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Apontamentos sobre as ações de família no novo Código de Processo Civil
APONTAMENTOS SOBRE AS AÇÕES DE FAMÍLIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Análise dos artigos 693 a 699 da Lei n.13.105/2015
Igor Grisolia Said Xavier de Oliveira
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG;
Especialista em Direito Civil pelo Instituto de Educação Continuada da PUC Minas – IEC/MG
Advogado
Joice Martins da Costa
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG
Especialista em Direito Internacional pelo CEDIN
Mestranda em Direito Internacional pela PUC Minas
Professora Universitária.
Advogada
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Resumo:
Com a ideia de privilegiar a autocomposição, a efetividade das decisões judiciais e a agilidade na resolução das demandas, o novo Código de Processo Civil, Lei n.13.105 de 2015, apresenta grandes novidades procedimentais inerentes aos processos em geral e, principalmente, para as ações que envolvam o direito das Famílias, sendo criado um capítulo específico para estabelecer as regras a serem seguidas pelas demandas que envolvam divórcio, guarda, alimentos, etc. Dúvidas não pairam de que a natureza das ações familiares trata, primordialmente, com a emoção, sentimento e com o psicológico das partes envolvidas, que na maioria das vezes são crianças, incapazes e mulheres fragilizadas, não cabendo a aplicação das regras inerentes aos demais procedimentos sobre as ações de Família pela provável falta de efetividade e celeridade tão privilegiados pelo novo diploma processual civil. Essa importância do legislador com as famílias vem desde o chamado processo de constitucionalização do Direito Civil, pelo qual se busca realizar uma interpretação deste ramo o direito à luz da Constituição Federal (1). A sistematização procedimental trazida pelo novo CPC será muito bem recepcionada por alocar, em um único texto, diretrizes e mandamentos inerentes ao Direito das Famílias que se encontravam em legislações esparsas como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8.069/90), Lei de Alimentos (Lei n.5.478/68), Lei da Alienação Parental (Lei n.12.318/2010), dentre outras. Friso que não houve a revogação destas normas e, sim, uma sistematização procedimental trazida pelo novo digesto processual civil, mantendo-se, ainda, algumas ressalvas.
Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil – Ações de Família - Procedimento
Abstract:
With the idea of ??privileging agreement, the effectiveness of judicial decisions and agility in the resolution of the demands, the new Civil Procedure Code, Law n.13.105 2015 offers great new features inherent to procedural processes in general, and especially for actions involving the rights of families, and created a specific chapter to establish the rules to be followed by demands involving divorce, custody, child support, and others. Questions not hang that the nature of family actions comes primarily with emotion, feeling and the psychological of the plaintiff and defendant involved, which most often are children, helpless and vulnerable women, not allowing the application of the rules inherent to other Family law procedures on actions by the probable lack of effectiveness and speed so privileged by the new civil procedural law. This importance of the legislator with families comes from the so-called constitutional process of civil law, by which it seeks to accomplish an interpretation of this branch the law in the light of the Constitution. Procedural systematization brought by the new CPC will be very welcomed by allocating in a single text, guidelines and commandments inherent right of families who were in scattered legislation such as the Statute of Children and Adolescents (Law n.8.069 / 90), Alimony and Child Support law (Law n.5.478 / 68), Parental Alienation law (Law n.12.318 / 2010), among others. Frieze that no revocation of these standards and, yes, a procedural systematization brought by the new civil procedure code, keeping also some caveats.
Keywords: New Code of Civil Procedure - Family Actions - Procedure
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Dos procedimentos específicos inerentes as Ações de Família – Capítulo X do Novo Código de Processo Civil
Com flagrante influência do chamado “Estatuto das Famílias”(2), o novo CPC trouxe em seus art.693 a art.699 (“DAS AÇÕES DE FAMÍLIA”) as regras gerais para os procedimentos que tenham como objeto uma relação familiar iniciados pela jurisdição contenciosa (procedimentos de jurisdição voluntária são tratados em outros artigos do digesto) como o divórcio, separação, alimentos, guarda, visitação, filiação e reconhecimento de união estável, explicitando as especificidades desta modalidade procedimental.
O artigo que inaugura o Capítulo X do novo Código de Processo Civil indica quais os processos serão abarcados pela modalidade procedimental por ele explanado. Já o parágrafo único indica quais a demandas que não seguirão o padrão nele especificado, mantendo os anteriormente estabelecidos por lei específica ou pelo próprio NCPC, como a ação de alimentos e as que tenham interesse de criança e adolescente.
Pelos dizeres do art.693 e de seu parágrafo único, poderíamos dizer que apenas as matérias elencadas no caput seriam regidas por suas regras como o divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação e apenas aquelas previstas no parágrafo único seriam as excluídas, como a ação de alimentos, revisão de alimentos, oferta de alimentos(3), interdição, guarda, tutela, adoção e destituição do poder familiar(4) e os demais processos de jurisdição voluntária.
Após a publicação do Novo CPC, foi ventilada uma questão referente a taxatividade ou não do caput do artigo 693. Poderíamos dizer que somente as ações que constam no caput seriam aquelas regidas pelas normas das ações de famílias? Para exemplificar a questão, pensemos na ação de exoneração de alimentos. Não restam duvidas de que se trata de uma ação de família, entretanto, ela não é regulamentada pela Lei n.5.478/68 (Lei de Alimentos) e não conta do caput do artigo. Se não se encontra entre as exceções e também não consta do caput, qual procedimento seguir? Esta dúvida, gerada pela falta de caracterização do artigo 693 como taxativo ou exemplificativo, fez com que o FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis discutisse o tema no V Encontro(5), realizado na cidade de Vitória/ES, e publicasse o Enunciado n.72 sobre o tema, determinando o mesmo como exemplificativo: “(art. 693) O rol do art. 693 não é exaustivo, sendo aplicáveis os dispositivos previstos no Capítulo X a outras ações de caráter contencioso envolvendo o Direito de Família. (6) (g. n.).
Na mesma linha de raciocínio do FPPC, o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família – também discutiu o tema no X Congresso Brasileiro de Direito de Família(7), e publicasse o Enunciado 19: “O rol do art. 693 do Novo CPC é meramente exemplificativo, e não taxativo.(8) (g. n.).
Na doutrina, o professor Cassio Scarpinella Bueno(9) já defendia a não taxatividade do art.693, conforme exposto em sua obra sobre o Novo CPC:
“(…) Não há razão nenhuma para interpretar o rol do art. 693 como taxativo. Outros conflitos subsumíveis ao amplíssimo (e necessariamente mutável) conceito de família (famílias) devem observar o disposto neste novel procedimento especial, sem prejuízo, se for o caso, de também seguir o que constar de leis específicas.”. (g.n.)
Portanto, de acordo com a posição do IBDFAM, quaisquer ações de família que não estejam excluídas pelo parágrafo único do artigo 693 do CPC, serão abrangidas pelo caput e seguirão o procedimento especial ali insculpido. Todavia, caberá a jurisprudência e a doutrina, com o passar do tempo, a sustentar esse posicionamento ou jogá-lo por terra, desde que fundamentado a luz da Constituição Federal.
O procedimento de interdição não seguirá o rito do art.693 pois o legislador optou por lhe destinar um procedimento próprio, constante do art.747 e seguintes do Novel Código de Processo Civil, procedimento este que traz um viés mais humano e compatível com a delicadeza do caso. No caso das ações inerentes a proteção da criança e do adolescente, foram mantidas as disposições do ECA por já possuir um sistema próprio e com as interações interdisciplinares exigidas pela peculiaridade do tema.
O tema mais comentado deste Capítulo, sem sombra de dúvidas, foi o renascimento do instituto da separação, conforme expressamente dito no caput do art.693 e a sua regulação pelo art.731(10), ambos do NCPC.
Data venia os juristas que anuem com sua existência, mas não podemos deixar de dizer que se trata de um grande retrocesso a ressurreição da separação com o novo Código de Processo Civil. Não delongaremos sobre a discussão dos malefícios trazidos pelo procedimento da separação judicial – tão debatido quando da publicação da Emenda Constitucional n.66 de 2010 – mas apenas para compor o entendimento, relembramos que neste procedimento existe a possibilidade de comprovação da “culpa” de um dos cônjuges, no intuito de justificar o fim da sociedade conjugal e garantir ou eximir direitos, levando, a juízo, uma exposição desnecessária da intimidade das partes.
Com a EC 66/2010 (chamada de Emenda do Divórcio), forte parte da doutrina(11) entendeu que o instituo da separação havia desparecido de nosso ordenamento jurídico já que o art.226, §6° da CF/88(12) passou a indicar que o casamento se dissolve pelo casamento e ponto. Perante o Superior Tribunal de Justiça(13), presenciamos manifestação no sentido de extinção do instituto, conforme voto do ilustre Ministro Luis Felipe Salomão:
“Assim, para a existência jurídica da união estável, extrai-se o requisito da exclusividade de relacionamento sólido da exegese do § 1º do art. 1.723 do Código Civil de 2002, fine, dispositivo esse que deve ser relido em conformidade com a recente EC 66, de 2010, a qual, em boa hora, aboliu a figura da separação judicial” (14) (g.n.)
O professor Lênio Streck(15), logo quando da elaboração do projeto do NCPC, indicou o equívoco da ressurreição do instituto da separação, dizendo até mesmo em se tratar de uma quase repristinação da norma, assim expondo:
“(...) não pode haver dúvida que, com a alteração do texto constitucional, desapareceu a separação judicial no sistema normativo brasileiro – e antes que me acusem de descuidado, não ignoro doutrina e jurisprudência que seguem rota oposta ao que defendo no texto, mas com elas discordo veementemente. Assim, perde o sentido distinguir-se término e dissolução de casamento. Isso é simples. Agora, sociedade conjugal e vínculo conjugal são dissolvidos mutuamente com o divórcio, afastada a necessidade de prévia separação judicial ou de fato do casal. Nada mais adequado a um Estado laico (e secularizado), que imputa inviolável a liberdade de consciência e de crença (CF/1988, art. 5º, VI). Há, aliás, muitos civilistas renomados que defendem essa posição, entre eles Paulo Lôbo, Luís Edson Fachin e Rodrigo da Cunha. Pois bem. Toda essa introdução me servirá de base para reforçar meu posicionamento e elaborar crítica para um problema que verifiquei recentemente. E já adianto a questão central: fazendo uma leitura do Projeto do novo CPC, deparei-me com uma espécie de repristinação da separação judicial. Um dispositivo tipo-Lázaro. Um curioso retorno ao mundo dos vivos.
(...)
O legislador do novo CPC tem responsabilidade política (no sentido de que falo em Verdade e Consenso e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica). Para tanto, deve contribuir e aceitar, também nesse particular, a evolução dos tempos eliminando do texto todas as expressões que dão a entender a permanência entre nós desse instituto cuja serventia já se foi e não mais voltará. Não fosse por nada – e peço desculpas pela ironia da palavra ‘nada’ –, devemos deixar a separação de fora do novo CPC em nome da Constituição. E isso por dois motivos: a um, por ela mesma, porque sacramenta a secularização do direito, impedindo o Estado de ‘moralizar’ as relações conjugais; a dois, pelo fato de o legislador constituinte derivado já ter resolvido esse assunto. Para o tema voltar ao ‘mundo jurídico’, só por alteração da Constituição. E, ainda assim, seria de duvidosa constitucionalidade. Mas aí eu argumentaria de outro modo. Portanto, sem chance de o novo CPC repristinar a separação judicial (nem por escritura pública, como consta no Projeto do CPC). É inconstitucional. Sob pena de, como disse Marshall em 1803, a Constituição não ser mais rígida, transformando-se em flexível. E isso seria o fim do constitucionalismo. Esta é, pois, a resposta adequada à Constituição. Espero que o legislador que aprovará o novo CPC se dê conta disso e evite um périplo de decisões judiciais no âmbito do controle difuso ou nos poupe de uma ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal já tem trabalho suficiente”.
Como percebemos, o legislador pátrio não se atentou ao aviso do professor Streck e optou por reviver o instituto da separação, o que levará os juristas a discutirem o tema e fazer sua análise a luz da Constituição Federal, por mais uma vez.
Passando para os demais artigos do Capítulo X do NCPC, o artigo 694 e seu parágrafo único trazem exatamente o que indica o Novo Código em seu art.3°, §§2° e 3°, ou seja, primar pelo princípio da autocomposição(16). O magistrado e todos os sujeitos do processo devem buscar um procedimento pautado pelo consensualismo e tentar, a todo momento, atingir uma conclusão que tenha participação direta das partes.
Ademais, o indicado artigo ainda concede ao juiz da causa a possibilidade de permitir a participação de profissionais especialistas em outras áreas do conhecimento para auxiliar a conciliação. Esta última parte foi de suma importância para o processo, pois a presença de psicoterapeutas, assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, ensejará a suspensão do processo enquanto a atuação dos mesmos for viável a composição das partes, cabendo aos magistrados ter a sensibilidade de requerer o auxílio destes profissionais estabelecendo os devidos paradigmas. Resultado outro não será que uma possível resolução da demanda com a máxima efetividade, princípio insculpido no art.4° do NCPC(17).
Todavia, a determinação de um prazo limite para a suspensão do processo é necessária para se evitar que o mesmo tramite ad eternum em uma conciliação e infrinja o art. 5º, LXXVIII, CF/88(18). Importante frisar que a mediação e a conciliação tem o cunho de solucionar as controvérsias que envolvam principalmente, questões emocionais com uma a maior efetividade e menos danos psicológicos e não apenas se prestar a diminuir a quantidade de processos que tramitam no Poder Judiciário, priorizando unicamente estatísticas, inviabilizando o acesso a justiça, como bem disse o ilustre Humberto Dalla Bernardina de Pinho(19). Ainda afirma o autor que o ideal para uma maior efetividade da conciliação e da mediação seria uma triagem inicial do objeto da demanda e averiguar qual o grau de possibilidade de uma composição, evitando, assim, um prolongamento injustificado da demanda e do sofrimento das partes.
Frisa-se que o magistrado e os demais profissionais envolvidos na causa não podem “forçar” a conciliação a todo custo, expondo as partes e as constrangendo, como bem posto pelo FPPC:
“Enunciado n.º 187 do FPPC: No emprego de esforços para a solução consensual do litígio familiar, são vedadas iniciativas de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como as de aconselhamento sobre o objeto da causa.”
Grande inovação do NCPC foi indicada no art.695, que trata do mandado de citação.
Os elementos da ação (ou da causa, conforme Humberto Teodoro Junior)(20), como determina a teoria processual, é composta de três partes, quais sejam, partes, causa de pedir e pedido. A causa de pedir se divide em causa de pedir próxima e causa de pedir remota. A causa de pedir remota nada mais é do que os fatos que ensejaram o ajuizamento da demanda. Pois bem! Nas demandas familiares a questão emotiva é a sua base. Como explicar uma separação sem mencionar a traição, a ausência de relações sexuais, a falta de asseio, agressões físicas e verbais ou motivar um pedido de alimentos sem indicar o desdém do responsável alimentar. Esses “fatos” são indicados na peça vestibular e são enviados ao réu conjuntamente com o mandado de citação para que este tome ciência da demanda e possa realizar sua defesa. Este era o procedimento do CPC de 1973. O NCPC veta o envio da petição inicial ao réu, apenas constando o mandando sobre a existência da demanda bem como a data e hora da audiência de conciliação.
O motivo que enseja o não envio da peça vestibular ao réu é nobre e coaduna com o princípio da autocomposição. Não tendo o réu ciência dos fatos narrados pelo autor na peça inicial, evitará que relembre os episódios que geraram o conflito e auxiliará na mediação já que não chegará “corrompido” pelo ódio que a peça inicial poderia lhe gerar. Todavia, o direito do réu de ter acesso a petição é resguardado, bastando que vá a secretaria munido de sua documentação e obtenha a cópia (§1°)(21).
O mesmo artigo, em seu parágrafo quarto, indica a obrigatoriedade de advogados e/ou defensores públicos durante a audiência prévia de conciliação. A presença dos mesmos trará uma maior segurança no momento de se assinar um acordo já que poderá averiguar com o profissional se os seus direitos serão resguardados e efetivados.
O artigo 696 traz informações importantes sobre a primeira audiência a ser celebrada nos procedimentos de família, qual seja, a audiência de mediação e conciliação. No intuito de obter uma resposta consensual para a demanda, além de ser obrigatória, a audiência que inaugura o processo de família poderá ser dividida por quantas vezes forem necessárias, desde que perceba o magistrado que será possível a conciliação. Todavia, o prolongamento da audiência de mediação não poderá impedir os atos necessários para se evitar a perda do objeto.
O dispositivo em comento remete-se ao princípio da conciliabilidade(22), principio este que é flagrante nas ações de família, primando pela decisão mais consensual e coletiva possível mas, deve o magistrado e o Ministério Público impedirem que uma das partes utilize este artigo de modo a não respeitar a celeridade e a boa-fé processual, delongando o processo sem qualquer razão.
Como dito anteriormente, caso não seja possível a realização de um acordo entre as partes, mesmo após todos os esforços do magistrado e dos demais profissionais envolvidos na demanda, não pode ser forçada a composição. Vencidas as tentativas, o CPC indica em seu art.697 que o processo irá seguir as regras do procedimento comum, conforme o art.335(23) do digesto processual civil. Devido a obrigatoriedade(24) da audiência de conciliação nas ações de família, caso as partes não cheguem a um consenso ou não optem por tentar uma composição, o juiz deverá abrir vista dos autos ao réu, mediante a apresentação do inteiro teor da petição inicial, e iniciar a contagem do prazo de 15 dias para sua resposta.
Sujeito importante nas ações de família é o Ministério Público, chamado atualmente não mais de custos legis e, sim, de custos iuris(25) (fiscal da ordem jurídica). Tal alteração se deu pela qualificação do MP em várias normas jurídicas pátrias(26) como instituição defensora da sociedade, do regime democrático e da ordem jurídica e não somente como fiscal da lei. Outrossim, essa discussão ganhou maiores contornos ao se perceber que a exigência do MP em todos os processos de família, com a prerrogativa do prazo em dobro para se manifestar além de intimação pessoal de todos os atos(27), acabaria por unicamente atrasar a marcha processual sem qualquer motivo.
Por tal razão, o Ministério Público(28) vinha buscado alterar a interpretação do art.82 do CPC/73, o qual assim dizia: “Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: (...); II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; (...)”, buscando limitá-lo unicamente as situações em que houvesse o interesse de menores e incapazes, nada mais.
De forma feliz, o legislador do NCPC acabou pro seguir os anseios do Ministério Público e, pautando-se, por mais uma vez, pelo princípio da celeridade processual, indicou no art.698 que o MP apenas irá intervir nas ações de família que envolvam interesses de incapazes, cabendo a sua intimação no caso de homologação de acordo. O professor Cristiano Chaves de Farias, em palestra proferida no II Fórum Atlas de Direito Civil e Processo Civil realizado na Faculdade de Direito da UFC em Fortaleza no dia 21 de maio de 2015, disse de forma perfeita que em tempos de crise de moralidade, que precisamos de promotores de justiça para combater a corrupção que assola nosso país, para defender o consumidor e o meio ambiente.
Encerrando o Capítulo X, o legislador indicou que nos casos em que se discutir a alienação parental ou abuso do mesmo, deverá o depoimento deste menor ser obrigatoriamente acompanhado de um especialista (psicólogo; pedagogo; assistente social). A inserção de profissionais de áreas afins ao tema discutido na demanda de família foi um grande avanço e se torna fundamental para uma análise mais apurada e correta dos fatos ocorridos, ainda mais por se tratar de temas tão delicados como a alienação parental(29).
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Conclusão
Ao não buscar abarrotar o novo CPC com inúmeras normas procedimentais inerentes as ações de família, o legislador conseguiu dar um grande passo na busca pela real efetividade das decisões inerentes a esta área do direito tão delicada, atribuindo ao magistrado um maior alvedrio na condução da demanda mas, ao mesmo, lhe colocando restrições e exigindo uma decisão mais coletiva.
A delimitação das matérias a serem tratadas pelo Capítulo X bem como aquelas que não serão abrangidas pelo mesmo, tornam mais específico o procedimento e atribuem ao Judiciário o aparato necessário para a condução da demanda, importando em um resultado mais satisfatório para todas as partes envolvidas. A suposta celeuma referente a suposta taxatividade do caput do art.693 vem sendo rechaçada pela doutrina, a qual vem expondo pela tese de rol exemplificativo. Caberá agora jurisprudência indicar qual seu posicionamento sobre o tema, que esperamos que siga a doutrina.
A nova sistemática procedimental no que tange a citação do réu, sem ter acesso primário as razões da petição inicial, trouxe uma inovação que, a priori, poderia parecer em confronto com o princípio do contraditório e da ampla defesa. Todavia, ao ser melhor analisado, não restringe tal princípio (por permitir ao réu que tenha acesso as razões quando bem entender) e acaba por favorecer uma possível conciliação já que o réu comparecerá a audiência de conciliação sem ser tomado pela raiva trazida pelos fatos narrados na peça inicial.
A audiência que inaugura o procedimento de famílias, obrigatoriamente, será a de conciliação, não podendo as partes se eximirem dela, como possível no procedimento comum. O percalço por uma resposta consensual levou o legislador a possibilitar o fracionamento da audiência de mediação e conciliação, levando a o tempo que for necessário e quantas sessões forem exigidas para se obter uma composição. Ressalta-se que o magistrado deverá ter a percepção e analisar se uma das partes não busca prolongar a demanda, de má-fé, informando que fará um acordo como também deverá analisar, em conjunto com os demais especialistas, se realmente será possível um acordo na demanda em comento.
A conciliação não pode ser a única resposta par a solução dos conflitos familiares. Como próprio termo já diz, o ato de conciliar importa na vontade das partes de chegarem a uma conclusão abrindo mão de parte de seu direito. Todavia, a conciliação deve ser incentivada mas não imposta. Ciente desta situação, o legislador deixou claro que a opção pelo réu de não conciliar enseja o fim do procedimento de família e passa o mesmo procedimento a ser regido pelas normas do procedimento comum.
A presença do Ministério Público nas ações de família se tornou mais específica, cabendo a intervenção apenas nos casos em que exista menor e/ou incapaz. Ou seja, ações de divórcio, separação, partilha de bens e demais que não envolvam estas partes, não caberá a presença do MP. A sua atuação não foi reduzida e, sim, ficou mais específica, lembrando que em toda e qualquer homologação de acordo caberá a intimação prévia do Ministério Público. Feliz o legislador ao seguir a vontade do MP que, em várias situações, já apresentava fundamentação em juízo para que não fosse exigida a sua oitiva por não existir realmente um fato que ensejasse a sua participação.
A peculiaridade das ações envolvendo a área de famílias tem ensejado um leque maior de profissionais de outras áreas para auxiliar na resolução da demanda. Deixar nas mãos do magistrado a análise jurídica é o que a lei manda todavia, ele não é o profissional mais capacitado para trabalhar a questão psicológica de uma das partes ou de uma criança quando da oitiva em juízo. Essa obrigatoriedade da presença de um especialista junto ao juiz nos processos em que tenham a alienação parental e/ou abuso como temas, é um grande avanço por parte do legislador.
Críticas não faltarão ao Novo Código de Processo Civil, entretanto, cremos que o legislador, nas ações de família, foi bastante feliz com as novidades e alterações apresentadas, conseguindo (ao menos na teoria) aproximar-se da tão buscada efetividade do processo em conjunto com a celeridade do desfecho. Devemos acompanhar o início desta mudança procedimental e apontarmos os erros e acertos da prática, primando sempre pelo respeito aos princípios constitucionais.
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Referências bibliográficas
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Notas:
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Conforme Paulo Luiz Neto Lôbo: “(...) a constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos”.
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Projeto de Lei do Senado 470/2013.
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O procedimento permanece aquele previsto na Lei n.5.478/68 por ser mais célere e benéfico ao credor alimentício.
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Mantidos pela Lei n.8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) por ser a regra de proteção principal aos menores.
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Realizado nos dias 01º, 02 e 03 de maio de 201
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Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>
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Realizado na cidade de Belo Horizonte nos dias 22 e 23 de outubro de 2015.
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Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>
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Bueno, Cassio Scarpinella – Novo Código de Processo Civil anotado/Cassio Scarpinella Bueno. p. 433-434.
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Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:
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Luiz Edson Fachin, Giselda Hironaka, Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Berenice Dias, Zeno Veloso, Álvaro Villaça Azevedo, Rolf Madaleno, José Fernando Simão, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.
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Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
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Em 2014, a Ministra Isabel Galotti, em decisão monocrática, assim dispôs: “Após a EC 66/2010, não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da separação judicial. Não foi delegado ao legislador infraconstitucional poderes para estabelecer qualquer condição que restrinja direito à ruptura do vínculo conjugal” (STJ, Documento 40398425, Despacho/Decisão, DJE 22.10.2014). (g.n.)
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STJ, REsp. 912.926/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 22.02.2011, DJe 07.06.2011.
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STRECK, Lênio Luiz. Por que é inconstitucional “repristinar” a separação judicial no Brasil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-nov-18/lenio-streck-inconstitucional-repristinar-separação-judicial>.
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O saudoso processualista Mario Cappellti já defendia veemente a necessidade de um sistema de solução de conflitos pautado na autocomposição: “Devemos estar conscientes de nossa responsabilidade; é nosso dever contribuir para fazer que o direito e os remédios legais reflitam as necessidades, problemas e aspirações atuais da sociedade civil; entre essas necessidades estão seguramente as de desenvolver alternativas aos métodos e remédios, tradicionais, sempre que sejam demasiado caros, lentos e inacessíveis ao povo; daí o dever de encontrar alternativas capazes de melhor atender às urgentes demandas de um tempo de transformações sociais em ritmo de velocidade sem precedente” (In: CAPPELLETI, Mauro. Os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do Movimento Universal de Acesso a Justiça, p. 97).
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Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. (g.n.)
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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...); LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
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PINHO, Humberto Dalla Bernardina de Pinho. A mediação e a necessidade de sua sistematização no processo civil brasileiro. In: Revista Eletrônica de Direito Processual Civil - REDP. v. V. ISSN 1982-7636. p. 75 e 77. Disponível em: www.redp.com.br
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p.72.
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O jurista Cassio Scarpinella Bueno assim disse: “O art. 695 disciplina o procedimento padrão a ser observado nos casos a que se refere o caput do art. 693: (…) Importa destacar que, de acordo com o § 1º, a citação é desacompanhada de cópia da inicial, iniciativa que deve ser aplaudida e que não atrita com o ‘modelo constitucional’ porque o acesso aos autos, inclusive ao réu, é expressamente franqueado ‘a qualquer tempo’ (§ 1º). (Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Op., cit., p. 436)
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Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (...); § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
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Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data: I - da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;
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No procedimento comum a audiência de conciliação é optativa, bastando as partes que, em caso de não quiserem uma tentativa prévia de mediação, constem na petição inicial e na contestação a negativa. Caso não manifestem, presumir-se-á a vontade pela audiência de conciliação, conforme art.319, VII e art.335, II, ambos do NCPC.
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Antônio Alberto Machado assim disse: “(...) Esse desafio de ruptura com o modelo tradicional da ciência e da praxis do direito, reproduzido pelo ensino jurídico brasileiro, essencialmente normativista e com evidentes traços ainda do modelo coimbrão, assume uma clara importância histórica que vali além da mera ampliação dos limites e possibilidades de atuação de um dos operadores jurídicos tradicionais. A existência de um ´custos juris´ com possibilidade de empreender a defesa jurídico-prática da democracia e de um ´custos societatis´ destinado a defender os direitos fundamentais da sociedade, representam não apenas uma conquista efetivamente democrática da sociedade brasileira, mas também uma autêntica possibilidade de ruptura com o positivismo do direito liberal que desde o século passado sustentou, ´nos termos da lei´, as bases oligárquicas do poder social, econômico e político no País.” (MACHADO, Antônio Alberto. Ministério público: democracia e ensino jurídico. p. 197-198)
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Estatuto do Idoso (Lei n.10.741/03); Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8.069/90); Código de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/90) dentre outros.
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Conforme art. 180 do Novo CPC: “O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, §1°.”
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Ato Normativo n.15/2006 do Ministério Público do Estado da Bahia: “(...) a intervenção do Ministério Público, quando atuar como custos iuris e inexistindo interesse de incapaz, poderá ser considerada nas seguintes hipóteses: I – em processos atinentes a Direito de Família e Sucessões, quanto a questões econômicas e demais direitos disponíveis (...)”; Carta de Ipojuca, onde se determinou que existe a dispensa do Ministério Público: “1. Separação judicial consensual onde não houver interesse de incapazes” (http://www.mpap.mp.br/gerenciador/arquivos/File/Apresentacao_CNPG_Carta_de_Ipojuca.pdf)
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Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Op., cit., p. 437).
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