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Casais inconclusos
O Sínodo dos Bispos, em sua 14ª Assembleia Geral Ordinária, reunido em Roma, de 05 a 19 de outubro próximo, tendo como tema central “A vocação e a Missão da Família na Igreja e no Mundo Contemporâneo”, colocará sob profundas discussões eclesiais as mais importantes e controvertidas questões da família atual.
(i) Casais em dificuldades na vida conjugal e em risco de separação; (ii) casais divorciados, em face da proteção dos filhos; (iii) “órfãos sociais” diante das crises econômicas que mais afetam as famílias de baixa renda; (iv) divorciados que,”fiéis ao vinculo”, não se casam após a separação; (v) a indissolubilidade do matrimônio como um “ideal de vida”; (vi) católicos que contraíram novo casamento; (vii) uniões civis e pré-matrimoniais em face do matrimônio cristão necessário; são temas mais relevantes, dentre os cento e quarenta e sete (147) itens específicos e incluídos no “Instrumentum Laboris”, documento de trabalho que consolida as questões para análise.
A realidade familiar contemporânea será seriamente exposta perante a Igreja, em uma visão cristã coerente, nomeadamente em casos de ruptura matrimonial, quando certo que (i) a comunidade católica representa a “família das famílias”; (ii) casais divorciados da comunidade continuam e continuarão católicos por formação e fé; (iii) os que constituíram, ao depois, outras uniões não sacramentais haverão de merecer a atenção cristã e, afinal, (iv) famílias fragilizadas, por erronias de vida, carecem de misericórdia e abrigo.
Não há negar que a doutrina de família e matrimônio, dentro da Igreja, não apenas reclama uma abertura pastoral; para além disso exige significativa reforma do direito canônico. O processo sinodal em curso oferece-se, agora, como espaço adequado e essencial a esse fim.
Pois bem. Em conta de a doutrina permanente da Igreja revelar-se, sempre, incidente sobre um “olhar renovado de compaixão e de misericórdia” (Agência Ecclesia, 16.10.2014), merece urgente ser aprofundada a ideia-força da indissolubilidade matrimonial no plano da verdadeira comunhão de vida, como fundamentos teológico e canônico. Segue-se, então, a pergunta inevitável:
O casal unido pelo matrimônio, malgrado o princípio da indissolubilidade sacramental, que não logrou alcançar a verdadeira comunhão de vida, tornando a separação inevitável e até moralmente necessária, consumou o casamento? Mais das vezes o casamento fracassa em menos de dois anos.
A comunhão plena de vida significa compartilhar a família nos seus atributos determinantes, onde estão as pessoas comprometidas entre si, comungando interesses comuns e resultados construídos. Efetivamente, figura como uma cláusula diretiva da existência da comunidade familiar. Essa comunhão é intrínseca, como “unidade valorativa e conceitual” e serve, convenhamos, como estrutura dignificante de cada um dos integrantes do núcleo familiar. Noutro ponto, a comunhão implica uma constatação de vida, “não só com o outro, mas para o outro”. Ou seja, a constituição do próprio ser, em sua vida pessoal, como vida destinada para o outro (amar para ser amado, etc.) e não bastando, também o “ser com o outro”, em realização de solidariedade plena. (Octávio Manuel Gomes Alberto, Lisboa, 2012).
A utilidade do casamento, ou seja, a aptidão ao uso a que se destina o casamento é o amor que unifica o casal no seu projeto de vida. Bem é dizer, então, que o interesse do casamento é a realização comum.
Consabido que o casal é o começo da história humana (Gn. 1,26.28.31) e que o princípio da mútua pertença implica na sua razão de existência, tenha-se a tudo isso paradigmático o vínculo que une homem e mulher com o termo amor (Mt. 19, 4s). Na visão paulina, o de “quererem-se entre si, como parte um do outro”. Quem ama sua mulher ama a si mesmo (Ef. 5,28). É neste espaço relacional que o casal se reconhece como entidade, a construir a família a partir da eficácia da união. Em menos palavras, na complementaridade um do outro.
Assim, o matrimônio de um casal que se mostre incapaz ou insuficiente de uma união idealizada de comunhão de vida, o de vida a sempre, não se justifica. Logo, deve ser declarado inválido por erro na pessoa (Cânone 1.097) quando o erro versa, iniludivelmente, sobre uma qualidade direta e principalmente querida (Cânone 1.097 parágrafo 2º), “valendo todas as qualidades acidentais que sejam honestas e justas para se declarar nulo um matrimônio”.
Essa reflexão acarreta uma particular e delicada questão de o Sínodo dos Bispos vir admitir situações que tais como causa eficiente para a anulabilidade do matrimônio, evitando, destarte, um maior número de casais divorciados. Não interessa à Igreja casais inconclusos.
Jones Figueirêdo Alves – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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