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A alterabilidade do regime de separação obrigatória no casamento dos incapazes
A alterabilidade do regime de separação obrigatória no casamento dos incapazes
Beatriz Silva Urel*
Fernanda Previatto Antunes*
Meire Cristina Queiroz Sato*
RESUMO
O presente trabalho, por meio da pesquisa bibliográfica, busca uma solução para aqueles que, por conta da menoridade e da falta de consentimento dos pais, casam-se dependendo de suprimento judicial e, obrigatoriamente, contraem o regime de separação de bens, não podendo alterá-lo mesmo quando ambos os cônjuges atingem a maioridade civil, ou se emancipam através do casamento. A norma inserida no art. 1641, III, do Código Civil apresenta-se inconstitucional por não respeitar os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e do livre planejamento familiar, sendo também um paradoxo com os princípios que regem o regime de bens, sobretudo o princípio da livre estipulação. Pelo princípio da livre estipulação ou da liberdade de escolha, o legislador civil dá autonomia aos cônjuges na escolha do regime de bens que desejam para regular o patrimônio para depois de casados. No entanto, esse mesmo legislador limita a liberdade negocial e patrimonial dos cônjuges que se casam necessitando de autorização judicial, impondo, de forma obrigatória, o regime da separação total de bens. Essa imposição legal interfere e limita a autonomia privada do casal quanto à organização do planejamento familiar. Dessa forma, busca-se dar aos cônjuges menores tratamento com igualdade jurídica com relação aos casais que celebraram casamento após a maioridade civil.
Palavras-chave: Casamento de Incapaz. Suprimento Judicial. Alteração do Regime de Bens.
ABSTRACT
The present study, through bibliographic research, seeking a solution for those who, because of the legal incapacity and lack of parental consent, marry depending on judicial consent, must, constrict the separate property system and can not change it even when both spouses reach the age of majority or get emancipated by marriage. The norm expressed in art. 1641, III, of the Civil Code presents itself unconstitutional for not respecting the principles of human dignity, equal protection of law and free family planning, is also a paradox with the principles that govern the system of property, particularly the principle of free stipulation. Through principle of free stipulation or freedom of choice, the civil legislature empowers the spouses the choice of property regime wishing that they want to regulate equity for later married. The legislator limits the negotiating and equity freedom of married couples who marry requiring judicial authorization, imposing a compulsory basis, the separate property system. This legal requirement interferes and limits the private autonomy of the couple concerning the organization of family planning, where the constitutional legislature prohibits any entity, public or private, intervene in planning, which is private to the family. Thus, it seeks give to minors spouses a treatment with equality like is given to couples who have entered into marriage after the age of majority. Objective to demonstrate how the problem under consideration directly affects the society, seeking this way, with their own legal mechanisms and constitutional principles, the change of this authoritative understanding of paternal legislature.
Keywords: Incapable’s Marriage. Judicial Consent. Changing the Property System.
INTRODUÇÃO
O tema em análise trata da alterabilidade do regime de separação obrigatória no casamento dos incapazes. De forma geral, na classe média brasileira o casamento representa para os cônjuges uma possibilidade de desenvolvimento patrimonial, de maneira que, em regra, adotam-se os regimes da comunhão parcial ou da comunhão universal. Porém, a norma do art. 1.641, inciso III, do Código Civil, impede a possibilidade de cônjuges incapazes, que contraírem matrimônio dependendo de suprimento judicial, optarem por esses regimes, pois lhe são impostos um único regime: o da separação obrigatória.
Busca a presente pesquisa demonstrar, através do método dedutivo, utilizando a técnica de pesquisa bibliográfica, a inconstitucionalidade da regra do art. 1.641, inciso III, do Código Civil. O dispositivo legal em análise contradiz alguns dos princípios constitucionais mais importantes como o da dignidade da pessoa humana, o do planejamento familiar bem como o princípio da autonomia privada, sendo necessário um estudo aprofundado que revele uma solução adequada para este conflito. Diante do exposto, pretende-se subsidiar os argumentos por meio de doutrinas, de jurisprudência e de normas constitucionais que possibilite uma proposta embasada de alteração do art. 1.641, inciso III.
1. A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA E OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal impôs uma nova perspectiva hermenêutica para a compreensão da família na contemporaneidade ao admitir que ela não se apresenta em uma única forma, mas em pluralidade de formas. Do tradicional casamento, fundado na solenidade de sua celebração, até as famílias informais, hetero ou homossexuais; das famílias nucleares, constituídas pelos laços de conjugalidade e parentalidade, até as comunidades unitárias, sem filhos ou sem pais, chamadas de monoparentais. Todas elas cabem no esquadro constitucional, sem qualquer moldura formal exigida pela lei.
1.1 Princípios Constitucionais Aplicáveis ao Direito de Família
Desde 1934, os textos constitucionais brasileiros vêm-se preocupando com a família, sem nunca a definirem, somente reconhecendo o casamento como instituto formador e legitimador da família, constituída pela união de um homem e de uma mulher.
Na história das Constituições brasileiras, aponta-se o texto constitucional de 1934 como sendo o primeiro que expressamente fez referência à família. Em seu art. 144, a família era constituída pelo casamento indissolúvel, observando a orientação do Direito Canônico acerca do princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal, além de gozar da “proteção especial do Estado”. No mesmo texto, ficou assentado que também eram admitidos efeitos jurídicos ao casamento religioso, caso fossem adotadas certas formalidades, com a posterior inscrição do casamento no Registro Civil.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, vários princípios e regras sobre as relações familiares foram adotados, alterando, substancialmente, a ordem jurídico-familiar no Brasil.
Dentre outros, podem ser citados os avanços no tocante à igualdade entre os cônjuges (226, § 5º), no que tange aos direitos e deveres recíprocos nas relações conjugais e a equiparação de qualificação de todos os filhos, independentemente de origem, reconhecendo tratamento igualitário para todos (art. 227, § 6º, CF); princípio da solidariedade familiar e da afetividade, em que o afeto nas relações familiares é o mais importante. O principio da afetividade traz em seu bojo o carinho mútuo entre os familiares, seja na família seja na relação com a sociedade; e o principio da solidariedade, por sua vez, não se prende apenas ao patrimônio, pelo contrário, leva-se em consideração o carinho, o afeto, o respeito recíproco entre familiares. Por fim, o princípio maior, que é o princípio de proteção da dignidade da pessoa, em que a dignidade da pessoa humana é o princípio máximo revelado pela Constituição Federal de 1988, estabelecido no artigo 1º, inciso III da carta maior. No que tange à família, a tutela da dignidade da pessoa humana, deve ser assegurada tanto no que diz respeito às relações familiares como diante de seu rompimento, cabendo ao direito oferecer instrumentos para impedir a violação deste princípio.
1.2 O Atual Conceito de Família: uma dificuldade a ser superada ante o pluralismo familiar
A família é um fato natural, uma criação da natureza, não sendo resultante de uma ficção criada pelo homem. Trata-se de um conjunto de pessoas que se vinculam pelo matrimônio, pelo companheirismo, pela filiação biológica, pela filiação socioafetiva. O termo “família”, assim, apresenta pluralidade de conceituação, diante da abordagem do tema, abrangendo várias ciências humanas e, no universo jurídico, não se limita ao âmbito do Direito Civil, já que vários ramos do Direito regulam aspectos relacionados à família.
A Constituição Federal de 1988 disciplina o direito de família no artigo 226. No que diz respeito ao cenário jurídico-constitucional, são três as espécies de família, analisadas sob a ótica do casamento, da união estável e da adoção.
Para Pereira (2006, p.19), em sentido genérico e biológico, família significa um “conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum”, ao lado dos quais também se encontram o cônjuge, os filhos do cônjuge (enteados), os cônjuges dos filhos (genros, e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos do cônjuge (cunhados). Gonçalves (2014, p. 18) acentua que “Trata-se de instituição jurídica e social, resultante de casamento ou união estável, formada por duas pessoas de sexo diferente com a intenção de estabelecerem uma comunhão de vidas e, via de regra, de terem filhos a quem possam transmitir o seu nome e seu patrimônio”.
Após a constitucionalização do Direito de Família houve muitos avanços, e outras tantas conquistas. Diante de tantas inovações, sejam sociais ou religiosas, a Constituição Federal precisou passar por mudanças para poder acompanhar a evolução social. Hoje a família tem total atenção do Estado; os filhos são considerados iguais, com os mesmos direitos, sejam consangüíneos ou adotivos; assim como os casados e os companheiros também gozam dessa igualdade jurídica na direção da família.
Atualmente existem famílias formadas por pai e filho, mãe e filho, entre outros, o que se percebe uma diversificação da família no cenário jurídico. Havendo afeto, base de todo relacionamento e formalizados nos princípios constitucionais, todos os tipos de família merecem respeito e a proteção do Estado.
Enfim, o casamento não deve ter um aspecto meramente contratual, econômico ou de procriação. O casamento é uma opção, livre de barreiras e preconceitos, em que as pessoas buscam uma ligação baseadas no sentimento de amor, respeito e confiança recíproca, independente de sexo, cor, posição econômica ou religião. Dessa forma, o casamento deixou de ser um instituto preordenado à reprodução, para se constituir essencialmente em espaço de companheirismo.
Sem dúvida, hoje, o modelo de família que prevalece é o eudemonista, ou seja, aquele pelo qual cada um busca na própria família, ou por meio dela, a sua própria realização, seu próprio bem-estar. Seguindo esta tendência das relações familiares, que já evoluiu a ponto de dar à união estável, desde que reconhecida, os mesmos efeitos do casamento civil, teve, por ora, como derradeiro passo o reconhecimento da união entre casais homossexuais.
1.3 Autonomia Privada e o Planejamento Familiar
A autonomia privada exerce atualmente grande influência no direito de família, como afirma Couto (2008):
O Direito de Família sofreu modificações significativas nas últimas décadas, e o presente estudo pretende identificar a crescente admissibilidade e possibilidades jurídicas da autonomia privada na área do Direito de Família, tanto no âmbito patrimonial como extrapatrimonial. A família é constituída a partir de uma comunidade fundada na solidariedade, na igualdade e no respeito à dignidade das pessoas participantes desse núcleo de afeto.
Benacchio (2011, p. 7204) define autonomia privada da seguinte forma: “consiste no poder reconhecido ou atribuído pelo ordenamento jurídico às pessoas para a auto-regulação dos próprios interesses, determinando seu próprio comportamento individual”.
Por outro lado, a concepção de família contemporânea deve ser analisada sob o enfoque constitucional, porque é na Constituição que se verifica a proteção e a estrutura em que ela pode ser formada.
As pessoas possuem o direito de escolher a espécie de entidade que desejam para constituir a sua família e com isso definir as regras da relação familiar. Nesse sentido, inserem-se na Constituição Federal de 1988 as famílias não matrimoniais, como a união estável (art. 226, parágrafo 3º da CF) e a família monoparental (art. 226, parágrafo 4º da CF), equiparadas axiologicamente ao casamento, vedando qualquer tratamento discriminatório a essas entidades, a exemplo daquele conferido à filiação ilegítima (art. 227, parágrafo 6º).26 Nesta linha temos a liberdade de não casar (BRANCO e MOREIRA, 2011, p. 137).
O instituto da mutabilidade do regime de bens é uma das marcas mais fortes da autonomia privada, fazendo-se consolidar a isonomia entre o casal. A autonomia privada foi usada como base para a formação da nova família moderna e isso pode ser demonstrado de três modos que são: a) aplicabilidade da mutualidade nos casamentos celebrados sob a vigência do Código Civil de 1916; b) alteração do regime de bens para aqueles que optaram pelo regime de separação total de bens; c) obrigação do regime de separação total de bens para os menores de idades e para às pessoas com mais de sessenta anos.
O que causa maiores questionamentos, e é repudiado pela grande maioria da doutrina, é a obrigatoriedade sobre regime de separação total de bens para os nubentes menores de 18 anos e maiores de 60 anos. O Estado defende que é uma forma de proteção, entretanto é entendido que, após a cessação dos impedimentos tenha a possibilidade de alteração do regime de bens. E isto é analisado por Branco e Moreira (2011, p.144):
A justificativa para o Estado estabelecer o regime legal de bens é para proteger os interesses da parte mais fraca da relação conjugal. Porém, essa orientação começou a ser discutida e repudiada no Direito de Família, sob o argumento de que não haveria lugar no ordenamento brasileiro atual para o regime da separação obrigatória em razão da idade avançada (maior de 70 anos), já que não se poderia retirar das pessoas a autonomia de escolherem o regime de bens em virtude de contarem com idade, que não lhes retira a capacidade de discernimento.
Outro aspecto que começou a ser discutido foi o fato de não haver razão para manter o regime da separação obrigatória quando as causas que impuseram o regime de bens cessarem, como são os casos dos casamentos celebrados por pessoas que precisam do suprimento judicial para casar. Para esses casos, deixando de existir a causa que impõe o regime da separação obrigatória, haverá a possibilidade das partes escolherem outro regime de bens.
2. O REGIME DE BENS NO DIREITO MATRIMONIAL
Realizado o matrimônio, surgem direitos e obrigações em relação à pessoa do cônjuge e aos seus bens patrimoniais. O patrimônio dos cônjuges será regulado pelo regime de bens que estes adotarem para seu casamento. Sobre o assunto, ensina Gonçalves (2011, p.437):
Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.
O regime de bens na legislação pátria acompanha a evolução das normas criadas em prol do direito de família. Muito embora o regime de bens tenha um caráter patrimonial, hodiernamente percebe-se que esse entendimento não mais se amolda às camadas sociais formadoras das diversas vertentes de família. Isso porque, além desse caráter, nota-se que tal regime de bens atingirá além do casal, também a terceiros, o que demonstra a sua função social. Mesmo porque atualmente, o Direito Civil tem uma função social a cumprir e não apenas visa o caráter patrimonial.
2.1 As Espécies de Regime de Bens
O Código Civil de 2002 trouxe em seu texto legal a previsão de quatro tipos diferentes de regimes de bens, sendo eles: Regime da comunhão parcial de bens; Regime da comunhão universal de bens; Regime de participação final nos aquestos; Regime da separação de bens.
O regime de bens começa a ter validade a partir do momento da celebração do casamento, de acordo com o §1º do artigo 1639 que assim dispõe: “Art. 1.639. É lícito aos nubentes [...], §1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.”
No caso da União Estável o regime de bens será escolhido no contrato de União Estável, e assim que preenchidos todos os requisitos e instituída a união, o regime começará a valer; em caso de não escolha do regime também leva a adoção do regime da comunhão parcial de bens como regra, conforme o artigo 1725: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
Passando a uma breve análise dos regimes adotados pelo Código Civil de 2002, destaca-se por primeiro o regime regra. A respeito dele explica Rodrigues (2007, p. 178):
Regime de comunhão parcial é aquele em que basicamente se excluem da comunhão os bens que os cônjuges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doações e sucessões; e em que entram na comunhão os bens adquiridos posteriormente, em regra, a título oneroso. Trata-se de um regime de separação quanto ao passado e de comunhão quanto ao futuro.
Este regime apresenta-se com duas características principais, a incomunicabilidade dos bens adquiridos antes do casamento, e a comunicabilidade dos adquiridos durante a constância do casamento.
Passando-se ao estudo do regime de comunhão universal de bens, tal regime tem regulamentação nos artigos 1.667 a 1.671 do CC/2002. A característica principal desse regime é a total comunicabilidade dos bens do casal. Comunicam-se todos os bens, anteriores ao casamento ou não, a titulo gratuito ou oneroso. Deve-se frisar que esse regime necessita obrigatoriamente de pacto antenupcial para sua escolha, do contrário não será permitido sua adoção.
O regime da separação de bens se divide em duas formas: a separação obrigatória, ou legal, que vem prevista para as hipóteses descritas no artigo 1641 do nosso diploma civil. Aqui se tem uma imposição legal aos nubentes para que seja este o regime de bens vigente durante o casamento, ou seja, eles não têm o direito de escolha. A separação absoluta ou convencional ou total, feita mediante pacto antenupcial. Neste mostra-se claro que é um acordo de vontades entre os nubentes, ou seja, uma faculdade dada a eles, no caso de União Estável será escolhido mediante o contrato que rege a união.
A característica principal desse regime é a completa distinção dos patrimônios pertencentes ao marido e à mulher, de forma que um não se comunicará com o outro, não se comunicam as aquisições nem os frutos pertencendo a cada um a propriedade, posse e administração de seus bens. Também exige o pacto antenupcial.
Analisa-se, por fim, o regime da participação final nos aquestos. Trata-se de um regime hibrido ou misto, compreendendo a adoção de dois regimes diversos, assim compreendidos o da separação absoluta e o da comunhão parcial. Sendo que na constância do casamento vigerá o da separação absoluta dos bens e findo o casamento o passa a ser aplicado o da comunhão parcial dos bens, comunicando-se entre o casal, na partilha, os bens adquiridos a titulo oneroso, por isso participação final nos aquestos. É um regime que precisa precipuamente ser escolhido por meio de pacto antenupcial.
2.2 Os Princípios que Fundamentam as Relações Patrimoniais entre os Cônjuges
A escolha e estruturação do regime de bens do casamento são de suma importância para o desenvolvimento da vida conjugal, e deve observar três princípios que o norteiam, que são eles o princípio da imutabilidade, o princípio da variedade e o princípio da liberdade dos pactos antenupciais.
Princípio da Imutabilidade: em regra, o regime de bens é irrevogável e passa a vigorar a partir da celebração do casamento. Das transformações pelas quais o casamento passou, uma das mais significativas é em relação ao direito patrimonial, consubstanciada na possibilidade de mudança do regime de bens no curso do casamento, conforme preceitua o § 2º do Artigo 1.639
Art. 1639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 2.° É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
De acordo com a regra inovadora chega-se às seguintes conclusões: a) essa mudança exige a instauração procedimento judicial; b) o pedido deverá ser conjunto e voluntário, não podendo ser requerido unilateralmente; c) deverá ser um requerimento motivado de modo que a autoridade judicial possa analisar a razoabilidade do pleito e dos fundamentos invocados; d) a mudança não poderá afrontar direito de terceiros, motivo que torna recomendável que o juiz determine a publicação de edital para haver a mais ampla publicidade; e) tal alteração compete à Vara de Direito de Família por tratar da situação patrimonial dos casados.
Princípio da Variedade. A legislação prevê a possibilidade de escolha, pelos nubentes, de quatro regimes de bens, como já mencionado, além de permitir uma combinação entre eles, por meio de um pacto antenupcial, criando assim um regime misto, da maneira que lhes aprouver, desde que esse regime instituído não afronte nenhum dos princípios e normas de ordem pública que caracterizam o direito de família.
Princípio liberdade dos pactos antenupciais. De acordo com o que leciona Diniz (2007, p. 151):
[...] permite-se aos nubentes a livre escolha do regime que lhes convier, para regulamentar os interesses econômicos decorrentes do ato nupcial, já que, como não estão adstritos à adoção de um daqueles tipos,..., tal como se encontram definidos em lei, podem combiná-los formando um regime misto ou especial, sendo-lhes lícito, ainda, estipular cláusulas, desde que respeitados os princípios de ordem pública, os fins e a natureza do matrimonio.
Conforme o art. 1639, caput, do Código Civil: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. Para que se possa escolher o regime de bens pretendido, ou para fazer a mistura entre eles, mister se faz que seja feito por meio do pacto antenupcial, e este é indispensável que se realize por escritura pública, caso contrário será nulo.
2.3 O Regime da Separação Legal ou Obrigatória versus a Mutabilidade do Regime de Bens
O art. 1.641 do Código Civil apresenta os casos em que o regime de Separação de Bens será imposto pela lei.
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I – das pessoas que o contraírem na inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 60 (sessenta) anos;
III – de todos os que dependem, para casar, de suprimento judicial.
O caso do inciso I a imposição acontece por ter havido violação a dispositivo legal que regula as causas suspensivas da celebração do casamento (art. 1.523 do CC). A inobservância de alguma das causas suspensivas não tornará o casamento inválido, apenas acarreta irregularidade, havendo como sanção a imposição do regime de separação de bens. Nos seguintes incisos (II e III), conforme Gonçalves (2014, p. 469, f), “mostra-se evidente o intuito de proteger certas pessoas, que pela posição em que se encontram, poderiam ser vítimas de aventureiros interessados em seu patrimônio”. A intenção legislativa mostra-se boa, mas na prática, acarreta situação de injustiça para com os cônjuges. Assim, ao impor, legalmente, um regime de bens a ser adotado, não há a possibilidade de mutação, mesmo sendo ela motivada.
2.4 O Casamento de Quem Necessita de Suprimento Judicial: Limitação à Livre Estipulação
Na forma do art. 1.517 do Código Civil, o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Dessa forma, os relativamente incapazes podem contrair núpcias, desde que autorizados pelos pais ou representantes legais. Trata-se da chamada capacidade núbil, que deverá ser demonstrada por meio de documento, normalmente por registro de nascimento ou documento de identificação permitido em lei, no processo de habilitação para o casamento e refere-se tanto ao homem quanto à mulher.
A falta de capacidade para o casamento faz com que aqueles que pretenderem entrelaçar suas vidas por meio das núpcias, dependam de autorização dos representantes legais. Na recusa injustificada dos representantes dos nubentes menores, tem-se autorização judicial para casar, denominando essa autorização de Suprimento Judicial do Consentimento.
Legisla o art. 1641, III, do Código Civil que os que dependerem de suprimento judicial para se casar obrigatoriamente terão que aplicar o regime de separação de bens no casamento. O suprimento judicial ocorre quando há a falta de idade do nubente (menor de 16 anos), que deseja se casar para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal ou nos casos de gravidez (art. 1.520, do Código Civil); ou na falta de consentimento dos pais, que é necessário tanto no caso dos menores entre 16 anos e 18 anos (art. 1.517, do Código Civil). O intuito do judiciário é proteger os menores enquanto incapazes de realizar atos da vida civil.
Tal regra, em face do princípio da liberdade dos pactos antenupciais, se mostra infratora. Com já demonstrado, esse princípio, também conhecido como o da livre estipulação, permite que os cônjuges escolham para si o regime de bens que melhor regulará o patrimônio que surgir daquela união. Os nubentes que se casam necessitando de suprimento judicial não podem estipular o que desejam quanto ao seu patrimônio, já que é imposto a eles o regime da separação obrigatória de bens.
3. A (IM) POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS NO CASAMENTO DOS INCAPAZES
Conforme já analisado anteriormente, os incapazes que se casam dependendo de suprimento judicial têm seu regime de bens determinado pela norma do artigo 1641, III, do Código Civil, que impõe do regime da Separação de Bens. Como tal regime é aplicado por imposição legal, mesmo com o cessar da causa que determinou a imposição ao casal, ou seja, a incapacidade, não há previsão legal que possibilite a alteração do regime nesses casos, a despeito dos princípios da mutação motivada e o da livre estipulação, que vigoram no Código Civil.
3.1 O Direito Patrimonial e o Princípio do Livre Planejamento Familiar
Atualmente a família é formada como um espaço para a satisfação e realização de cada um dos indivíduos e tanto a sua formação como também finalização são pertencentes a sua esfera pessoal, ou seja, é uma escolha pessoal de cada um em continuar ou não o casamento, pode ser considerado um plano de liberdade.
A Constituição Federal consagra o principio do Livre Planejamento Familiar, conforme afirma Rodrigues e Teixeira (2010, p. 99)
A idéia do exercício de direitos fundamentais e de como exercê-lo pode ser constatada no art. 226, § 7º, da Constituição Federal, ao prever a liberdade de planejamento familiar. Cabe à pessoa e /ou ao casal, ao par, a livre decisão sobre os aspectos atinentes ao projeto parental, devendo tomar essa decisão sem a ingerência de terceiros. Mas, em um Estado Democrático de Direito, como regra, não se fala em liberdade ilimitada, de modo que, também aqui, a liberdade para o exercício deste direito fundamental já nasce conformada pela solidariedade, de modo que o próprio dispositivo prevê limitação explicitas a tal direito, quais sejam, a dignidade da pessoa humana e a parentalidade responsável.
Entretanto, quando existem pessoas vulneráveis envolvidas no negócio jurídico chamado casamento, o Estado intervém como modo de proteger para garantir a dignidade da pessoa menos favorecida, e estas são a criança e adolescente, idoso e a mulher. A intervenção do Estado tem que ser quando for realmente requerida como nos casos de hipossuficiência das partes, mas não se justifica em relações pessoais como no caso do casamento, como exemplifica Rodrigues e Teixeira (2010, p. 107).
[...] ele não deve interferir nas relações pessoais sob o falso argumento de proteger, sob pena de suprimiras subjetividades dos componentes da entidade familiar, em atitude flagrantemente paternalista. Afinal, fazem parte da esfera privada da pessoa humana as decisões sobre seus aspectos de maior intimidade, para que cada um possa se construir de forma coerente com o próprio projeto de vida, o que justifica, enfim, a intervenção apenas residual do Estado
No dias atuais, a pessoa humana ocupa o lugar central nas entidades familiares, como demonstra o art. 226, § 8°, da Constituição Federal, que determina que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram”. Essa norma constitucional é uma das maiores demonstrações de que a entidade familiar só se justifica se calcada em seus membros, pela felicidade e realização pessoal de cada um. Logo, não faz sentido que o Estado intervenha em um núcleo dotado de autonomia de vontade, garantido pelo próprio ordenamento jurídico. No seio da família, são os seus integrantes que devem ditar as regras próprias de convivência, e o Estado e a sociedade como um todo, devem respeitar e reconhecer tanto à família, enquanto unidade, como os seus membros individualmente (PEREIRA, 2006, p. 155).
No consagrado princípio da liberdade ou autonomia de planejamento familiar, que garante exercício dos direitos fundamentais de cada membro da família, cabe à pessoa e/ou ao casal a livre decisão, sem a intervenção de terceiros, particulares e/ou o poder público, quanto ao projeto parental e às relações patrimoniais.
Porém, como vivemos em um Estado Democrático de Direito, como regra, essa liberdade não é ilimitada, de modo que, a autonomia privada para o exercício desse direito fundamental é calcada pela solidariedade, conforme limitações explícitas nos princípios da dignidade da pessoa humana e da parentalidade responsável, bem como da igualdade jurídica.
3.2 O Direito Patrimonial e o Princípio da Igualdade Jurídica
O direito patrimonial é peça fundamental no negócio jurídico chamado casamento, porque a partir do momento em que se inicia, e com o decorrer do tempo, o casal começa a adquirir bens e aumentar o patrimônio que possui ou constitui novo patrimônio, daí a necessidade de se estabelecer regras quanto às relações patrimoniais entre o casal.
O ordenamento jurídico estabelece a autonomia privada nas relações patrimoniais, assim definida por Benachio (2009, p. 7204): “consiste no poder reconhecido ou atribuído pelo ordenamento jurídico às pessoas para a auto-regulação dos próprios interesses, determinando seu próprio comportamento individual.” Pela autonomia privada permite-se que se possa escolher como serão as relações patrimoniais, e assim definir o comportamento do casal perante a sociedade.
Pelo principio da afetividade, base das relações familiares na contemporaneidade, sempre se busca alcançar a realização pessoal de cada pessoa que forma a família, e segundo Benachio (2009, p. 7204):
Desse modo, a compreensão da família passa necessariamente pela autonomia privada das pessoas na busca de sua completa realização existencial por meio do uso dos estatutos jurídicos postos à disposição de todos ante a pluralidade dos modos de vida familiar.
Apesar da possibilidade da autonomia privada ser observada de múltiplos ângulos e por vários instrumentos de análise jurídica, sem dúvida a formulação comum de todas as vertentes é o fato de sua compreensão como a liberdade na satisfação do próprio interesse particular obviamente observados os limites impostos pelo ordenamento jurídico, portanto, definia a família por meio da autonomia privada de seus membros,efetivamente o valor em referência é o da liberdade.
No entanto, essa liberdade ou autonomia de escolher as regras pertinentes às relações patrimoniais entre o casal, encontra barreira no caso de casamento de menores que necessitam de suprimento judicial, não permitindo a liberdade de escolha ou alteração do regime de bens na vigência do casamento. Benachio (2009, p.7205) entende ser essa regra inconstitucional
É absolutamente indevida a intromissão do Estado na vontade das partes,estabelecendo prazos ou identificação de “culpas” para desfazer o casamento.Evidente o desrespeito ao direito à liberdade, razão pela qual não há como deixar de reconhecer como inconstitucional a regra que impõe limitações à separação e ao divórcio (CF 226, p. 6º), por afrontar o princípio maior que consagra a dignidade da pessoa humana como bem supremo. É absurdo forçar a manutenção do estado de casado, quando o casamento não mais existe. Ninguém está obrigado a viver com quem não esteja feliz, devendo preponderar o respeito à dignidade da pessoa humana.
Então, perante o negócio jurídico do casamento tem que ser respeitado o princípio da liberdade, ante a nova estrutura familiar traçada pelo direito civil-constitucional, conforme já analisado. Neste sentido, mais uma contribuição de Benachio (2009, p. 7204)
O abandono do modelo rígido e único do casamento em favor da pluralidade dos estatutos jurídicos, na própria definição da família, reforça a liberdade das pessoas no sentido da privatização do direito de família em um duplo aspecto, (i) as escolhas individuais estabelecem as matizes da vida privada e, (ii) a vontade individual, dentro dos limites da autonomia privada, desenha as vinculações jurídicas na família em conformidade com os estatutos jurídicos oferecidos pelo Direito.
A compreensão atual da noção de família é construída tomando-se o caráter normativo das normas constitucionais, sendo efetividade a atuação prática da norma, fazendo prevalecer, no mundo dos fatos, os valores por ela tutelados, assim, posicionada a Constituição Federal no centro do ordenamento jurídico é de seu conteúdo que verterá axiologia a ser obedecida pelos institutos do Direito Civil.
No Código Civil de 1916, só cabia ao homem o poder da família, sendo ele considerado o regente de todas as relações das quais envolviam seus familiares. A esposa era vinculada a ele para realizar os seus atos civis, portanto esse núcleo era considerado patriarcal. O machismo, na ambiência da sociedade, tinha amparo legal, a mulher aceitava a posição em que se encontrava neste momento histórico, para ela sua tarefa no seio da família era cuidar do lar e procriar. Na relação conjugal, a submissão era característica marcante, sendo aceita de forma pacífica e incontestável, até o início dos anos 60, marco da progressiva liberdade da mulher. A superioridade do homem era considerada algo natural, parte do sistema jurídico e das relações sócio-econômicas da família.
A Carta Magna de 1988 tem como premissa fundamental a igualdade entre todas as pessoas, qualquer que seja o gênero e orientação sexual, influenciando também na organização da relação familiar. Assim, a submissão não é mais amparada pela Lei, o casamento não é mais escolha dos pais e as relações familiares passam a ser regidas pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade.
A igualdade jurídica passa a consagrar a igualdade entre o marido e a mulher como um direito fundamental, tendo em vista que a Constituição traz, no seu art. 226, a definição da família, e em seu §5° afirma que os direitos e deveres da relação conjugal é exercida pelo homem e mulher em igualdade jurídica, nos direitos e deveres, extinguindo do cenário jurídico a figura do “chefe de família”.
Por outro lado, o princípio da igualdade jurídica encontra barreiras e limitações de ordem patrimonial, ao se comparar o casamento com a união estável, já que neste modelo informal de família não se exige a observância da regra do artigo 1.641 do Código Civil, possibilitando ao conviventes a liberdade de organizar suas relações patrimoniais, o que não é conferido aos cônjuges.
3.3 A Regra do Art. 1.641, III, do Código Civil: Constitucional ou Inconstitucional?
Conforme já observado, o Direito de Família é sustentado por importantes princípios constitucionais e estes, quando contrapostos com a regra do artigo 1641, III, do Código Civil, apresentam-se violados.
No tocante as relações patrimoniais, a própria lei concede o poder de autorregulação cada vez maior, cabendo aos cônjuges escolher o perfil econômico de seu projeto de vida em comum, a chamada autonomia privada imprimida no já citado art. 1.639 do Código Civil. A lei civil criou um regramento que melhor reflita os anseios do casal e seu projeto de vida em comum, autorizando aos cônjuges promover a alteração do regime de bens na constância do casamento, preenchidos os requisitos legais.
No momento em que o regime de separação é imposto ao casal sem a possibilidade de alteração, o legislador apresenta uma maior preocupação com o direito patrimonial do que com a própria relação de afeto e cumplicidade entre o casal, postura totalmente contrária à adotada pela Constituição Federal vigente, a qual protege especialmente as relações de afeto e a dignidade de pessoa humana, deixando as relações patrimoniais para um segundo plano. A retirada do poder de decisão do casal, da liberdade de escolha, da possibilidade de mutação do regime de bens, quando plenamente justificável, são imposições desproporcionais aos cônjuges que contraíram o casamento dependendo de suprimento judicial. Esta tentativa de proteção não tem mais espaço na sociedade brasileira, que é marcada por uma participação cada vez mais igualitária, consciente e efetiva de ambos os cônjuges na instância do casamento, já que este estabelece uma comunhão plena de vidas. Esquece o legislador de analisar a evolução da sociedade para poder atualizar o direito que mutatis mutandi deve mudar conforme a sociedade evolui. Vale citar ainda que o intuito protetivo de tal regra não condiz com a realidade brasileira, como entende o Oficial do Ministério Público de Minas Gerais, Samuel Alvarenga Gonçalves (2007, p. 366):
Isso ocorre porque, quando se tem em mente a exacerbada preocupação com a defesa do patrimônio conjugal nos casamentos, denota-se que tais regras como a do art. 1.641, III, do CC/2002 foram feitas apenas para as classes ricas da população. Esquece-se, por conseguinte, que a maior parte da população brasileira é constituída de pessoas humildes, desprovida de grande volume de recursos. Por isso, nesses casos, é ineficaz a tentativa de proteção a um patrimônio que, via de regra, nem sequer existe.
Vale citar outra regra: a do artigo 1829, I, do Código Civil, a qual não permite que o cônjuge casado no regime de separação obrigatória de bens a participar da herança como herdeiro concorrente com os descendentes. Logo, aquele que se casa por ordem da regra do artigo 1641, não participará da herança como herdeiro concorrente com os decentes. Essa norma mostra-se infratora ao direito à herança, previsto na Constituição Federal em seu artigo, 5°, inciso XXX, que garante ao cidadão a certeza do acesso à propriedade dos bens deixados pelo de cujus, garantindo aos herdeiros legitimados a investidura na posse e propriedade desses bens, com todos os seus elementos e características.
O legislador constitucional reconhece a família como base da sociedade, e a coloca sob o foco da tutela individualizada dos seus membros, valorizando o indivíduo e não apenas a instituição familiar, devendo, assim, o Direito Civil adaptar-se.
Por outro lado, a jurisprudência há muito tempo já se posicionou diante da Súmula n. 377 do STF, que reconhece, no momento da dissolução da sociedade conjugal, o direito à meação dos bens adquiridos na constância do casamento, aos cônjuges que foram casados sob o regime de separação legal ou obrigatória.
Ao estabelecer que na separação obrigatória de bens comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento, o Supremo Tribunal Federal não deixou desamparadas as pessoas que poderiam ser prejudicadas por aquelas que contraírem matrimônio com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, nem, muito menos, desprotegeu os maiores de sessenta anos e os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. A súmula é expressa no sentido de que somente aquilo que for adquirido na constância do casamento, partilha-se com o outro cônjuge. Ou seja, nada daquilo que pertencia à pessoa hipossuficiente antes do matrimônio comunicar-se-á com o outro e, sendo assim, a junção dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal tende somente a beneficiar a parte resguardada pela imposição do regime da separação obrigatória de bens.
Diante de tudo isso, a manutenção do regime de separação obrigatória de bens, imposta pelo art. 1.641 do diploma civil, mormente no que diz respeito à hipótese dos menores que se casam necessitando de suprimento judicial, resulta inconstitucional por representar explícita afronta ao princípio da igualdade jurídica, por presumir falta de discernimento mesmo diante da emancipação do casal menor com o enlace matrimonial, e a sua conseqüente maioridade civil ao longo do casamento (RODRIGUES e TEIXEIRA, 2010, p. 95). Portando, não merece prosperar e continuar a ser aplicada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar as transformações ocorridas pela família ao longo do século XXI, percebe-se que a trajetória da família e todas as mudanças que se estabeleceram demonstram um caminho em busca por liberdade: liberdade de ser na família.
A Carta Magna tem como característica a superioridade sobre todas as normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. Nela constam princípios e nuances que permeiam todo o sistema. A Constituição de 1988 suscita idéias de proteção à família, valorizando primeiramente a dignidade da pessoa humana e as relações de afeto, abarcando diversos princípios constitucionais da família, tais como o da igualdade jurídica entre os cônjuges, o do planejamento familiar em conjunto e o da autonomia privada.
O Direito Civil, sob a luz da Carta Magna de 1988, passa a zelar pela pessoa humana, não mais para o seu patrimônio, prevalecendo valores humanitários e sociais. Mesmo assim, o legislador de 2002, ainda sob influência do antiquado Código Civil de 1916, optou, em determinadas situações, pela exacerbada preocupação com a defesa do patrimônio, como na regra do artigo 1.641, III, a qual retira toda a liberdade de escolha dos nubentes quanto a suas relações patrimoniais na vida conjugal.
Assim, a Constituição despatrimonializou o direito de família passando a personificá-lo, para ter como foco principal de sua proteção a pessoa de cada membro que compõe a família, sua dignidade, seu desenvolvimento humano e as suas relações de afeto. Portanto, a fixação de regras infraconstitucionais de conteúdo exclusivamente patrimonial se choca com os princípios constitucionais analisados neste trabalho, revelando tal regra inconstitucional.
Logo se vê que o direito de família contemporâneo revela-se mais privado do que nunca. Isso significa que a forma de constituição das entidades familiares e os espaços de realização familiar encontram-se relacionados com o exercício da autonomia privada dos indivíduos, de modo que, qualquer interferência estatal afronta preceitos constitucionais que embasam os direitos fundamentais, sobretudo a dignidade da pessoa humana de cada membro que a compõe. Somente autorizado quando for necessário proteger sujeitos familiares vulneráveis ou hipossuficientes.
De outro modo, os componentes da família podem construir de forma livre e autônoma o projeto de vida em comum, soando ilegítima a intervenção do Estado ao estabelecer regras jurídicas limitadoras em matéria de tanta intimidade quando se trata de pessoas livres e iguais, ferindo, assim, o principio constitucional da igualdade jurídica e do livre planejamento familiar.
Nessa busca pela autonomia na organização na família, fez-se necessário reconhecer novos arranjos familiares, refletindo uma pluralidade de famílias. Nesse contexto, o tradicional matrimônio passou a se pautar na vontade dos cônjuges e na felicidade de seus membros, bem como na afetividade entre eles.
Portanto, a família contemporânea é arquitetada como espaço de satisfação e de realização das individualidades.
Neste contexto, não cabe a qualquer norma jurídica, infraconstitucional, ditar regras que limitam essa liberdade do casal no arranjo e organização da sua família, sobretudo no aspecto patrimonial.
Por fim, resulta a presente pesquisa na idéia de que a norma do art. 1.641, III, não merece ser aplicada diante do caso concreto por revelar uma inconstitucional afronta aos valores e princípios constitucionais que fundamentam o direito de família contemporâneo, sugerindo-se a declaração de sua inconstitucionalidade por meio de ação direta, a ser promovida pelas autoridades legitimadas no art. 103 da Constituição Federal.
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* Discente do 5º ano do curso de Direito do Centro Universitário UniSALESIANO de Lins/SP. E-mail: biaurel@hotmail.com e biaurel@me.com
* Discente do 5º ano do curso de Direito do Centro Universitário UniSALESIANO de Lins/SP. E-mail: fernanda_previatto@yahoo.com.br
* Docente do curso de Direito do UniSALESIANO de Lins e Araçatuba. Mestre em Direito Civil pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba/SP - Unitoledo. E-mail: meirecristinaqueiroz@gmail.com. Orientadora do trabalho.
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