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Pais desconstruídos
A desqualificação de um dos genitores, denegrindo-se a sua imagem ou conduta perante o filho, a ensejar uma ruptura dos laços afetivos pretendida pelo outro genitor, configura a alienação parental, tornada por lei um instituto jurídico de importante repercussão no direito de família.
A Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, agora completa cinco anos e sua aplicação judiciária tem demonstrado, na prática, inúmeras realidades em configuração jurídica do fenômeno, a exigir novas reflexões e um reordenamento legal que otimize o enfrentamento.
Bem é certo admitir, antes de mais, que a alienação parental tem lugar, ordinariamente, (i) na disputa da guarda (ou sua alteração) do filho comum, quando imputadas a um dos genitores condutas impróprias, ou (ii) em prejuízo de um melhor convívio parental por um deles, provocado por abuso do poder familiar do outro genitor, detentor da guarda, quando dificultada a convivência daquele na relação paterno-filial sob imputações variadas. No ponto, importa dizer que a guarda compartilhada, novo instituto jurídico (Lei nº 11.698/2008) recentemente dinamizado (Lei nº 13.058, de 22.12.1014), apresenta-se como um importante instrumento dissuasório às práticas de alienação.
Há, porém, um maior espectro alienador, a saber que a alienação parental extrapola o composto paternal (pai e mãe) quando praticada por terceiros que integram o contexto familiar, a exemplo de avós ou padrastos, tios ou irmãos, germanos ou não.
A esse propósito, dispõe o art. 2º da Lei 12.318/2010: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Verticaliza-se mais o fenômeno da alienação parental, em sua complexidade, a tanto que recente estudo “Alienação Familiar Induzida”, de Bruna Barbieri Waquim (Ed. Lumen Juris, 2015), introduz o novo termo, a demonstrar as demais variáveis e a exigir, inclusive, a sua conceituação legal. Ela exemplifica melhor com a hipótese da alienação induzida contra genitores idosos que “manipulados por um dos parentes afastam-se dos demais familiares, em virtude de interesses financeiros do alienador”.
Lado outro, a experiência judiciária tem revelado bastante que a Lei 12.318/2010 não esgota as formas da alienação, quando preferiu situar, como exemplos, apenas sete hipóteses elencadas no parágrafo único do art. 2º. De efeito, a cláusula ali contida “além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros”, vem bem servir a um amplo repertório casuístico.
Giselle Groeninga, psicanalista de notável experiência na área de família, revela que o exercício da parentalidade pode resultar comprometido por atos de pressões econômicas “que não deixam de ser uma forma de alienação”. De fato. Inúmeras são as hipóteses. Inconteste, ainda, que genitor provido de melhores condições financeiras poderá induzir alienação parental contra o outro, cabendo a apuração circunstanciada e técnica nos casos concretos.
É significativo anotar, destarte, que a pioneira lei cuidou de diretiva profilática na relação paterno-filial ao dispor, em seu artigo 7º, que “a atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada”. Uma norma fundamental.
Pois bem. Observada a alienação parental, mais das vezes com imputações falsas de repercussão penal (acusações de abuso ou violência sexual ao outro genitor), dentro do disposto pelo art. 6º da lei de regência, tem-se, entretanto, que os atos típicos de alienação parental configuram somente atos de ilicitude civil, sem uma tipificação penal própria e autônoma.
A alienação parental reclama, ao fim e ao cabo de seus cinco anos de concretude judiciária, com mais de sete mil acórdãos a respeito, que seja admitida em lei como crime, para além das insurgências cíveis. A prática é um delito cometido contra o próprio filho, padecente da síndrome da alienação parental (SAP), podendo até ser reconhecida como crime de tortura, como admite Caetano Lagrasta Neto (2015), ao colocá-lo permanente vítima psicológica dos interesses do alienador. São os filhos órfãos de pais vivos.
Pais desconstruídos pela alienação familiar celebram os cinco anos da Lei nº 12.318/2015, como afirmação de uma nova política legal de dignidade às famílias em desordem ou desfeitas. Afinal, “família com filhos é para sempre”.
Jones Figueirêdo Alves – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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