Artigos
Guarda compatilhada: a distância não importa ao afeto e à responsabilidade
Guarda compatilhada: a distância não importa ao afeto e à responsabilidade
Renato Faloni de Andrade, Defensor Público em Minas Gerais. Professor no curso de graduação em Direito da Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS, campus Alfenas/MG. Pós-graduado em Docência no Ensino Superior. Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP, campus Ribeirão Preto/SP. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
SUMÁRIO: Introito. 1. A guarda compartilhada. 2. A dificuldade geográfica. 3. O melhor interesse dos menores. Considerações finais.
Resumo: o texto a seguir tece considerações sobre a guarda compartilhada, a partir de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Na decisão, aquele sodalício entendeu por bem conferir ao caso concreto o regime de guarda unilateral, em detrimento da guarda compartilhada. Encontrou respaldo para seu posicionamento na dificuldade geográfica, consistente na distância entre a residência dos filhos menores e a do pai, e no melhor interesse das crianças, para atribuir a guarda de forma unilateral à genitora. O texto propõe a desmistificação do conceito de guarda compartilhada, que representa mais do que ter os filhos menores sob sua custódia, para envolver decisões sobre a própria vida deles, em questões que afetem seu desenvolvimento físico, moral e intelectual.
Palavras-chave: Guarda compartilhada. Dificuldade geográfica. Melhor interesse das crianças.
Abstract: The following text reflects on shared custody , from decision by the Superior Court of Justice. In the decision , that sodality saw fit to give the case the unilateral guard regime at the expense of shared custody . He found support for its position in the geographic difficulty , consisting of the distance between the residence of the minor children and the father, and in the best interests of children , to assign custody unilaterally to genitor . the text proposes to demystify the concept of shared custody , which is more than having the children under their custody , to involve decisions about their own lives , in matters affecting their physical, moral and intellectual .
Keywords: shared Guard. geographical difficulty. Best interests of children.
INTROITO
No dia 21 de junho de 2016 o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido por sua Terceira Turma, decidiu que a distância entre a residência dos pais pode interferir na fixação da guarda dos filhos menores, impedindo a adoção da guarda compartilhada.
O julgamento contou com a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. DESNECESSIDADE. LIMITES GEOGRÁFICOS. IMPLEMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. SÚMULA Nº 7/STJ. 1.A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. 2.As peculiaridades do caso concreto inviabilizam a implementação da guarda compartilhada, tais como a dificuldade geográfica e a realização do princípio do melhor interesse dos menores, que obstaculizam, a princípio, sua efetivação. 3.Às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento insuperável ao exercício da guarda compartilhada, como por exemplo, limites geográficos. Precedentes. 4.A verificação da procedência dos argumentos expendidos no recurso especial exigiria, por parte desta Corte, o reexame de matéria fática, o que é vedado pela Súmula nº 7 deste Tribunal. 5.Recurso especial não provido.[1]
Da decisão aludida, recomenda atenção os motivos que levaram ao afastamento da regra, que estabelece a fixação da guarda na modalidade compartilhada: a dificuldade geográfica e o princípio do melhor interesse dos menores. Merece consideração também o trecho do acórdão que, mencionando a modificação da rotina dos menores, com a possível alternância de residência, conclui não ser factível que elas estudassem alternativamente em colégios distintos a cada semana ou que frequentassem cursos a cada 15 (quinze) dias quando estivessem com o pai ou com a mãe.
No presente ensaio, objetiva-se apreciar a decisão em comento, para, sustentando entendimento diverso, demonstrar que as razões estampadas no julgado não procedem.
De antemão, cabe consignar não se tratar a argumentação ora apresentada de instrumento que possa desacreditar a decisão guerreada nem os que dela tomaram parte. Consiste o presente escrito em manifestação que busca contribuir modestamente para discussão que permeia as lides de família, sobre a guarda compartilhada, que vão desde o entendimento sobre seu conceito, até acerca de seus efeitos e limites.
1. A GUARDA COMPARTILHADA
O ordenamento jurídico pátrio passou a contemplar a guarda compartilhada a partir das alterações promovidas nos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil pela Lei nº 11.698/2008.
A mesma lei definiu a guarda compartilhada como a que “compreende a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (artigo 1.583, § 1º, do Código Civil).
Com a Lei nº 13.058/2014, passou a ser regra, estabelecendo o artigo 1.584, § 2º que, “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada”. A regra poderá ser excepcionada no caso de acordo, se um dos genitores não estiver apto ao exercício do poder familiar, ou declarar que não deseja a guarda do filho.
Assim, verifica-se que a guarda compartilhada abrange direitos e deveres de pais que não vivam sob o mesmo teto, relativamente ao poder familiar dos filhos comuns, o que considera aspectos que vão além da custódia física deles.
Cabe destacar ser a custódia física apenas uma das formas de exteriorização da guarda compartilhada, que valoriza a atuação dos genitores que não moram sob o mesmo teto na condução da vida dos filhos menores, sob todos os aspectos que interfiram na formação intelectual e moral, bem como acerca de do desenvolvimento físico deles. É dizer que o divórcio pode afastar os ex-cônjuges entre si, mas não dos filhos, pois continuarão, na guarda sob regime compartilhado, exercendo normalmente o poder familiar. Nesse sentido, assevera Rosa:
A guarda jurídica compartilhada define os dois genitores, do ponto de vista legal, como iguais detentores da autoridade parental par tomar as decisões que afetem os filhos. Sua proposta é manter os laços de afetividade, buscando abrandar os feitos que o fim da sociedade conjugal pode acarretar aos filhos, ao mesmo tempo em que tenta manter de forma igualitária a função parental, consagrando o direito da criança e dos pais”.[2]
É certo que, fixada a guarda compartilhada, cabe ao magistrado estabelecer os períodos de convivência dos filhos com cada um dos genitores, podendo, para tanto, valer-se de orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, com divisão equilibrada do tempo com cada um deles.
2. A DIFICULDADE GEOGRÁFICA
Um dos motivos que levaram à rejeição da guarda compartilhada no caso sob comento consiste na distância entre as residências dos genitores das crianças.
Nesse particular, cabe mencionar que inexiste previsão legal impeditiva da fixação da guarda compartilhada por conta da distância entre as residências dos genitores, medida salutar, sobretudo se considerarmos o conceito de guarda compartilhada, em conjunto com as facilidades que a atualidade nos oferece, no que tange os meios de comunicação, que possibilitam imediata aproximação virtual entre pessoas, independentemente a distância existe entre elas.
Faz-se premente asseverar que o que se tem como guarda compartilhada consiste, na verdade, em regime de gestão compartilhada dos filhos menores.
Ora, ao estabelecer a guarda compartilhada como regra, almejou o legislador valorizar a relação entre pais e filhos, quando da inexistência ou ruptura da vida em comum, fazendo com que a presença daqueles nas decisões importantes para vida destes, incentivando-os, orientando-os e acompanhando-os, seja elemento que influencie positivamente na formação intelectual e moral de crianças e adolescentes.
São situações cuja distância não impede, mas recomenda, o compartilhamento das responsabilidades, fazendo com que o genitor distante fisicamente, possa influenciar na vida do filho menor, com quem pouco convive diretamente.
Não procede argumentar que a distância entre as residências dos pais separados possa prejudicar a rotina dos filhos menores, que estarão a cada quinzena, por exemplo, com um deles. Faz-se necessário distinguir guarda compartilhada, regra legal, de guarda alternada. Nesse sentido, esclarece Pereira:
A guarda alternada não se confunde com a compartilhada ou conjunta. Aquela confere de maneira exclusiva a cada genitor a guarda no período em que estiver com seu filho. Costuma-se dividir o tempo da criança, de forma igualitária, entre cada um dos pais. Por exemplo: a criança habita um mês na casa de cada genitor, alternadamente. Durante esse tempo, o filho reside com apenas um e visita o outro. O genitor responsável naquele período seria o único detentor da autoridade parental. Na guarda compartilhada, ambos compartilham a rotina e o cotidiano dos filhos permanentemente.[3]
Assim, infere-se ser impossível a fixação da guarda compartilhada prejudicar a rotina dos filhos menores. Ainda que o filho menor resida a milhares de quilômetros do pai que não detém a custódia física, com ele estando apenas em feriados prolongados e no final de cada ano, é salutar que se estabeleça a guarda compartilhada, para que ambos os genitores possam acompanhá-lo e orientá-lo em suas atividades escolares e sociais, por exemplo.
3. O MELHOR INTERESSE DOS MENORES
Outro argumento levado em consideração para afastar-se a guarda compartilhada no caso concreto foi o princípio do melhor interesse dos menores. Acerca do melhor interesse, discorre Gonçalves:
A extensão do princípio do melhor interesse a toda criança e adolescente, outrossim, resulta de uma mudança da própria concepção de família como ambiente voltado ao desenvolvimento de seus membros, que privilegia a criança como sujeito, com repercussões inclusive sobre o poder familiar. Tal poder, dentro da nova família, orienta-se pelos interesses fundamentais dos filhos, vislumbrando-se uma mudança quanto ao foco: dos interesses dos agentes do poder, para os interesses de seus destinatários.[4]
Sobre o tema, cabe destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 227, caput, assevera ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a convivência familiar.
N o mesmo norte, evidencia a Convenção sobre os Direitos das Crianças, vigente desde 1990, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 99.710, de 21 de novembro do mesmo ano, ao considerar a criança sujeito de direito a ser protegido ante a separação dos pais, afirmando que os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um dos pais de manter regularmente relações pessoais e contato direito com ele.
Ora, ao determinar que os pais que vivam separados decidam de forma compartilhada sobre a criação e educação dos filhos menores, a lei valoriza o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que experimentará a presença ativa e a participação de ambos na sua formação física, intelectual e moral.
Questões que resultem em desinteligência entre os pais devem ser relegadas a plano inferior, ante à importância da presença de ambos na vida do filho menor. Se bem tratadas, as diferenças poderão servir de instrumento de reaproximação dos pais, o que proporcionará condições de pleno desenvolvimento dos filhos sob guarda compartilhada.
Nesse aspecto, cumpre destacar a predileção da nova legislação processual civil pela autocomposição na seara familiar, com a inserção, em capítulo próprio, de audiência de mediação e conciliação, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas do conhecimento[5] para promover a reaproximação dos litigantes e a solução consensual da lide.
Ao relacionar o princípio em comento com a guarda compartilhada, afirma Pereira:
A guarda compartilhada é um modelo novo, cuja proposta é a tomada conjunta de decisões mais importantes em relação à vida do filho, mesmo após o término da sociedade conjugal. (...)
A convivência, nesse ínterim, não assume apenas a faceta do conviver e da coexistência, mas vai muito mais além, ou seja, participar, interferir, limitar, enfim, educar (...)
Zelar pelo melhor interesse do menor, portanto, é garantir que ele conviva o máximo possível com ambos os genitores – desde que a convivência entre eles seja saudável, isto é, que não exista nada que os desabone.[6]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme alhures sustentado, faz-se necessário, aprioristicamente, distinguir a guarda compartilhada do regime de convivência a ser adotado entre os filhos menores e o genitor que com eles não resida.
No caso analisado, a distância entre a residência dos filhos menores e do pais, que com eles não reside, serviu indevidamente para afastá-los ainda mais, impondo regime de gestão do filhos diverso daquele legal e cabível à concretude apresentada.
O compartilhamento das responsabilidades entre os genitores separados, em relação aos filhos menores, é medida salutar e, portanto, indispensável, pois não basta ser pai, tem que participar.
BIBLIOGRAFIA
GONÇALVES, Camila De Jesus Mello. Breves considerações sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Disponível em < < <http://www.editoramagister.com/doutrina_23385195_BREVES_CONSIDERACOES_SOBRE_O_PRINCIPIO_DO_MELHOR_INTERESSE_DA_CRIANCA_E_DO_ADOLESCENTE.aspx >
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. 4ª ed. de acordo com a emenda constitucional nº 66/2010. São Paulo: Saraiva, 2013.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ROSA, Conrado Paulino da. Nova lei da guarda compartilhada. São Paulo: Saraiva, 2015.
[1] STJ. 3ª T. REsp 1.605.477/RS. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. J. 21.06.2016.
[2] ROSA, Conrado Paulino da. Nova lei da guarda compartilhada. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 63
[3] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. 4ª ed. de acordo com a emenda constitucional nº 66/2010. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 99/100.
[4] GONÇALVES, Camila De Jesus Mello. Breves considerações sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Disponível em < < <http://www.editoramagister.com/doutrina_23385195_BREVES_CONSIDERACOES_SOBRE_O_PRINCIPIO_DO_MELHOR_INTERESSE_DA_CRIANCA_E_DO_ADOLESCENTE.aspx > Acesso em 15 de agosto de 2016.
[5] Código de Processo Civil, artigo 694, caput.
[6] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 157.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM