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Resiliências, as capacidades de superação
Quando entre tensão e compressão, a energia acumulada libera flexibilidades sem rupturas e os ajustes de retorno ao estado natural são as capacidades de superações, como o bioma cerrado atua após as queimadas e as estruturas de aço (e as molas) suportam os impactos, acontecem as resiliências.
Quando Amy Preud, a bela paratleta biamputada e campeã do para-snowboard, com suas próteses substitutivas dos pés, no formato de lâminas, executou coreografia com um robô industrial Kuka, em abertura das Paralimpíadas Rio 2016, ali estava no palco a imagem-síntese de todas as resiliências.
Resiliências humanas, na melhor imagem do poema de Dom Helder Câmara (1909-1999): “Não, não pares. É graça divina começar bem. Graça maior é persistir na caminhada certa, manter o ritmo. Mas a graça das graças é não desistir nunca. Podendo ou não podendo. Caindo, embora, aos pedaços.... Chegar até o fim“.
As superações cotidianas nos obstáculos de vida ensinam-nos o quanto as resiliências significam vergar sem quebrar, cair e se reerguer, seguir e prosseguir, em destinação dos desempenhos necessários. A vida sempre está a exigir, esforços e ânimos, desafios e mudanças. A vida é, sobretudo, atitude.
O termo “resiliência” (“resiliens”), do verbo latino “resilire” (“saltar para trás”) é, antes de mais, o “de novo, outra vez”. Com uso no idioma inglês (“resilience”) desde 1620, o seu conceito foi desenvolvido, em 1807, por Thomas Young, um cientista inglês, quando empregou o termo dando-lhe significado no campo da física. Imagens de exemplos bem expressaram o vocábulo. Quer dizer e significar realmente posturas de recuperação. Quando dissipada a energia (leiam-se, também, os problemas humanos ou os tipos de “stress”), tudo volta ao seu estado anterior.
De fato, resiliência "é a capacidade do indivíduo sobrepor-se e construir-se positivamente frente as adversidades” (Hamuche). Um aprendizado de transformação de experiências negativas em oportunidades de estímulos e de superações. Assim tem sido, com o físico Stephen Hawking enfrentando a esclerose amiotrófica que o imobiliza. Tem sido com os atletas paralímpicos do mundo inteiro. Tem sido com os sobreviventes de holocaustos. O traçado comum de superação os envolvem como reconstrutores de suas próprias vidas, associada à ideia de um “salto para trás” (retorno ao normal) implicar em um salto qualitativo ao futuro.
A resiliência é, portanto, um produto integrativo entre o ser exposto ao adverso e o ser invulnerável aos seus sonhos. Pessoas resilientes não são apenas resistentes, elas são flexíveis nas dificuldades, administram as emoções, controlam impulsos, são eficazes na compreensão do mundo e otimistas por natureza, não se colocam infelizes, em nenhuma hipótese. Em todo rigor, nunca se quedam em desesperanças ou na perda de crenças; autoconfiantes, conservam a fé.
Os que leem os clássicos, sabem muito bem: escritores de grandes obras, imortalizadas na intimidade dos tempos, as escreveram no exílio. Assim aconteceu com o florentino Dante Alighieri, condenado ao exílio (1302), escrevendo a Divina Comédia, por quase vinte anos, durante sua peregrinação de muitos lugares (1304-1321). Na antiguidade clássica, Ovídio banido para Tomis (8 a.C), com suas “Cartas Pônticas” e “Tristia”, poemas de exílio; e Sêneca exilado para a Córsega (41), ali escrevendo seus melhores tratados filosóficos, entre eles os “Consolos”; servem de exemplo. Todos eles desafiaram, nos exilio vivenciados, as situações mais adversas; fazendo de suas obras, reação e superação em metáforas perfeitas.
No viés jurídico, é suficiente assinalar a experiência bem-sucedida da Lei nº 11.101/2005, quando a recuperação judicial objetiva a superação da situação da crise econômico-financeira da empresa devedora e a sua preservação, permitindo-lhe garantir sua função social e a atividade econômica no mercado. Tem-se por referir, ainda, aos programas judiciários de tratamento de consumidores superendividados (“Proendividados”), ensejando-lhes uma recuperação programada de solvência financeira.
Agora, o PLS nº 324/2016, em trâmite no Senado, acrescenta parágrafo único ao art. 16 da Lei nº. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha -, para instituir prazo de reflexão à renúncia de representação, o de sessenta dias. O prazo pretende inibir que a vítima, por temor ou compaixão retire, abruptamente, a representação, o que na prática tem servido de incentivo a novas hostilidades. Mas, a um só tempo, esse mesmo prazo poderá contribuir, em outro modo, ao reequilíbrio vivencial do casal, como instrumento ensejador de resiliências.
No viés da vida, sobrepujar adversidades tem sido, assim, o referencial de exemplo das Paralimpíadas Rio 2016. Na cerimônia de sua abertura, a ex-paratleta Márcia Malsar, ao cair e se reerguer com a tocha, continuando resoluta e determinada a caminhar para oitenta e nove passos seguintes passa-la adiante, demonstrou que percalços e passos não se confundem. Estes ensinam o caminho do triunfo (ou seja, a meta cumprida).
Afinal, quando os bíblicos Adão e Eva, mesmo despejados do Paraíso, souberam ensinar que a queda adâmica não os fizeram condenados para sempre; a humanidade aprende, desde sempre, que o potencial da superação deve ser inerente ao homem. Homem resiliente que cresce nas dificuldades. De efeito, somos todos paralímpicos.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES
DESEMBARGADOR DECANO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO (TJPE). MESTRE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CLÁSSICA DE LISBOA (FDUL).
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