subdivide em dois: a possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentando[3]. Para Maria Berenice Dias (2013b, p. 579) deve ser tratado com um trinômio, o da proporcionalidade-possibilidade-necessidade:
Tradicionalmente, invoca-se o binômio necessidade-possibilidade, ou seja, perquirem-se as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante para estabelecer o valor do pensionamento. No entanto, essa mensuração é feita para que se respeite a diretriz da proporcionalidade. Por isso se começa a falar, com mais propriedade, em trinômio: proporcionalidade-possibilidade-necessidade.
Nesse sentido entende, também, Flávio Tartuce (2015, p. 510):
O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade deve sempre incidir na fixação desses alimentos, no sentido de que a sua quantificação não pode gerar o enriquecimento sem causa daquele que os pleiteia. Por outro lado, os alimentos devem servir para a manutenção do patrimônio mínimo da pessoa humana, o seu mínimo existencial.
Ao que trata da legitimidade, esta é do credor para propor ação de alimentos, ou seja, daquele que é titular do crédito. Quando se tratar de alimentos gravídicos ou de alimentos em favor do nascituro, a legitmidade é da gestante. Já, quando o credor for menor ou incapaz, deve ser representado ou assistido por aquele que detém sua guarda (DIASb, 2013, p. 581).
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 201, III, o Ministério Público, atuando como fiscal da lei, tem legitimidade para propor e acompanhar as ações de alimentos quando o credor for criança, adolescente ou incapaz (DIASb, 2013, p. 582).
3 AS NOVAS TESES ALIMENTARES
Analisada a legitimidade para pleitear os alimentos e quais os seus requisitos, resta deixar claro que o Código Civil prevê que haja alteração daqueles alimentos já fixados. Assim, “se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo” conforme art. 1.699 do Diploma Legal.
O objeto do estudo é analisar as novas teses alimentares, assim, com base na atual jurisprudência, examinar a flexibilização do artigo supracitado, incluindo a possibilidade de exoneração sem alteração do binômio, a redução do valor em razão do nascimento de outro filho e a mudança na espécie alimentar.
Cumpre ressaltar que nenhuma das hipóteses está expressamente prevista nos dispositivos que tratam sobre o assunto, seja no Código Civil, seja na Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/1968), sendo, portanto, uma construção jurisprudencial a partir da necessidade e do dinamismo da sociedade.
3.1 A NÃO PERPETUIDADE DA PRESTAÇÃO AO EX-CÔNJUGE: A EXONERAÇÃO DOS ALIMENTOS SEM ALTERAÇÃO DO BINÔMIO
Há muito se desvinculou juridicamente a ideia de que a mulher exerce papel desprivilegiado na relação, assim, que deve ser tida como fragilizada ao final do relacionamento. Nesse sentido, escreveu o desembargador Jorge Luís Costa Beber da 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
Atualmente, a doutrina e a jurisprudência impuseram expressivo temperamento no tocante à sujeição da obrigação alimentícia entre marido e mulher, pois a inexistência de parentesco entre eles os exclui da disciplina do art. 1.694 do Código Civil, havendo entre os consortes tão-somente um dever de mútua assistência, como, aliás, já sustentava YUSSEF SAID CAHALI ao tempo da vigência do 396 do Código de 1916 (Dos Alimentos, RT, 2ª ed. pág. 148).
Não se pode, pois, na atualidade em que vivemos, compreender a mulher como uma figura fragilizada na estrutura social brasileira, devendo, por isso, qualquer norma legal de proteção ser interpretada com temperamentos e redobradas cautelas.
Deve-se ter em mente, além disso, que a verba alimentar não tem a função de manter algum eventual padrão de vida, tampouco se presta a garantir a mesma situação econômica entre as partes. (A. I. n. 2014.005176-3, 4ª C. D. Civil, v. u., Relator Desembargador JORGE LUÍS COSTA BEBER. J. em 17/07/14)
Ao tratar da possibilidade trazida pelo art. 1.694 do Código Civil, o doutrinador Flávio Tartuce (2015, p. 509) explana que “a isonomia incide quanto a esse direito, ou seja, a mulher pode pleitear alimentos do marido e vice-versa; a companheira pode pleitear alimentos do companheiro e vice-versa”.
E sobre a inimaginável disposição legal que prevê que os alimentos são devidos para que se possa viver de modo compatível com sua condição social, o mesmo doutrinador continua (2015, p. 509):
A genérica disposição legal não pode ser entendida como parâmetro objetivo, mesmo porque seria virtualmente impossível o estabelecimento da exata condição socioeconômica anterior, para posterior reprodução por meio de alimentos prestados pelo ex-cônjuge devedor de alimentos. O conceito deve ser interpretado com temperança, fixando-se a condição social anterior dentre dos patamares razoáveis, que permitam acomodar as variações próprias das escolhas profissionais, dedicação ao trabalho, tempo de atividade entre outras variáveis.
Todavia, um julgado paradigmático de relatoria da ministra Nancy Andrighi, no ano de 2008, inaugurou a ideia de excepcionalidade dos alimentos entre os cônjuges, pois aquele que tem condições laborais deve buscar o seu sustento pelo esforço próprio, da qual se extrai:
No que toca à genérica disposição legal contida no art. 1.694, caput, do CC/2002, referente à compatibilidade dos alimentos prestados com a condição social do alimentado, é de todo inconcebível que ex-cônjuge, que pleiteie alimentos, exija-os com base no simplista cálculo aritmético que importe no rateio proporcional da renda integral da desfeita família; isto porque a condição social deve ser analisada à luz de padrões mais amplos, emergindo, mediante inevitável correlação com a divisão social em classes, critério que, conquanto impreciso, ao menos aponte norte ao julgador que deverá, a partir desses valores e das particularidades de cada processo, reconhecer ou não a necessidade dos alimentos pleiteados e, se for o caso, arbitrá-los. Por restar fixado pelo Tribunal Estadual, de forma induvidosa, que a alimentanda não apenas apresenta plenas condições de inserção no mercado de trabalho como também efetivamente exerce atividade laboral, e mais, caracterizada essa atividade como potencialmente apta a mantê-la com o mesmo status social que anteriormente gozava, ou ainda alavancá-la a patamares superiores, deve ser julgado procedente o pedido de exoneração deduzido pelo alimentante em sede de reconvenção e, por consequência, improcedente o pedido de revisão de alimentos formulado pela então alimentada” (REsp n. 933.355/SP, Terceira Turma, Relatora Ministra NANCY ANDRIGUI. J. em 25/03/2008).
O julgado foi uma inovação. Quando antes o entendimento era de que os alimentos perduravam vitaliciamente, a partir de 2008 se entendeu tratar de um auxílio, como complementação até que se encontre condição econômica adequada para o autossustento (TOALDO, MULLER, 2015, p. 120-121).
Cita-se recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, decisão lavrada no AREsp 712.467, com relatoria do ministro João Otávio de Noronha, publicada no dia 06/08/15:
AGRAVO INOMINADO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO QUE DETERMINOU O CANCELAMENTO DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS DEVIDOS À AGRAVADA. PRETENSÃO DE PERCEPÇÃO DE ALIMENTOS DE EX-CÔNJUGE. ALIMENTANDA QUE SE ACHA ACOMETIDA DE ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA. EX-CÔNJUGE QUE É PESSOA IGUALMENTE IDOSA, PORTADOR DE CARDIOPATIA GRAVE E NÃO OSTENTA O PADRÃO DE VIDA ALEGADO NA PETIÇÃO RECURSAL E NÃO COMPROVADO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE, AO REVÉS, PERMITE A INFERÊNCIA DE QUE O AGRAVADO ACUMULA DÍVIDAS EM VIRTUDE DA SITUAÇÃO DEFICITÁRIA DE SUA EMPRESA. DECISÃO AGRAVADA QUE, AO MENOS EM SEDE DE COGNIÇÃO SUMÁRIA, NÃO DESTOA DOS ELEMENTOS TRAZIDOS À APRECIAÇÃO DESTA E. INSTÂNCIA. AGRAVO INOMINADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Assim, de acordo com o entendimento jurisprudencial, é cabível a exoneração de alimentos, mesmo que não haja alteração na necessidade do alimentando ou na possibilidade do alimentante, mas sim pela transitoriedade dos alimentos, admitindo-se que o período do pensionamento seja hábil para reestruturação econômica do alimentando, ainda que assim não disponha expressamente a legislação (TOALDO, MULLER, 2015, p. 132).
Outra possibilidade, todavia, esta com previsão legal, é trazida pelo art. 1.708 do Código Civil que dispõe que “com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos”.
Nesse sentido aduz Yussef Said Cahali (2006, p. 327) que doutrina e jurisprudência se entrelaçam quanto à exoneração da obrigação alimentícia “convencionada ou estatuída em sentença, se a alimentanda passasse a viver com outro homem, ou degenerasse em seu comportamento pessoal”, como é o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que faz menção às duas hipóteses propostas :
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA PELO VARÃO EM FACE DA EX-CÔNJUGE. SENTENÇA PROCEDENTE. RECURSO DA ALIMENTANDA. PRETENDIDA MANUTENÇÃO DA VERBA ACORDADA NO ANO DE 2007. IMPOSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DA ALTERAÇÃO NO BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.699 DO CÓDIGO CIVIL E 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESNECESSIDADE DO PENSIONAMENTO. VIRAGO QUE CONVIVE EM UNIÃO ESTÁVEL, AINDA, POSSUI RENDA SUFICIENTE PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO, PROVENIENTE DO ALUGUEL DOS IMÓVEIS QUE LHE COUBERAM QUANDO DA SEPARAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Ap. Cív. n. 2015.014643-6, de Lages. Primeira Câmara de Direito Civil. Des. Rel. RAULINO JACÓ BRÜNING. J. em 23/04/2015).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n. 70048701890, de 2012, sob a relatoria do desembargador Rui Portanova, entendeu, ainda, que quando provada a inexistência de incapacidade da alimentanda e exercício de atividade laboral, pode ser somado o fato de que o alimentante provou ter novo filho, que necessita de auxílio, assim “a ser mantido o pagamento de alimentos para a ex-esposa que não mais necessita, corre-se o risco de o alimentante não ter condições de prover as despesas do filho”, como se demonstrará a seguir.
3.2 A REDUÇÃO DO VALOR EM RAZÃO DO NASCIMENTO DE OUTRO FILHO
Ainda que não seja trazida a possibilidade expressamente pela legislação, é de se supor que o nascimento de outro filho resulte em uma alteração da capacidade financeira do alimentante, tendo em vista que terá um aumento em seus gastos.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina abrange ainda a isonomia entre os filhos, tendo que em vista que o alimentante terá a citada redução financeira. Assim, é possível o pedido de revisão dos alimentos, podendo transformar-se em exoneração em razão das peculiaridades do caso concreto:
A jurisprudência, em regra, não reconhece no só fato do nascimento de outros filhos fundamento para redução da verba alimentar para prole anterior, advinda de leito diverso. Tal entendimento, todavia, deve ser interpretado com temperamentos, eis irrefutável que novos filhos geram despesas maiores. Por isso, em observância ao princípio da igualdade constitucional que orna a filiação, uma vez evidenciado que a descendência superveniente gerou oscilação negativa na capacidade financeira daquele que paga os alimentos, viável será o pleito revisional visando a mitigação do encargo (Ap. Cív. n. 2013.044388-4, de Fraiburgo. Quarta Câmara de Direito Civil. Rel. Des. JORGE LUIS COSTA BEBER. J. em 26/09/2013).
Nesse mesmo norte é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, com julgamento no ano de 2005, prezando pelo princípio da equidade entre os filhos, que comungam do mesmo direito:
DIREITO CIVIL. REVISÃO DE ALIMENTOS. CELEBRAÇÃO DE NOVO CASAMENTO, COM FILHOS. CABIMENTO.
O advento de prole resultante da celebração de um novo casamento representa encargo superveniente que pode autorizar a diminuição do valor da prestação alimentícia antes estipulado, uma vez que, por princípio de eqüidade, todos os filhos comungam do mesmo direito de terem o seu sustento provido pelo genitor comum, na proporção das possibilidades deste e necessidades daqueles. Recurso especial provido, em parte. (Resp 244015 de Santa Catrina. Ministro CASTRO FILHO. J. em 19/05/2005).
Diversos estados brasileiros aderiram ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, sendo frisado pelo desembargador Rui Portanova, do Rio Grande do Sul, que “nos casos em que o alimentante não é pessoa de largas possibilidades, o nascimento de novo filho dele, por si só, dá verossimilhança à alegação de redução nas possibilidades” (A. I. n. 70024873648. Oitava Câmara Cível.Rel. Des. Rui Portanova, j. em: 17/06/2008).
Portanto, presumido que há alteração da capacidade financeira com o nascimento de outro filho, ainda que assim não seja expressamente tratado pelo art. 1.699 do Código Civil é evidenciada a necessidade de revisão (Ap. Cív. n. 20090310262116 do Distrito Federal. Quinta Turma Cível. Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva, j. em: 14/09/2010).
3.3 A ALTERAÇÃO NA ESPÉCIE ALIMENTÍCIA
Hipótese abarcada pelo Superior Tribunal de Justiça é também a alteração na espécie do pensionamento. O motivo ensejador desse entendimento é de que a ação revisional de alimentos não serve somente para majorar ou reduzir os alimentos, mas sim para melhor atender os interesses do alimentando (AREsp 49508/MG).
Em breve relato, o alimentante, pai da alimentanda, a fim de garantir que esta fosse a real destinatária dos valores, requereu a alteração de valor pecuniário para in natura, ou seja, pagaria condomínio e IPTU do imóvel em nome da filha, mensalidades escolares, plano de saúde, além de valor depositado em conta de titularidade da criança.
Ainda que o juiz de primeiro grau entendesse por impossibilidade em razão de não haver modificação no binômio necessidade-possibilidade, e assim fosse acompanhado pelo relator da apelação do Tribunal mineiro, o STJ discordou.
Em análise ao caso concreto, o relator ministro Raul Araújo entendeu que o disposto no art. 1.699 “não diz respeito somente à possibilidade de sua redução, majoração e exoneração na mesma forma em que inicialmente fixados, mas também à alteração da própria forma do pagamento sem modificação de valor”.
A ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial n. 1.284.177, do Distrito Federal nesse sentido entendeu em momento anterior:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIMENTOS. REVISÃO. ALTERAÇÃO NO VALOR DA PENSÃO. REEXAME DE PROVAS. CONVERSÃO DE ALIMENTOS IN NATURA PARA PAGAMENTO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE.
1. Inviável se discutir, na estreita via do recurso especial, a fixação do valor da pensão alimentícia, ante a impossibilidade de reexame de matéria fática.
2. Se os alimentos in natura compõem a prestação alimentar, por força de convenção, não há o que se objetar quanto à conveniência das partes e o amparo legal da medida.
3. A variabilidade característica dos alimentos, além de possibilitar a majoração, redução, ou mesmo exoneração da obrigação alimentar, também pode ser aplicada à fórmula para o cumprimento da obrigação que inclui a prestação de alimentos in natura, notadamente quando a alimentada aponta dificuldades para usufruir dessa fração dos alimentos.
4. O fim do consenso que regulava a forma de prestação alimentar, aliado a pedido do alimentado para que haja conversão dos alimentos in natura para pecúnia, são elementos suficientes para autorizar o julgador, com base no parágrafo único do art. 1.701 do CC-02, a fixar de pronto nova forma de cumprimento da prestação que deverá, prioritariamente, privilegiar o pagamento de alimentos em dinheiro.
5. Recurso parcialmente provido.
Elucida o doutrinador Rolf Madaleno (2011, pp. 946/947), colaborando para a tese demonstrada que:
O pedido (de prestação de alimentos in natura) é lícito, tem previsão legal, mas nem sempre é conveniente deixar que o ex-marido pague diretamente as contas e despesas dos seus credores de alimentos, pois essa ingerência dirá no controle dos gastos ou justamente na perda do controle das despesas realizadas sem criteriosa mensuração do alimentando pode ser alvo de futuras e intermináveis dissensões processuais.
De tal modo, havendo demonstração no caso concreto, da razão para que se altere a espécie do pagamento, se a modalidade aplicada não atende à finalidade, o Superior Tribunal de Justiça entende que é possível tal alteração, ensejando em um novo modo do pagamento da prestação, resguardando assim a característica da variabilidade inerente aos alimentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A legislação, seja tratando de conteúdo material ou processual, deve evoluir com o dinamismo da sociedade. As mudanças, sendo absorvidas mais rapidamente pelo poder judiciário, são analisadas primeiramente no caso concreto pelos magistrados na busca da efetiva tutela jurisdicional.
O assunto “alimentos”, ligado diretamente com a sobrevivência do alimentando, possui características próprias, sendo de suma importância, inclusive como a única atual possibilidade de prisão civil pelo inadimplemento.
As hipóteses trazidas neste trabalho não são expressamente previstas nos dispositivos legais, com exceção da exoneração em razão de casamento ou união estável do alimentando, assim, partem do anseio social.
Pautados os alimentos, legalmente, no binômio da necessidade-possibilidade, foi com o tempo incorporado pelo princípio da razoabilidade, ou seja, a mensuração dos valores é feita respeitando-se a proporcionalidade.
Existindo a flexibilização do artigo de lei, é cabível a exoneração de alimentos, mesmo que não haja alteração na necessidade do alimentando ou na possibilidade do alimentante, mas sim pela transitoriedade destes, admitindo-se que o período do pensionamento seja hábil para reestruturação econômica do alimentando.
Ademais, presumindo-se que há alteração da capacidade financeira com o nascimento de outro filho, é evidenciada a necessidade de revisão. Por fim, havendo fundamentação para que se altere a espécie do pagamento, os tribunais entendem que é possível tal alteração, se a modalidade aplicada não atende à finalidade à qual se propõe.
Conclui-se, portanto, que os entendimentos jurisprudenciais amainam lacunas legislativas e prezam pela melhor aplicação da lei e princípios, acarretando em verdadeira mudança paradigmática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em
_____. Agravo de Instrumento n. 2014.005176-3. Disponível em
_____. Agravo de Instrumento n. 70024873648. Disponível em
_____. Agravo em Recurso Especial n. 712.467. Disponível em
_____. Agravo em Recurso Especial n. 49508. Disponível em
_____. Apelação Cível n. 20090310262116. Disponível em
_____. Apelação Cível n. 2013.044388-4. Disponível em
_____. Apelação Cível n. 2015.014643-6. Disponível em
_____. Apelação Cível n. 70048701890. Disponível em
_____. Recurso Especial n. 1.284.177. Disponível em
_____. Recurso Especial n. 244015. Disponível em
_____. Recurso Especial n. 933.355. Disponível em
_____. Lei 8.069/1990. Disponível em
_____. Lei 10.406/2002. Disponível em
_____. Lei 13.105/2015. Disponível em
CAHALI. Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
DIASa, Maria Berenice. Alimentos aos bocados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
DIASb, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
Enunciado n. 341 do Conselho da Justiça Federal, incluído na IV Jornada de Direito Civil.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro : Forense, 2011.
SANTOS, Nilton Ramos Dantas. Alimentos: técnica e teoria. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
TARTUCE, Flávio. Alimentos. In PEREIRA, Rodrigo da Cunha (organizador). Tratado de Direito das Famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015. cap. 11, pp. 505-572.
TOALDO, Adriane Medianeira; MULLER, Juliana. Exoneração de Alimentos a Ex-Cônjuges: Inexistência das Alterações nas Condições Econômicas dos Cônjuges. Revista Síntese de Direito de Família. 90 (2015) pp. 119-136.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2006.
[1] Art. 782. Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá.
[...]
§ 3o A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
[2] 341 – Art. 1.696. Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar.
[3] Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
________________________________________________________________________________________________________
Ana Carolina Zanini
Advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões e em Direito Processual Civil, com escritório em Florianópolis/SC.
Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Santa Catarina.
Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM