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Direito das Famílias no CPC-2015 e os restos do amor
O código de Processo Civil é a “lei das leis”, pois tem um dos maiores espectros de incidência, por ser aplicável direta e supletivamente na operacionalização de todas áreas do Direito que não tenham natureza penal. O CPC-2015 fez muitos avanços, que ainda estão sendo absorvidos pelos operadores do Direito. Talvez seja no Direito de Família que ela tenha trazido a mais significativa mudança, embora não o suficiente para resolver inúmeros problemas do dia-a-dia do Advogado e, principalmente, do jurisdicionado. Resta-nos agora aguardar a aprovação do Estatuto das Famílias, PLS470/2013, elaborado pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, que trata também de processo e procedimentos específicos para o Direito das Famílias, e que suprirá as lacunas deixadas pelo CPC-2015, e substituirá todo o livro de Família do CCB-2002.
Os processos de Direito de Família são muito diferentes dos demais ramos do Direito, que inclusive quebra a máxima das primeiras lições de processo: “o que não está nos autos não está no mundo”. O que determina o desfecho de um processo nesta área, na maioria das vezes, é exatamente o que está orbitando fora do processo, que é a história de amor e ódio mal resolvida entre as partes, e o judiciário é o lugar onde as partes depositam os restos do amor. Daí poder-se dizer que o processo de família é a materialização de uma realidade subjetiva.
O CPC-2015 não resolveu as mazelas e dificuldades dos processos de família. Até porque essas dificuldades estão muito além de regras procedimentais, e o problema é muito mais estrutural. O judiciário está caótico, e em razão do excesso de processos, carrega consigo a melancólica incapacidade de fazer justiça. Mas tivemos alguns bons avanços. Por exemplo, na execução de alimentos, embora continue um calvário para o alimentário, consolidou o que a jurisprudência já tinha consagrado em relação à prisão do devedor, ao estabelecer que apenas pelos últimos 3 meses de dívida pode-se decretar a prisão. Foi absorvida a sugestão do IBDFAM em relação ao protesto do nome do devedor de alimentos (artigo 582 §3º); o foro para ações de família em geral passa a ser o da parte mais vulnerável (artigo 49 a 53); Absorveu os novos conceitos de família como alienação parental e interdisciplinariedade (artigo 699) e para não acirrar os ânimos do litígio, o réu deve ser citado para audiência de tentativa de conciliação sem a cópia de petição inicial (artigo 695).
O mais significativo avanço do CPC-2015 para o Direito das Famílias, é que ele faz um corte paradigmático na cultura do litígio. Cria um capítulo específico para o Direito de Família (Cap. X – artigos 693 a 699): Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxilio de profissionais de outra área de conhecimento para mediação e conciliação (artigo 694). O IBDFAM já havia contribuído para diminuir essa litigiosidade com a EC66/2010, ao simplificar o divórcio, eliminado prazos desnecessários para se requerê-lo, e extinguindo o desnecessário instituto da separação judicial. Ao invés de dois processos para se colocar fim ao casamento, separação judicial e divórcio, basta o divórcio, e sem discutir quem é o culpado. O Estado não entra mais nesta seara, pois essa intimidade só interessa às partes. Em um Estado laico, não cabe mais esse instituto que traduz dogmas e concepções religiosas. Aqueles que não puderem, ou não quiserem, por razões religiosas, se divorciarem, basta fazer uma simples separação de corpos. Neste aspecto o CPC-2015 foi muito infeliz. Tentou ressuscitar o inútil instituto da separação judicial. Mas não conseguiu. Neste aspecto é natimorto por ser incompatível com a EC/66.
Rodrigo da Cunha Pereira
Advogado, Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM, Doutor (UFPR) e Mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e Psicanálise.
Instagram: rodrigodacunhapereira
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