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“Casais” de Três
O velho Braga, o Rubem Braga de tantas crônicas, tem uma, uma das suas melhores, em que começa falando dos amigos: “Vieram alguns amigos. Um trouxe bebida, outros trouxeram boca. Um trouxe cigarros, outro apenas seu pulmão. Um deitou-se na rede, e outro telefonava. E Joaquina, de mão no queixo, olhando o céu, era quem fazia: fazia olhos azuis.” Uma crônica de um forte lirismo, para, no final, Joaquina dormir inocente dentro de seus olhos azuis.
Como na crônica de Braga, podemos especular que uma chegou, trazendo o seu sorriso de menina flor. Logo, chegou a outra, não menos alegre, mas com riso mais contido. Em seguida, para não dar o que falar, ele chegou. E ficou entre uma e a outra. Uma bebia, a outra só tagarelava. Ele ouvia. Os demais apenas percebiam o inusitado encontro dos três. Ninguém sabia, eis a grande dúvida, quem era a Joaquina, que fazia olhos azuis. Se a que ria a cântaros, ou a mais contida, de pouco riso e de muita conversa. Uma o amava, com toda a força do seu fortíssimo coração, a outra também, e todos se amam loucamente, sem qualquer fronteira geográfica, ou de sentimento. O amor é o amor, sem limites, assim diz a sabedoria popular. Era a sua crença.
Dessa afetividade, que mais parece encontro de folia, no tempo de nossos tempos, Rosa ama loucamente Joaquim, que ama Rita, que, no andar da ciranda, ama Joaquim, amando-se cada um do seu modo. E foram viver no mesmo ninho de amor e formaram uma família feliz, numa memorável intensa união de um intenso amor recíproco. Pela felicidade do amor reciprocamente coletivo, decidiram não mais se importar com o que o mundo pensasse, vivendo felizes nessa união a três.
A história deles é assim: Joaquim e Rosa foram casados. Mantiveram uma convivência salpicada de idas e vindas. Desse casamento, com alguns buracos de intervalo, conseguiram ter um filho. Separaram-se, por ser impossível conviver nessa espécie de tico-tico no fubá. Joaquim não perdeu tempo. Uniu-se a Rita, que, no curso do descontínuo casamento, já era sua namorada. Rosa não esquece Joaquim. Propõe a volta, sem descartar Rita. Eles aceitam. E passam a ter uma experiência de vida em comum a três. Acostumaram-se. Amam-se com uma reciprocidade sultânica. E vivem num harém de amor, de dá inveja a qualquer paxá desavisado, que resolver visitar a nossa terra brasilis.
Querem transformar essa união afetiva, em que o amor a três perdeu o caráter denovidade, num festivo casamento, sobretudo porque tiveram conhecimento de que há outras convivências iguais registradas em cartório de família. Têm encontrado resistência. Para os adeptos e correligionários: infundada resistência. A tabeliã (dessas birrentas que azucrinam a vida dessa gente moderna) do cartório não quis fazer o processo de habilitação, sob a justificativa de que não pode haver casamento com mais de uma pessoa. Reclamação geral da plateia, que respondeu em coro: Pode! Pode! E pode!
Mas, em compensação, para não se dizer tão desatualizada com os novos costumes, registrou a união estável de Joaquim, Rosa e Rita. Fez questão de gritar, para não deixar dúvida: só documentei o fato.
A confusão está formada. Uns afirmam que pode casar; outros, mais resistentes, não. Há osmenos dogmáticos que sentenciam que a fonte do direito não é a lei, mas os costumes. Enquanto outros sustentam que o número de casais poliafetivos é insignificante. Mas, aviso aos menos avisados: se a moda pega, daí a pouco, esse número passa a ser tão significante que pode mudar a cabeça dos nossos bafejados ministros do STF. Não é desaconselhável que Joaquim e os seus amores desistam tão facilmente do sonho de ter uma vida de casados a três. É só ter paciência. Ora, sem querer misturar alhos com bugalhos, pra gente ter uma ideia de como os costumes estão mudando, um ladrão, arrependido, devolveu a bolsa e o dinheiro de sua vítima, e disse no bilhete que escreveu: “Dr. Eduardo, estou devolvendo seu dinheiro, que eu peguei no dia 31, em Copacabana. Não dormi, arrependido, e peço que me perdoe. Feliz Ano Novo. Só tirei R$ 50 pra comprar uma champanhe pra minha mãe”. Ora, Joaquim não seja pessimista. Ao menos em homenagem ao ladrão arrependido, insista.
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