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Novo CPC traz impactos significativos no Direito de Família
O novo Código de Processo Civil é uma das leis de maior espectro de incidência, pois é aplicável direta ou supletivamente a todos os processos que não tenham natureza penal. É a lei das leis, pois é ele que viabiliza e possibilita a aplicação de direitos. A partir de 18 de março deste ano, todos os processos, inclusive os que já estão em andamento, passarão a ser regidos por essas novas regras. Como obra do humano, certamente há falhas, que serão corrigidas ao longo do tempo e que só serão detectadas no dia a dia de sua aplicação.
Um dos impactos mais significativos do novo CPC está no Direito de Família. Poderia ter sido melhor, mas está aí o que foi possível. Se o Estatuto das Famílias (PLS 470/2013), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e proposto pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA), for aprovado, ele fará essas melhorias, já que o título VIII desse estatuto trata de processo e procedimento. E aí, sim, teremos um processo específico e particularizado para esse ramo do Direito, que é o mais humano e sensível em relação a todos os outros. O processo de família, devido às suas peculiaridades e particularidades, quebra a máxima “o que não está nos autos, não está no mundo”. O que orbita fora do processo, o amor e ódio entre as partes, é, na verdade, o que determina o desfecho desses processos judiciais.
Quando os restos do amor vão parar no Judiciário, tecendo verdadeiras histórias de degradação do outro em nome de reivindicação de direitos, na verdade estão buscando, na maioria das vezes, o tamponamento de seu desamparo estrutural. Por isso, o processo judicial de família é a materialização de uma realidade subjetiva. E o novo CPC parece ter entendido isso e fez avanços significativos. Utilizou pela primeira vez uma expressão do campo da psicanálise, “sujeitos” do processo, como título do livro III, introduzindo um significante novo para a relação processual; segundo, porque criou um capítulo específico para as ações de família (Cap. X — artigos 693 a 699); e, terceiro, porque introduz novos significados e significantes ao culto da sentença: “Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxilio de profissionais de outras áreas de conhecimento para mediação e conciliação” (artigo 694).
A cultura do litígio em Direito de Família está com os dias contados. Obviamente, isso afeta o mercado da advocacia, abre mercado no campo jurídico para profissionais “psis”, tornando o Direito de Família transdisciplinar. Devemos nos adaptar aos novos tempos. Afinal, nós somos apenas meio para se atingir um fim, que é buscar a Justiça. Mesmo antes do novo CPC, já havíamos começado a diminuir essa litigiosidade, quando paramos de discutir culpa pelo fim da conjugalidade com a EC 66/2010, proposta pelo IBDFAM por meio do então deputado federal Sérgio Barradas (BA), que simplificou o sistema de divórcio no Brasil. Um dos grandes méritos do novo CPC é a introdução da mediação, que certamente ajudará a implementar o espírito e a cultura da mediação, que em síntese significa trocar o bate-boca pelo bate-papo e atribuir reponsabilidade aos sujeitos para que eles mesmos, muito melhor do que um juiz, possam resolver o conflito. Em síntese, os métodos autocompositivos de solução de conflitos é que dão a tônica desse novo CPC (artigos 165 e seguintes).
Os avanços foram bons, embora pudessem ter sido melhores. Na execução de alimentos, consolidou o que a jurisprudência já tinha consagrado em relação à prisão do devedor, ou seja, apenas pelos últimos três meses pode-se pedir prisão, e absorveu sugestão do IBDFAM que já estava no Estatuto das Famílias (artigo 230) em relação ao protesto do nome do devedor de alimentos (artigo 582, parágrafo 3°); o foro competente para processar e julgar ações de família em geral passa a ser sempre o da parte mais vulnerável (artigo 49 a 53), bem melhor que o CPC de 1973, que privilegiava a mulher, mesmo quando ela fosse a parte menos vulnerável; absorveu novos conceitos de Direito de Família, tratando o processo envolvendo alienação parental com destaque, e, embora não tenha previsto o “depoimento sem dano”, determina que o juiz esteja acompanhado por especialista (artigo 699); com o objetivo de não acirrar o litígio, o requerido será citado para audiência de tentativa de conciliação sem a cópia de petição inicial (artigo 695).
É que a petição inicial contém a versão dos fatos que, verdadeiros ou não, provocam na parte contrária sentimento de ódio, e, acima de tudo, elas não se reconhecem ali naquela história narrada pela versão do outro. Também foi um grande avanço o julgamento antecipado do mérito (artigo 356), que certamente vai agilizar milhares de processos. Agora, não há mais dúvida de que pode, por exemplo, decretar o divórcio e continuar no mesmo processo as outras discussões conexas, como guarda, convivência e alimentos.
Porém, nem tudo são flores. O novo CPC perdeu uma boa oportunidade de substituir velhas expressões que carregam consigo um sentido equivocado e já superado pelo Direito de Família, como, por exemplo, “visitação” e “regime de visitas” (artigo 693 e 731). Tal expressão traz consigo uma ideia de frieza e formalidade e já havia sido substituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por “convivência familiar” e já consagrada pela melhor doutrina e jurisprudência; a interdição (artigo 747, III) não considerou os tratados internacionais e o princípio da dignidade da pessoa humana, mas a Lei 13.146/15.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência pode corrigir isso; as ações de alimentos continuam pelo rito especial da Lei 5.478/68 e sua execução, apesar dos avanços, perdeu uma boa oportunidade de criar procedimento próprio, como propõe o Estatuto das Famílias do IBDFAM. É inadmissível cobrar uma dívida alimentar pelo mesmo procedimento que se cobra um cheque ou uma nota promissória.
A participação do Ministério Público nos processos de família (artigo 698) deveria ter sido mais bem prestigiada, inserindo sua competência em uma verdadeira política pública para crianças e adolescentes, concentrando sua nobre e importante função — quase missão — no enunciado do artigo 176: “(...) atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis”. Esse é o seu imperativo ético, que inclui ir além de fiscal da lei, mas principalmente tomar medidas efetivas para dar um lar a crianças e adolescentes depositadas em abrigos por anos a fio, sem voz e sem vez.
E, por fim, uma das questões que já nem são mais tão polêmicas, pois a prática da vida sempre vence qualquer teoria, é sobre o instituto da separação judicial. No projeto original, não havia menção a ela. Na Câmara dos Deputados, as forças conservadoras conseguiram inserir esse inútil instituto. E, assim, a expressão separação judicial aparece uma única vez no artigo 23, III.
Nos outros, em que aparece a palavra separação, 53, I; 189, II; 693; 731; 732 e 733, deve ser interpretada como separação de fato, separação de corpos, separação em decorrência da união estável. Separação judicial não existe mais. Ela foi eliminada do ordenamento jurídico brasileiro, reafirmando o Estado laico, pela EC 66/2010. O objetivo maior da pretensão da permanência do instituto da separação judicial é reacender a discussão da culpa, há muito já superado. Portanto, o artigo 23, III é inconstitucional e natimorto.
O Direito de Família ficará melhor com o novo CPC. Certamente teremos que enfrentar inúmeras questões de direito intertemporal. Porém, a vida, o ir fazendo, vai mostrando o melhor caminho. Metaforicamente, processo é um caminho percorrido e a percorrer, no qual as partes vão depositando suas angústias, insatisfações, frustações e também a sensação de que alguém foi enganado, para que o Judiciário retifique e repare o erro do outro e diga quem tem razão. O processo, para além da função de busca e materialização de direitos, funciona também como um importante ritual de passagem, agora facilitado por essas novas regras.
*Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.
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