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Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - CDPD
Comentários para o Artigo 14 - Liberdade e Segurança da Pessoa.
Artigo 14 - Liberdade esegurança da pessoa
1. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas:
a) Gozem do direito à liberdade e à segurança da pessoa; e
b) Não sejam privadas ilegal ou arbitrariamente de sua liberdade e que toda privação de liberdade esteja em conformidade com a lei, e que a existência de deficiência não justifique a privação de liberdade.
2. Os Estados Partes assegurarão que, se pessoas com deficiência forem priva-das de liberdade mediante algum processo, elas, em igualdade de oportuni-dades com as demais pessoas, façam jus a garantias de acordo com o direito internacional dos direitos humanos e sejam tratadas em conformidade com os objetivos e princípios da presente Convenção, inclusive mediante a provisão de adaptação razoável.
No conceito de liberdade e segurança da pessoa estão implícitos os princípios da Republica Federativa do Brasil, envolvendo a construção da democracia, a busca pela justiça e as garantias das liberdades individuais, que têm como condição para o seu exercício a igualdade de condições e equipa-ração de direitos, com acessibilidade ou desenho universal em todas as áreas e setores da sociedade.
A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto Legislativo no 186/2008; Decreto no 6.949/2009), de seus artigos 14 a 18, versa sobre a liberdade e segurança da pessoa; prevenção contra a tortura, a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; prevenção contra a exploração, a violência e o abuso; proteção da integridade da pessoa e liberdade de movimentação enacionalidade e trazem para a sociedade o debate estampado diariamente nosjornais das cidades brasileiras, agora em relação aos direitos das pessoas com deficiência, mais vulneráveis pela condição, necessitando que o estado atendadevidamente necessidades e anseios inerentes a condição humana.
Afirma-se aqui a transversalidade dos Direitos Humanos, do Artigo 14 e dos demais artigos de conteúdo da presente Convenção, ratificada com quórum qualificado e hierarquia constitucional, ou seja, na forma do parágrafo 3o, artigo 5o, da Constituição da República, cujo teor determina a obrigação do Estado a garantirà pessoa com deficiência os direito humanos e fundamentais, com liberdade e segurança, igualdade e não discriminação e o direito de exercer a cidadania deforma digna e produtiva e com os apoios necessários, em todos os espaços da sociedade, do nascimento ao envelhecimento, na saúde, no trabalho, na garantia do acesso e permanência na educação em sistema de ensino inclusivo, na cultura,lazer. Afirma-se aqui o viver a vida sem discriminação baseada na deficiência, quemuitas vezes se torna mais cruel ao se somar a outras formas de discriminação,seja de classe, racial, gênero ou diversidade sexual.
O convívio com a família e o respeito à pessoa em sua plenitude merece aten-ção, pois é em seu seio que tudo começa, onde os direitos das crianças e adoles-centes são assegurados ou violados, onde os jovens com deficiência podem ser estimulados à vida independente e autonomia, à liberdade de escolha e, entre outras coisas, a legitimar a própria existência. Somado o trabalho da família ao es-paço da escola comum, cria-se um ambiente de crescimento e aprendizado contínuo, que deve incluir necessariamente o conhecimento dos direitos das pessoascom deficiência, a ser disseminado para pessoas com e sem deficiência comocondição para que não haja privação de liberdade hoje provocada pela discrimi-nação do dia a dia.
Evidencia-se a necessidade de que as famílias saibam e legitimem os direitos dos seus filhos e filhas com deficiência, em qualquer situação, pois é tênue a linha entre o proteger e o privar.
O conhecimento que chega em linguagem acessível com o objetivo de conscientizar é obrigação do Estado, cuja obrigação é de garantir a segurança e a dignidade inerente em todos os espaços e como promotor do exercício das liberdades fundamentais. Pessoas com deficiência e suas famílias no gozo dos seus Direitos, e sempre há direitos e deveres, devem ter assegurados no seu dia a dia os preceitos constitucionais, considerando a garantia da liberdade e segurança da pessoa a base para a própria existência; os espaços comuns de aprendizado, as escolas inclusivas são caminhos ainda pouco explorados para a garantia dos princípios gerais desta Convenção, ao pleno exercício dos direitos econômicos e políticos e o pleno acesso à justiça, com acessibilidade manifesta de todas as formas, destacando-se a acessibilidade na comunicação, arquitetônica, tecnológica, atitudinal, pedagógica e todos os recursos e equipamentos necessáriospara que as pessoas com deficiência tenham assegurados todos os seus Direitosem sociedade inclusiva e sustentável, que preza pela igualdade de condições. E o envolvimento dos operadores do direitos é condição sine qua non para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência.
O conceito de deficiência da Convenção está na contramão do modelo de saúde,primando pela formação de cidadãos sujeitos de Direitos e pela necessidade dodesenvolvimento inclusivo; e, nesse ponto, é preciso destacar a necessidade da educação, como direito central para o exercício dos demais. Direito humano talqual o direito à saúde, direito da pessoa e somente dela, que leva ao exercício dosdireitos econômicos e políticos e, por quê não dizer, direito promotor da cultura depaz. É na liberdade e a segurança que se aprende junto na escola, com a legitimaçãodas diferenças e reconhecimento da diversidade, que crianças e adolescentes comdeficiência saem da inviabilidade para se tornar parte integrante da sociedade.
Os cárceres privados e invisíveis tem a possibilidade de potencializar a banalização quando se trata de pessoas invisíveis, que perdem o seu direito de vivenciar liberdades, de ir e vir, de se comunicar, de fazer escolhas, por vezes dentro das próprias casas, passando a ser também invisíveis em espaços públicos que pela falta de acessibilidade discriminam; falta de acessibilidade é discriminação e é tempo de despertar e exigir que seja criminalizada.
Ocorre que no abrangente Artigo 14 da Convenção, destacam-se critérios universais de proteção da pessoa contra a violência, tanto violência no âmbito da família, quanto violência institucional, que se inicia com a ausência de informação e de comunicação acessível e contínua, com a mesma ausência dos serviços de saúde adequados, desde a mais tenra infância.
Os tratamentos médicos e hospitalares devem sim se pautar no Direito do paciente de ser informado sobre suas condições de saúde e tratamentos adequados às suas necessidades e especificidades, para que possa autorizá-los, inclusive, com o apoio de suas famílias, quando houver necessidade.
Versa-se aqui sobre o Direito de não ser privado do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos e de ser esclarecido sobre o próprio direito a identidade de gênero e orientação sexual; trata-se, inclusive,de criar mecanismos de proteção à mulher com deficiência, mais vulnerável pelaprópria condição, do menino e da menina vulneráveis e que devem ter segurança para a vida em sociedade e em família. Trata-se também de políticas publicas assertivas sobre inserção na sociedade, envolvendo indicadores de moradores de abrigos específicos, onde pessoas com deficiência, pela condição, passam a viver ouo longo da vida em ambientes segregados, como se a sociedade não fosse diversa,mas a sociedade é das diferenças e da diversidade, e são com esses indicadores que se promove igualdade.
Tratamos, pois, de dispositivos assertivos sobre o direito de ter direito a exercera cidadania e do direito ao devido processo legal em casos de questões penais ou prisionais, com total acessibilidade.
Neste aspecto, nos referimos aos direitos de segurança pública, migração, nacionalidade, que para a pessoa com deficiência ainda são desafiadores, considerando condições que se somam à deficiência e agravam a discriminação manifesta, haja vista a falta de segurança pública para a pessoa com deficiência, que leva ao caminho da restrição de direitos. Se não há segurança pública, o exercício dos direitos comuns a todos acaba por excluir grande parcela das pessoas com deficiência; oras, direitos são direitos e todas as pessoas com deficiência devem ter a liberdade de exercê-los; e quanto aos direitos inalienáveis, eles devem ser assegurados da mesma forma. Considera-seaqui que uma pessoa que tem negado o acesso ao transporte em determinado local não chegará ao seu destino e, da mesma forma, a pessoa que tem privado o acesso a educação, não vivenciará presente e futuro dentro dos anseios de justiça, ficando à margem da sociedade e em total desvantagem.
Faz-se sempre necessário reafirmar as premissas da Constituição Federal,conquista do povo brasileiro, que carrega em seu corpo o princípio da isonomia e preza pela não discriminação e pelo exercício da cidadania e efetivação Direitos fundamentais – Direitos Humanos positivados – ao assegurar a todas as pessoas, sem distinção, a dignidade que cabe a cada ser humano, nos colocando de frente com o desafio da garantia de Direitos e caminhada coletiva pela promoção do bem comum.
A igualdade e a não discriminação, que permeiam o Artigo 14, bem como os princípios gerais da presente Convenção, apontam o caminho para a garantia da liberdade e segurança da pessoa como princípios da República e bases de uma sociedade democrática, onde o direito deve ser equiparado ao objetivo de assegurar que a liberdade possa ser exercida e que a segurança da pessoa deve ser garantida em todos os espaços, sendo certo que segurança sem liber-dade é tão limitadora quanto a liberdade sem a possibilidade de exercê-la por falta de acessibilidade.
Cabe repetir que se torna imperioso, para que a liberdade seja vivenciadapelas pessoas com deficiência, a criminalização da falta de acessibilidade, cuja consequência leva pessoas à privação de liberdade, sem acusação, denúncia,direito à ampla defesa e a julgamento, isto é, falta de acessibilidade que leva as pessoas com deficiência a terem a sua segurança comprometida em espaços públicos e privados, nas praças, ruas, prédios e dentro de muitas escolas e templos,pela falta de vontade política.
Destaco aqui que a falta de acessibilidade na comunicação, nas ruas e em atitudes preconceituosas, através de ações concretas, olhares truncados e sentimento de pena ou comoção também colocam a segurança da pessoa em risco, pois a plenitude do exercício da cidadania ocorre no paradigma do Direito, sendo desafiador, libertador e imprescindível. A comunicação, seja ela através de libras, de comunicação alternativa, seja ela oral, é libertadora e direito de todos, sendo a negação deste direito opressão que renega a própria essência de ser, e não pode ser negado à pessoa com deficiência – deve, sim, ser exigida por toda a sociedade, pois trata-se de liberdade e segurança da pessoa.
Assim, os recursos de acessibilidade que hoje conhecemos e outros ainda porvir, para as pessoas com deficiência, são direitos fundamentais e necessários paraa garantia de vida digna, devendo ser assegurados no dia a dia do cidadão livre,para que seja de fato livre, e no cotidiano da pessoa encarcerada, pois não se tratade concessão ou luxo, trata-se de segurança e atendimento à necessidade básica.
Não obstante, faltam em penitenciarias e em espaços de medidas sócio-educa-tivas,cadeiras de rodas, de banho, órteses e próteses, sonda para a alimentação e acessibilidade arquitetônica, entre inúmeros outros direitos e recursos fundamen-tais, que também faltam na vida do cidadão comum, remetendo todos à seguinte indagação: quando os Direitos Humanos serão efetivos e efetivados para as pes-soas com deficiência?
Considerando os cidadãos privados de liberdade, a não oferta de recursos de acessibilidade violam os seus direitos quando sob tutela do Estado, expondo-osa riscos ainda maiores, que podem levá-los à morte pela exclusão, quando sob essa tutela. Conhecendo as dificuldades enfrentadas e das violações de direito no sistema prisional, por isso mesmo é preciso que o Estado atente com urgência para as pessoas com deficiência, dando prioridade às suas necessidades, para igualar direitos; faltam indicadores para políticas públicas e a realização de censo especifico é fundamental. Neste e em outros pontos, o Plano Nacional de DireitosHumanos (PNDH) vai ao encontro da Convenção sobre os Direitos das pessoas com Deficiência para a garantia da dignidade inerente – não é favor, é Direito, é justiça, é democracia, é Republica.
Insta ressaltar que a ratificação da Convenção e o seu Protocolo Facultativocom quórum qualificado obriga o Estado alem de implementar políticas públicas adequadas, a fiscalizar e monitorar a sua implementação, cabendo ainda aoEstado Brasileiro prestar contas à Organização das Nações Unidas em relação à efetivação dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Artigos 1o ao 18 do ProtocoloFacultativo). Impera a obrigação de fazer. Mecanismos efetivos de combate à discriminação e de monitoramento da Convenção coibiriam, em parte, práticas discriminatórias e violações de Direitos Humanos, envolvendo os Três Poderes,em todas as esferas e a sociedade civil em mutirão pela garantia de direitos.
Pessoas com deficiência física, intelectual, auditiva/surdos, visual/cegas, psi-cossocial precisam, necessariamente, de forte ação do Estado para a garantia de liberdade, liberdades fundamentais e segurança; e, sempre que possível, a preva-lência do desenho universal. Necessitam também de forte ação dos poderes le-gislativo e judiciário, no sentido de preservar, proteger, garantir e efetivar direitos.
Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são valores que condicionam a estrutura, as suas particularidades, a diversidade e própria dinâmica do Estado, estando o Artigo 3o da Constituição Federal em consonância com a Convenção. Da mesma forma podemos falar nos artigos 1o, 5o, 6o, 206 e227 da CRFB e, ainda, do mesmo modo podemos afirma que a Carta Magna,como um todo, versa pela igualdade e promoção do bem comum, indo em encontro ao Tratado de Direitos Humanos ratificado com mais de 3/5 dos votos de parlamentares no Congresso Nacional e promulgado sem ressalvas.
As palavras-chaves para a liberdade e segurança da pessoas são acessibilidade e desenho universal. A meta é que toda a pessoa com deficiência seja parte integrante da sociedade, de fato e de direito. O objetivo é que sejamos todos iguais perante a lei e isso demanda ações de governos em todas as esferas e políticas públicas de Estado, bem como forte controle social, pois direitos não efetivados são meras anotações.
Precisamos reconhecer avanços dos últimos anos, em todas as áreas; e não de-vemos esquecer que o até então realizado ainda é pouco para reparar os anos de exclusão social, em todas as áreas e setores, na vida em sociedade e na privação de liberdade por forca da lei. Ações afirmativas intersetoriais são urgentes para equiparar direitos tirar da invisibilidade milhões de pessoas com deficiência.
As pessoas com deficiência, todas elas, estão hoje sujeitas à discriminação, à falta de segurança e à privação de liberdade, dentre as pessoas com deficiência encontraremos milhares que jamais tiveram o direito de fazer as suas próprias escolhas, milhares que não tiveram o direito de desenvolver suas habilidades e potenciais, das quais foi tirada desde cedo a possibilidade de vida independente ecidadania. Encontraremos pessoas privadas da comunicação, do direito de ir e vir,de viver plenamente, de procriar. Essa violência precisa acabar.
Versamos sobre acessibilidade e desenho universal: a garantia da LIBERDADE E SEGURANÇA DA PESSOA depende da implementação da presente Convenção,bem como da implementação das diretrizes e objetivo de todos os eixos orientadores do PNDH3 (Plano Nacional dos Direitos Humanos, Decreto no 7.037,de 21 de dezembro de 2009), em total consonância com o Artigo 14 do Tratado revolucionário, quais sejam:
(i) Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil;Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (versão comentada)
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(ii) Desenvolvimento e Direitos Humanos;
(iii) Universalizar Direitos em Contextos de Desigualdades;(iv) Segurança Pública Acesso Justiça e Combate a Violência;(v) Educação e Cultura em Direitos Humanos; e
(vi) Direito à Memória e à Verdade.
A tentativa de escrever de forma acessível e sem “juridiquês” prevalece aos interesses pessoais; a necessidade de disseminar os valores da Convenção sobre osDireitos das Pessoas com Deficiência é ímpar e devemos todos trabalhar nesse sen-tido. Liberdade e Segurança da Pessoa não existe com a exclusão da Pessoa comDeficiência de Políticas Públicas afirmativas. Já raiou o sol da liberdade. Cumpra-se!
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM