Artigos
O casamento religioso e a carta apostólica de motu proprio
O CASAMENTO RELIGIOSO E A CARTA APOSTÓLICA DE MOTU PROPRIO
Lourival Serejo
A Igreja Católica sempre controlou, com rigor, o casamento entre seus fiéis, ao longo de sua existência, causando até consequências políticas. Para exemplificar, lembro a recusa do papa Clemente VII de anular o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, para que ele pudesse casar-se com Ana Bolena, o que gerou o rompimento do Reino Unido com Roma, levando o rei ofendido a proclamar-se chefe da Igreja na Inglaterra.
No Brasil, a exclusividade do casamento religioso só acabou com a proclamação da República, em 1889. Uma vez secularizado, o casamento civil tornou-se o oficial. e a passagem para o Estado laico. Contudo, o imaginário popular e o sentimento religioso ainda considera o casamento religioso como o mais importante.
Uma vez celebrado, era muito difícil anular-se um casamento religioso, abençoado por uma Igreja que sempre pregou o dogma da indissolubilidade do vínculo conjugal. Os pedidos, a princípio, só eram julgados em Roma, o que gerava altos custos e uma demora indeterminada para aqueles que se atreviam a pugnar por essa medida.
Com a instalação de tribunais eclesiásticos no Brasil, o tempo de duração ficou mais reduzido, mas ainda demorado. Atualmente, temos 46 tribunais de primeira instância e 17 de segunda.
Para acabar com essa longa espera, que deixava as pessoas "oprimidas pelas trevas da dúvida", é que o papa Francisco editou o documento de Motu Proprio (latim: de sua própria iniciativa), com o objetivo de acelerar o processo de anulação do casamento religioso. O verdadeiro nome da Carta Apostólica é Mitis Iudex Dominus Iesus. A forma da sua expedição é que se qualifica como Motu Proprio.
Nesse ponto, é preciso não confundir as coisas. A rede oficial do Vaticano (News.Va) foi bem enfática em advertir sobre o propósito do documento papal: Favorire la celerità dei processi non la nullità (Favorecer a celeridade dos processos e não a nulidade). Quer dizer: os motivos que levam à nulidade permanecem. O papa Francisco alterou apenas o processo – a instrumentalidade – para a declaração de nulidade, tornando-o mais acessível, célere e barato. A acessibilidade decorre de ter conferido aos bispos a autoridade para receber e julgar os pedidos de anulação, ou formar um tribunal em sua diocese.
A Carta Apostólica de Motu Proprio, portanto, não retira nulidades nem relativiza os motivos que as ensejam. Constatado que o casamento é nulo, o decreto de nulidade deve ser expedido o mais breve possível.
Outra alteração importante foi a dispensa do recurso obrigatório para um tribunal superior, de segunda instância, após a primeira decisão, que passa logo a valer, caso não haja recurso voluntário. No Código Civil de 1916, tínhamos a figura do curador do vínculo, que atuava em defesa da manutenção da validade do casamento, em qualquer hipótese. Só recentemente, o atual Código de Processo Civil deixou de exigir o duplo grau de jurisdição para efetivação das sentenças de anulação de casamento.
Para os católicos ansiosos por terem seus casamentos anulados e voltarem a receber um novo sacramento, de forma livre e espontânea, essas medidas efetivamente acabarão com as angústias acumuladas há muitos anos.
A desburocratização do casamento religioso é mais um capítulo da política do papa em abrir a Igreja para os ventos da modernidade, além de demonstrar a preocupação de Sua Santidade com a família. Neste mês de outubro, já está marcado o segundo Sínodo sobre a família e seus desafios.
Com essas medidas, o Sumo Pontífice quer salvar a família, que está à deriva nesse mar de incertezas que se tornou a sociedade globalizada e individualista.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM