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Abandono afetivo inverso: ?a responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos
RESUMO
A instituição familiar como o grupo social por excelência experimentou ao longo das civilizações e através das inúmeras mudanças na sociedade, diferentes formas, valores e funções. Como consequência, o olhar e o tratamento destinado aos idosos também foi transformado. Alguém que já foi considerado o arquétipo da sabedoria, experiência e liderança, passou a ser considerado inútil e ultrapassado. Mas essa triste realidade começou a ser alterada com o advento da Constituição Federal de 1988, ganhando eficácia com o Plano Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso. No entanto, uma questão que aflige muitas famílias é o abandono afetivo dos filhos em relação aos pais idosos. O abandono afetivo inverso, como foi denominado, e a possibilidade de indenização por dano moral em decorrência do desamparo imaterial é um tema que tem suscitado debate no meio doutrinário e nas decisões jurisprudenciais. A dificuldade na aceitação da tese está na demonstração da ilicitude da conduta em não dar afeto e na comprovação do dano. Entretanto, boa parte da doutrina entende que o ato ilícito estaria configurado na conduta, seja ela comissiva, omissa, negligente ou imperita. Assim, busca-se demonstrar a possibilidade da responsabilização civil nas relações familiares em decorrência do abandono afetivo e a respectiva indenização pelos danos morais causados. Dessa forma, busca-se evidenciar o caráter pedagógico da indenização para o agente causador do dano, o compensatório para a vítima e constatar as consequências que o desprezo do familiar pode causar, desde transtornos morais e psicológicos, até doenças físicas e a morte.
Palavras-chave: Idoso; Abandono afetivo; Responsabilidade civil.
ABSTRACT
The family institution as the quintessential social group experienced along the civilizations and through numerous changes in society, different shapes, values ??and functions. As a consequence, the look and the treatment for the elderly have also been transformed. Someone who was once considered the archetype of wisdom, experience and leadership, came to be regarded useless and outdated. This sad reality began to be changed with the advent of the 1988 Constitution, but only gained effectiveness with the National Plan for the elderly and the Elderly Statute. However, a question that plagues many families is the emotional abandonment of children in relation to elderly parents. The reverse affective abandonment, it was named as, and the possibility of compensation for moral damage as a result of immaterial abandonment is an issue that has sparked debate in doctrine and in jurisprudence. The difficulty in accepting the thesis is the demonstration of the illegality in the not giving affection conduct and the proof of damage. However, much of the doctrine considers that the tort would be configured in the conduct, whether commissive, negligent, careless or inexpert. So seek up demonstrate the appropriateness of the civil liability in the family relationship due to emotional neglect and their compensation for moral damage. Thus, seek up well as highlight the pedagogical nature of the indemnity to the causative agent and the compensatory to the victim and finds the evil consequences that contempt that a family can cause, provided moral and psychological disorders to physical diseases and death.
Keywords: Elder; Affective abandonment; Civil liability.
1 INTRODUÇÃO
Esse artigo foi extraído da monografia apresentada à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte como um dos pré-requisitos para obtenção do grau de bacharel em Direito no ano de 2014.
A família é considerada a unidade social mais primitiva já conhecida e difere de outros grupos porque é caracterizada por seus indivíduos estarem ligados por laços de afeto e afinidade e não pela lógica da utilidade. É nela que se dá início ao processo de socialização, educação e formação para o mundo.
Acompanhado de outras mudanças sociais, o conceito de família, sua estrutura e valores foram também modificados e a imagem destinada ao idoso também sofreu muitas transformações. A conquista de melhores condições para se viver e o crescimento da expectativa de vida estão caminhando o Brasil para tornar-se um país de população, predominantemente, idosa. Entretanto, a pessoa de mais idade é vista como alguém doente, incapaz e inútil e em grande parte das vezes, essa discriminação surge ainda no seio familiar de uma sociedade capitalista e globalizada onde o valor maior é dado à juventude.
?Nessa realidade, os idosos sofrem com o abandono por parte de seus familiares. Os casos mais frequentes ocorrem quando os filhos deixam seus pais em casas de saúde ou asilos e ignoram o convívio com o idoso porque não raras às vezes eles necessitam de cuidado e atenção maiores. A perda da vitalidade, da capacidade para o trabalho, o aparecimento de doenças, as dificuldades para falar, comer e se locomover são causas que podem levar o idoso ao abandono. A negativa do amparo seja ele afetivo, moral ou psíquico acarreta lesões à personalidade do idoso, podendo gerar aflição e angústia, além até de contribuir para o surgimento ou agravamento de doenças e, por fim, para a morte.
Assim, baseando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, o descaso dos filhos deve ser observado com maior cautela pelo Poder Judiciário responsabilizando-os e condenando-os a uma indenização por dano moral que vise uma compensação ao idoso, um acalento para sua alma e até mesmo a garantia de sua subsistência. Assim, o que se almeja não é a obrigação do amor, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidado e proteção que pode causar traumas irreparáveis.
Embora a responsabilização dos filhos ao pagamento de dano moral por abandonar seus pais, afetivamente, não esteja prevista, expressamente, na legislação pátria, é importante de ser efetivada pelos tribunais, pois além de uma função protetiva, teria também uma função punitiva e inibitória, a qual se pode chamar de preventiva. Considera-se?assim, que a realização deste?trabalho é oportuna, por tratar de um?tema tão comum às pessoas e de uma instituição social tão importante como a família e?que tantas vezes é tratada com descaso. Além do que essa é uma questão com um campo de doutrina e jurisprudência ainda tímidas, mas que necessita ser desvendada.
Para tanto, a pesquisa foi realizada em quatro capítulos. No primeiro capítulo será traçado um breve histórico da figura do idoso na família e na sociedade ao longo das civilizações. No segundo, destaca-se o trabalho do legislador no campo dos direitos dos idosos, onde serão analisados as normas e princípios pertinentes ao tema. No terceiro capítulo será tratada a responsabilidade civil e seus pressupostos, estabelecendo um paralelo ao instituto quando aplicado às relações familiares. E no último, discutir-se-á a possibilidade de indenização por dano moral aos casos de abandono afetivo inverso. Finalizando, há ainda uma pesquisa de campo cujo objetivo consiste em demonstrar as benfeitorias que o afeto e o carinho podem proporcionar ao idoso quando inserto e amparado por sua família.
A pesquisa foi delineada com o emprego do método dialético e da pesquisa qualitativa. O estudo tem início na observação do significado do idoso, para então ser analisado com as partes que o integram, estabelecendo relações?sócio-históricas através da exploração dos fatos, conceitos e da interpretação dos fenômenos e da relação dinâmica entre o mundo objetivo e a subjetividade dos agentes. Quanto aos procedimentos técnicos, foi elaborada a partir de conteúdo já publicado, composto basicamente de livros, artigos e material disponibilizado na internet, bem como da legislação brasileira e da análise de julgados dos tribunais pátrios, sempre buscando como finalidade a geração de um conhecimento que tenha alguma aplicação prática.?
Dessa forma, procura-se com?os apontamentos?e reflexões realizadas, analisar o cabimento da indenização por dano moral no âmbito da relação entre filhos e pais idosos quando estes são abandonados afetivamente.
2 A?perspectiva histórica do idoso na SOCIEDADE
2.1 Na Antiguidade?
Conforme GAMA (2001. p 24) leciona, “verifica-se a necessidade de retorno aos primórdios da civilização para maior compreensão das transformações ocorridas no âmbito familiar, considerando que a história da civilização é associada à história da família”.
A Idade Antiga ficou marcada pelo desenvolvimento das civilizações, bem como pelo surgimento da historiografia, tendo iniciado por volta de ano 4.000 a.C. e perdurado até a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Nessa época, o olhar destinado ao ancião era de um homem experiente, sábio e privilegiado, pois a longevidade era considerada um presente dos deuses.
2.2 Na Idade Média
Os historiadores consideram a queda do Império Romano do Ocidente como o marco inicial da Idade Média, que perdurou dos séculos V ao XV. De forma geral, foi um momento denominado pelos renascentistas como “Idade das Trevas” por ter significado um momento fortemente influenciado pela Igreja Católica que detinha a maior parte das terras e o controle do saber.
A tragédia shakespeariana em Rei Lear traz a fragilidade humana encarnada na velhice, uma vez que ela não traria obrigatoriamente a sabedoria ou o aprendizado pela experiência, pelo contrário, os erros de um julgamento poderiam ser ainda mais nefastos por conta da vaidade transpassada pela aparente superioridade dos mais velhos. Nessa esteira, envelhecer não seria mais tão interessante como antes.
2.3 Na Idade Moderna?
A Idade Moderna é entendida após a tomada pelos turcos otomanos da cidade de Constantinopla (atual Istambul, na Turquia) em 1473, encerrando-se com a queda da Bastilha e a Revolução Francesa, em 1789. Entre os séculos XVI e XVIII ocorreram transformações mais significantes, iniciando-se uma nova percepção de mundo, inclusive na perspectiva voltada à família e ao idoso. A senilidade passa a ser encarada agora como a cessação das atividades. O homem moderno se projeta no sentido de conseguir meios para retardar a velhice e o culto à juventude tornou-se cada vez mais imperioso.
Nos países orientais, por sua vez, acreditava-se que se deveria buscar prolongar as faculdades mentais e sensoriais dos idosos. Na China, o taoísmo apregoava a perseguição ao “verdadeiro caminho” que seria a imortalidade. No Japão, a tradição era a de que o homem que ao completar 60 anos tinha a permissão para usar blazer vermelho, pois ganhava-se o direito de usar a mesma cor destinada aos deuses.
A verdade é que o interesse pelo tema velhice não é novo, apenas foi encarado de modo diferente conforme os momentos históricos. Enquanto no século XV a medicina preocupava-se em retardar o envelhecimento, no século XIX ela ganhou status de doença e mendicância. Apenas no século XX com a revolução etária da população no mundo houve uma mudança de postura frente ao idoso. No campo da Ciência, surgem as disciplinas de gerontologia (ramo da ciência que estuda o processo de envelhecimento em seus aspectos bio-psicológicos, sociais, econômicos e históricos) e a geriatria (ramo da Medicina que trata das doenças que podem acometer os idosos).
2.4 No Brasil ?
A primeira imagem de família quando se fala em Brasil pertence aos índios, com destaque para as figuras do cacique e do pajé que são pessoas de idade mais avançada e que detém o conhecimento. Apesar de não haver legislação positivada nessa época, predominava do direito costumeiro.
Mais tarde, em 1823, após a proclamação da independência, os membros da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa se reuniram com o objetivo de criar a primeira constituição e em 1824, esta foi outorgada pelo então imperador Dom Pedro I. Mas nenhum dos seus 179 artigos trouxe disposições com direitos ou garantias relacionadas aos idosos. Posteriormente, em 1891, a primeira Constituição Republicana foi promulgada, limitando-se a tratar em seu artigo 75 da aposentadoria por invalidez do servidor público. A Constituição de 1934 foi o primeiro texto a tratar especificamente do assunto na alínea “h”, parágrafo 1º do artigo 121, versando sobre a previdência em decorrência da velhice.
Em 1937 com a instauração do Estado Novo no governo de Getúlio Vargas, uma nova Constituição foi outorgada e não houve ampliação dos direitos dos idosos. Em 1946 com o restabelecimento dos ideais democráticos, a Constituição resgatou os valores anteriormente elencados pelo texto de 1934. Já quando os militares assumiram o poder através de um golpe de Estado em 1964, o Congresso Nacional foi transformado em Assembleia Nacional Constituinte e elaborou uma Carta Constitucional que em nada apresentou de inovação aos direitos dos idosos.
Por fim, a Constituição de 1988 que foi reflexo de um país que clamava por um processo de redemocratização, declara no artigo 1º, inciso III a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. O artigo 3° elenca os objetivos do Estado, instituindo o inciso IV a promoção do bem de todos, sem preconceito de idade e quaisquer outras formas de discriminação. Já o artigo 14, referente aos direitos políticos, expõe que o alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os maiores de 70 anos. O artigo 40, § 1°, inciso II, incluso na Seção II “Dos Servidores Públicos”, determina que estes deverão se aposentar compulsoriamente aos 70 anos de idade.
O artigo 203, no tocante à assistência social, traz dispositivos assemelhados às constituições anteriores, mas de forma ampliada e aprimorada. No Capítulo VII “Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso” o artigo 229 dispõe que os filhos maiores têm o dever de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Configurando esse o dispositivo constitucional central do presente tema que de forma clara e objetiva expressa os deveres materiais dos filhos para com seus pais. O artigo seguinte, o 230, expressa de maneira inconteste que a proteção aos senis devem significar uma ação conjunta do Estado e da sociedade:
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
O Estatuto do Idoso veio também corroborar essa ideia, garantindo a proteção à vida e à saúde de forma a permitir um envelhecimento saudável, considerando o envelhecimento um direito personalíssimo.
2.5 Análise sobre diplomas internacionais
O aumento da população idosa nos últimos sessenta anos não foi característico apenas de países emergentes como o Brasil. Mesmo aqueles países considerados do velho mundo assinalaram um crescimento demográfico considerável. As condições sociais e econômicas favoráveis permitem aos anciãos chegarem a uma maior idade com capacidade que lhes garantam não apenas uma melhor qualidade de vida, mas uma força dentro da sua sociedade. A globalização e o neoliberalismo proporcionaram revoluções que foram a base de um novo pensamento jurídico. O século XX é avaliado como “o século dos novos direitos” na tentativa de buscar uma tolerância e harmonia aos diversos interesses, como a bioética, o direito cibernético e as leis protetivas destinadas aos consumidores, crianças e idosos.
Nessa perspectiva, em 1978 a Organização das Nações Unidas através da Resolução nº 33/52 convocou a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento que veio a ser realizada somente no ano de 1982 na cidade de Viena, na Áustria. Como resultado o Plano de Ação Internacional de Viena sobre o Envelhecimento foi elaborado e contou com 62 pontos que abalizava para temas como saúde, bem-estar e família, meio ambiente, educação, renda e emprego. Em 1991, a Assembleia Geral elaborou o Princípio das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas que trazia elencado em seu texto 18 direitos referentes às pessoas de mais idade, como a dignidade, a participação, o cuidado e a autorrealização.
Com relação ao Direito comparado, observa-se que nos Estados Unidos da América, apesar da Constituição ser condensada e não trazer expressamente direitos relacionados às pessoas de idade mais avançada, o direito costumeiro esquadrinhado na consciência do povo, preencheu possíveis lacunas. Já a Constituição da República Portuguesa datada de 1976 traz no texto dos seus 299 artigos alguns dispositivos que versam sobre direitos inerentes ao ser humano de forma indistinta, como também traz um artigo específico destinado às pessoas idosas. A China, por sua vez, é considerada o país em maior processo de envelhecimento no mundo, seja por conta do inchaço populacional, seja pela abertura econômico-social a que o país está aos poucos se rendendo. E apesar de as pessoas de mais idade ainda estarem a mercê de uma política assistencialista organizada, a cultura desse povo é a de reverenciar seus entes mais antigos.
Assim, as baixas taxas de natalidade, quando a educação e a saúde tornam-se cada vez mais acessíveis às mais variadas classes sociais e a baixa taxa de mortalidade quando a tecnologia é utilizada em prol de prevenção e combate às doenças foram fatores que culminaram com a maior preocupação dos Estados em atender os anseios e necessidades desse povo que crescia e clamava por atenção.
3 O idoso no Direito Brasileiro vigente
3.1 Princípios constitucionais aplicados ao Direito de Família?
Juridicamente o princípio exerce diferentes funções, podendo ser fundamentador quando aprovisiona noções básicas que embasam e perseguem os fins do Direito positivo; hermenêutico, quando orienta a interpretação e correta aplicação das regras jurídicas em um sistema normativo que deve estar em harmonia; e supletivo quando visa preencher lacunas nas hipóteses de carência de lei aplicável à determinado fato típico.
Embora a família constitua uma realidade alicerce do Estado, pois é nela que se dá início ao processo de socialização, educação e formação para o mundo, nem a Constituição Federal nem o Código Civil trazem um conceito definido. O retrato ainda tímido sobre a família, onde a figura do divórcio não existia e os filhos eram classificados como legítimos ou ilegítimos foi uma realidade que se prolongou por entre muitas constituições, só vindo a ser modificada na Carta de 1988. Como menciona LÔBO (1989. p 147):
O princípio do pluralismo das entidades familiares rompe com a tradição centenária do direito brasileiro de apenas considerar como instituto jurídico o casamento, desde as Ordenações do Reino, todas as Constituições brasileiras (imperial e republicanas) estabeleceram que apenas a família constituída pelo casamento seria protegida pelo Estado. Apenas a Constituição de 1988 retirou do limbo ou da clandestinidade as demais entidades familiares, nomeadamente a união estável e a entidade uniparental (pai ou mãe e filhos). Os integrantes dessas famílias – relegadas a meros fatos sociais, não jurídicos – eram destituídos de direitos familiares idênticos.
Nesse esteio, a promulgação da constituição cidadã fortaleceu a tendência à constitucionalização do Direito de Família, efetivando assim temas juridicamente relevantes que muitas vezes restava esquecido pelo Estado por dizer sobre relações de direito privado. A Carta Magna de 1988 promoveu justamente essa modificação mediante a introdução de princípios gerais e específicos ao Direito de Família, estando entre eles o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o da Afetividade, o da Solidariedade Familiar e o da Função Social da Família, sempre atentando para a salvaguarda dos direitos e das garantias individuais e a primazia dos aspectos pessoais em detrimento dos aspectos patrimoniais.
3.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A ocorrência das guerras mundiais e dos governos totalitaristas acarretou uma tendência humanizadora no Direito que passou a colocar o homem no centro das coisas e a considerá-lo como um fim em si mesmo. Assim, a dignidade da pessoa humana surgiu em um contexto de respeito e proteção encontrada originariamente na família, que é o lugar por excelência para a concretização de uma vivência digna e em comunhão. O referido princípio foi inicialmente manifestado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, mas a sua real efetivação só ocorreu com o advento das constituições pátrias. Desde a carta de 1824, as constituições brasileiras trazem esse preceito em seu texto, mas elas não foram harmônicas em sua valoração, pois sendo a dignidade humana um conceito histórico e cultural, sofreu mutações em seu significado através do tempo.
A Carta de 1988 inovou em seu artigo primeiro[1] e elevou o princípio ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito. Trata-se daquilo que se denomina princípio máximo, macroprincípio ou princípio dos princípios. O artigo 6º também afirma direitos sociais que o Estado tem o dever de concretizar através das políticas públicas, estando entre eles direitos intimamente relacionados à instituição familiar, como o direito à proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, educação e saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia e o lazer.
A doutrinadora Maria Helena Diniz moldura a dignidade da pessoa humana ao Direito de Família, observando a busca pelo pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros. O artigo 226 da Constituição em seus parágrafos 7º e 8º afirmam nesse sentido que:
Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
A família ganhou através da Constituição uma maior distinção. E, inferindo que a dignidade é algo imanente ao ser humano, tal princípio constitui suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro, condicionando a interpretação das suas normas e informando as prerrogativas e as garantias fundamentais da cidadania.
3.1.2 Princípio da Afetividade
Afeto significa sentimento de afeição, amizade, simpatia. Diz sobre o aparato moral de cada pessoa e é moldado através das experiências vividas, exteriorizando-se nas relações humanas. E apesar de durante muito tempo não ter sido analisado no âmbito jurídico como um recurso na busca pela justiça, a doutrina e a jurisprudência contemporânea tanto deram magnitude ao afeto que ele foi alçado ao patamar de princípio constitucionalmente implícito.
Assim, as relações de parentesco serão sempre regidas pelo princípio da afetividade. Sendo na família que o ser humano inicia o processo de socialização, formação para o mundo, desenvolve sua personalidade e encontra suporte na velhice, faz-se mister reconhecer o dever dos filhos de garantirem a qualidade de seus relacionamentos com seus pais, bem como garantir-lhes um desenvolvimento físico e psicológico saudável.
Em conclusão, infere-se que o amor e o afeto na família necessita ser resguardado para o bem da estrutura social e da comunidade, e para isso faz-se necessária a intervenção do Estado para assegurá-los, seja através do Executivo e das ações e políticas públicas, seja através do Judiciário e da interpretação e aplicação do Direito.
3.1.3 Princípio da Solidariedade Familiar
A solidariedade diz sobre o auxílio mútuo, o compromisso entre as partes e para o Direito, surgiu em um primeiro momento no campo do Direito das Obrigações. O princípio da solidariedade projetou-se no Direito de Família recentemente, apresentando-se como um vínculo sentimental, mas racionalmente determinado que impõe a cada pessoa deveres de amparo, assistência, cooperação, ajuda e cuidado em relação uns aos outros. Nessa esteira, o Estatuto do Idoso modificou o dever antes moral de amparo aos idosos em um dever jurídico, concretizando através do princípio da solidariedade o que antes era considerado apenas do íntimo do ser humano. Assim, o cuidado e o zelo são agora tratados como valores jurídicos que tem força coercitiva nas normas que tutelam pessoas vulneráveis como o idoso.
O artigo 229 da Carta de 1988 traz um exemplo de regra objetiva de tal princípio afirmando que “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. O artigo 230[2] também retrata a questão da assistência material e econômica, como também a afetiva e a psíquica, visando salvaguardar a vida em toda a sua plenitude.
Assim como o parentesco apresenta suas bonificações e vantagens também tem o seu ônus, o seu encargo. Cuidar dos parentes na melhor idade requer atenção e preparo e é uma atividade que deve ser compartilhada por todos da família em um especial compromisso do Estado, buscando todos como fim o bem-estar do idoso.
3.1.4 Princípio da Função Social da Família
A palavra Função deriva do verbo em latim fungor cujo significado reporta a desempenhar algo, cumprir um dever ou tarefa, executar um fim. A família sofreu nas últimas décadas intensas transformações, estando atualmente em contornos mais humanizantes à medida que tornou-se uma instituição despatrimonializada para atentar para os valores que cercam a pessoa humana.
O papel para com o idoso não é apenas de amparar-lhe nas suas dificuldades físicas, mas principalmente morais e psicológicas. Valorizar a pessoa, seus conhecimentos, opiniões e aconselhamentos, escutá-la com atenção e deixá-la se expressar são atitudes necessárias para que ela sinta-se segura, e não descartada no mundo contemporâneo.
Nesse sentido, o princípio da função social da família é resultado de uma mudança de paradigmas e valores que engrandecem a pessoa humana e a consideram o centro epistemológico da ciência jurídica, que vai nortear a interpretação e a aplicação do Direito.
3.2 A Política Nacional do Idoso - Lei nº 8.842 de 1994
A Política Nacional do Idoso concretizada através da Lei nº 8.842 de 4 de janeiro de 1994 surgiu em um contexto de necessidade de garantia de direitos, considerando o crescimento significativo da população correspondente a essa faixa etária no País. A lei reflete o desenvolvimento socioeconômico, os anseios e preocupações de uma sociedade que passa a enxergar o idoso com o uma pessoa que não está no fim da vida, mas que tem muito a contribuir e para isso, necessita de cuidados, respeito e proteção condizentes à sua realidade.
Composta por vinte e dois artigos, a Política Nacional traz em linhas gerais as diretrizes de atuação do Poder Público no atendimento aos direitos sociais das pessoas que estão na chamada “terceira idade”. Garantir-lhes autonomia, a integração e a participação efetiva na sociedade são objetivos elencados no artigo 1º. Logo em seguida a lei apresenta o conceito de idoso, que apesar de ser apresentado como toda e qualquer pessoa maior de 60 (sessenta) anos, é bastante questionado por esse marco delimitador de direitos dos mais velhos, não ser unânime em todos os dispositivos do ordenamento pátrio. O artigo 3º elenca os princípios norteadores da política destinada ao idoso. O artigo 4º, por sua vez, é bastante oportuno, apresentando as diretrizes da Política Nacional do Idoso e todo o conteúdo que vai direcionar a aplicação das verbas públicas.
Do artigo 5º ao 9º, este que foi inclusive vetado, há disposições sobre a organização e a gestão da política. O Capítulo IV de título "Das Ações Governamentais" elenca no artigo 10 as ações a serem realizadas pelo Poder Público nas diferentes áreas.
No âmbito do trabalho e da previdência social várias conquistas foram efetivadas com a constituição e a Política Nacional do Idoso que ressalta a importância da inserção da pessoa na terceira idade ao mercado de bem como, prioriza o atendimento do idoso nos benefícios previdenciários. Consideráveis dispositivos se revelam quanto a garantir acesso aos locais e eventos culturais mediante preços reduzidos e tratamento diferenciado no Judiciário.
O Capítulo V que tratava do Conselho Nacional teve seus artigos 11 ao 18 vetados, restando aos últimos artigos as disposições gerais. Assim, verifica-se que a Política Nacional do Idoso objetiva criar mecanismos para promover a longevidade com qualidade de vida, por meio de ações destinadas aos idosos.
3.3 O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741 de 2003?
Após uma longa gestação de seis anos, em 1º de outubro de 2003 foi promulgado o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) que traça diretrizes, princípios, regras e especifica fórmulas de atendimento às necessidades básicas.
Mas afinal de contas, quem é idoso? Tanto a Lei Maior como as leis infraconstitucionais utilizam o termo “idoso” em contraponto a “velho” devido a carga estigmatizante e pejorativa que este carrega. Quanto ao conceito, o ordenamento jurídico utilizou o caráter biológico-cronológico para definir quais pessoas estariam enquadradas na faixa etária melhor idade. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por sua vez, classifica como idosa a pessoa com mais de sessenta e cinco anos de idade em países desenvolvidos e com mais de sessenta em países em desenvolvimento. Enquanto a constituição brasileira passeia entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos no tocante à aposentadoria de homens e mulheres, o direito à gratuidade no transporte coletivo exige a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, vide art. 230, § 2º da Magna Carta. O Código Penal no artigo 65, inciso I apresenta como uma das circunstâncias atenuantes ser o agente maior de setenta anos na data da sentença, mesma circunstância em que os prazos de prescrição são reduzidos de metade segundo o artigo 115.
É preciso refletir que envelhecer é um fato natural e inerente à vida, cuja vivência é condicionada a diversos fatores como a herança genética, a cultura, o modo de se relacionar com o ambiente e com as outras pessoas, a situação socioeconômica, entre outros. Todas as pessoas, seguindo o curso natural da vida irão envelhecer, e precisam entender que buscar uma maior qualidade de vida na velhice, é garantir pra si e para seus familiares, uma vida mais digna e saudável. Essa por sua vez, só será alcançada se compartilhando esforços, os direitos dos idosos sejam cada vez mais efetivados pelo poder público mas, principalmente, respeitados pela população, que por diversas vezes menosprezam as normas de proteção às pessoas de melhor idade.
O dispositivo seguinte[3] sob o princípio da solidariedade é um dos mais importantes do estatuto, pois revela em seu texto os valores jurídicos a serem tutelados, as ações a serem realizadas, bem como os sujeitos responsáveis por tais execuções, a saber a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público. Em seu texto, a ênfase é destinada ao atendimento preferencial que abrange desde os recursos e às políticas públicas até a efetiva prestação de serviços de saúde e assistência social.
O artigo 4º busca preservar o idoso contra qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. O Título II “Dos Direitos Fundamentais” apresenta 10 capítulos catalogando do artigo 8º ao artigo 42 direitos sociais que conferem ao estatuto a categoria de norma de ordem pública, revelando um caráter protetivo dos direitos fundamentais da parcela idosa da população. O Título III compreende os artigos 43 a 45 e versam sobre as medidas de proteção destinadas ao idoso. Já o título seguinte “Da Política de Atendimento ao Idoso” compreende os artigos 43 a 64 e trata dos esforços dos órgãos públicos, dos entes de iniciativa privada, bem como organizações não-governamentais e da sociedade no emprego dos recursos econômicos, sociais, materiais e humanos visando o cumprimento dos benefícios legados aos idosos.
Antes de finalizar o estatuto com as Disposições Finais e Transitórias, o Título VI dispõe ainda sobre os crimes praticados contra uma pessoa de melhor idade ou contra algum de seus direitos, variando as penas entre detenção de 6 (seis) meses e reclusão de até 12 (doze) anos.
Nessa esteira, a promulgação do Estatuto do Idoso representa uma mudança de paradigma, de estereótipo, caracterizando-se como um verdadeiro plano afirmativo em prol da realização dos direitos. O envelhecimento saudável é um objetivo que o Estado brasileiro está calcando para que cada vez mais cresça o número populacional que consiga desfrutar a terceira idade de forma prazerosa.
3.4 Demais dispositivos legais inerentes aos direitos dos idosos
Além do Plano Nacional e do Estatuto, há também outros dispositivos infraconstitucionais que contém normas para pessoas de idade madura.
O Código Civil vigente em várias ocasiões visa resguardar os direitos dos idosos, estabelecendo garantias básicas como no artigo 1641, inciso II, onde se adota obrigatoriamente o regime da separação de bens para o casamento de maiores de setenta anos, buscando assim proteger o patrimônio do idoso e de sua família.
Outro avanço significativo está apontado nos artigos 1.695 e 1.696 que preveem sobre o dever mútuo de assistência entre pais e filhos, possibilitando ao idoso o pedido de pensão alimentícia quando não puder prover sozinho sua subsistência.
O Código Penal de 1940 também conta com dispositivos que beneficiam a pessoa de melhor idade. O artigo 65, inciso I prevê a atenuação da pena quando o agente é maior de setenta anos na data da sentença. Idade essa que também delimita a suspensão da pena conforme artigo 77, inciso III, parágrafo 2. O artigo 115 também contempla a maior idade em relação à prescrição no mesmo sentido do incido I do artigo 65, quando são reduzidos pela metade os prazos prescricionais. O Estatuto do Idoso ainda modificou a redação do § 3º do artigo 140 que trata do crime de Injúria, prevendo a aplicação de pena de reclusão de um a três anos e multa quando consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Na prática de outros crimes que não a da injúria, é aplicável então o artigo seguinte que trata do aumento de pena em um terço quando o sujeito passivo for pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência.
No campo do Processo Civil, houve um importante passo frente à efetivação dos direitos do idoso, principalmente no que se refere ao direito de ação que está expresso na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXXV através do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Assim, a Lei 10.173 de 2001 inseriu o artigo 1.211-A nas Disposições Finais e Transitórias do CPC que posteriormente teve sua redação modificada pela Lei nº 12.008 de 2009 estabelecendo que haverá prioridade na tramitação dos processos quando qualquer das partes contar com idade superior a sessenta e cinco anos.
No Processo Penal, as pessoas de melhor idade também recebem um tratamento diferenciado em algumas ocasiões. Como exemplo, a Lei nº 7.210 de 1984 conhecida como “Lei de Execuções Penais” protege o idoso em dois momentos: no artigo 32, parágrafo 2°, especificando que o trabalho atribuído a condenado com mais de sessenta anos deve ser compatível com a idade; e no artigo 177, que afirma o benefício da prisão domiciliar quando na execução da pena, o sentenciado for maior de setenta anos.
Assim, depreende-se que o Estatuto do Idoso é de grande valor e mérito na busca pela concretização dos direitos das pessoas de idade madura, mas não se deve desmerecer outros dispositivos infraconstitucionais, nem muito menos deixar de ir buscar na Constituição Federal de 1988 o embasamento de tais direitos e garantias.
4 Breves considerações sobre a Responsabilidade Civil
4.1 Conceito e Teorias Objetiva e Subjetiva
Não raro as pessoas se deparam no decorrer do dia diante das situações mais simples às mais complexas, com a seguinte indagação: de quem é a responsabilidade? Mas na verdade, o que significa ser responsável? Inicialmente é oportuno destacar que conforme ensinamento de Stolze e Pamplona (2011, p. 43), o vocábulo "responsabilidade" teve sua origem no verbo latino respondere, e traduz-se no compromisso de alguém em assumir as implicações de sua ação ou omissão. Juridicamente, está ligada ao aparecimento de uma obrigação, um dever originário que ao ser violado faz surgir a responsabilidade como um dever sucessivo ou derivado, que pode ser visualizado quando ocorre um descumprimento de lei ou dispositivo contratual.
Nos primórdios da civilização a busca pela compensação de um direito violado ocorria por meio do uso das próprias forças. Era a vingança privada, a justiça concretizada pelas mãos do ofendido através sempre de reações instintivas e violentas, onde sequer cogitava-se a culpa do ofensor.
Quanto à culpa, a doutrina brasileira apresenta as teorias objetiva e subjetiva conforme ela seja ou não elemento necessário à reparação do dano. Conforme se depreende do artigo 186[4] do Código Civil, a teoria subjetiva é resultante dos casos em que o agente causador atua com negligência ou imprudência. Concluindo a partir da concepção clássica, que só pode se falar em responsabilidade ou mesmo indenização se a vítima provar a culpa do agente.
Em contrapartida, há vezes em que ocorre a reparação aos danos causados, independentemente da discussão se o agente teve ou não culpa. Nesses casos, fala-se em responsabilidade objetiva, pois ela estaria presumida e dispensada de ser provada por parte do ofendido, bastando-lhe demonstrar o dano e o nexo causal. Assim, essa teoria está preocupada na atividade de risco do agente e na possibilidade de reparação do prejuízo, conforme apregoa o artigo 927 do Código Civil:
Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Malgrado o sistema civil brasileiro tenha se filiado em regra à teoria subjetiva, possui inúmeros dispositivos que regulam casos de responsabilidade objetiva. Como exemplos, o próprio Código Civil nos artigos 929 e 930, o 932 e 933, a Lei nº 6.367/76 que dispõe sobre acidentes de trabalho, a Lei nº 6.938/81 que trata dos danos ao meio ambiente, o Código de Defesa do Consumidor, entre outros.
Isto posto, cabe discutir também sobre a reponsabilidade civil dos filhos e demais parentes quando do abandono dos seus pais ou entes familiares de mais idade, visto que os tribunais pátrios ainda estão iniciando essa questão.
4.2 Pressupostos da responsabilidade civil
O artigo 186 do Código Civil apresenta a regra da responsabilidade civil no ordenamento pátrio informando em seu texto os requisitos para que seja caracterizada tal instituto obrigacional, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [grifo nosso]
Como se depreende da norma acima, a responsabilidade pode ser qualificada na relação jurídica mediante a ocorrência de algum fato que acarrete dano a outrem, não importando se o agente o cometeu voluntariamente ou assim se omitiu, ou mesmo se faltou-lhe a observância de um maior cuidado ou cautela, recaindo assim nas figuras da imprudência e da negligência. Dessa forma, são considerados pela doutrina majoritária pressupostos da responsabilidade civil: a ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade.
4.2.1 Ação ou omissão
O código prevê a responsabilidade por ato próprio, por ato de terceiro que esteja sob sua guarda e ainda pelos danos causados pelas coisas e animais que lhe pertençam. A regra fica por conta da ação ou da conduta positiva, pois para que esteja configurada a omissão é necessário que antes houvesse o dever jurídico de praticar determinado ato, bem como a segurança de que esta não foi realizada, mas que, caso houvesse sido, o dano poderia não ter sobrevindo. Assim, há que se falar em voluntariedade: o agente praticou ou deixou de praticar algum ato porque assim o decidiu, por sua culpa ou risco. Portanto, toda conduta, todo ato dirigido a uma finalidade, seja ela comissiva ou omissiva, é encarada como geradora de responsabilidade civil se produz consequências jurídicas ante a lesão provocada em um bem alheio.
4.2.2 Dano material e moral
Para que se torne possível o pagamento de indenização é necessário comprovar o dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado por alguém, pois, em regra não há responsabilidade civil sem ter havido a ocorrência de lesão ou prejuízo. O dano moral e a possibilidade de indenização têm previsão no código civil em seu artigo 186 e no artigo 5º, incisos V e X da constituição.
Os danos podem tanto ser de ordem material como de cunho moral, havendo ainda a previsão por alguns autores do dano estético. O dano material é também conhecido como patrimonial e afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistindo na perda ou deterioração total ou parcial de bens que lhe pertencem. Ele desdobra-se ainda em: dano emergente, que significa o efetivo prejuízo conhecido pela vítima, e o lucro cessante, que representa aquilo que a vítima deixou de auferir em virtude do ocorrido. Nesses casos a doutrina prefere utilizar a expressão ressarcimento em contraponto a indenização, melhor empregada nos casos de dano moral. Esta por sua vez, consiste na lesão aos direitos da personalidade ou à dignidade humana. A Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça prevê que é possível a cumulação de pedido de reparação material e moral quando oriundos do mesmo fato.
4.2.3 Nexo de causalidade
O nexo causal constitui a relação de causa e efeito entre a ocorrência do fato e o evento danoso, significando um elemento imaterial ou abstrato. Torna-se elemento necessário tanto para a caracterização da responsabilidade objetiva como subjetiva, sendo que neste caso o nexo é formado pela culpa genérica ou lato sensu, que inclui o dolo e a culpa estrita, conforme é a interpretação do artigo 186 do Código Civil. Já na responsabilidade objetiva o nexo é formado pela conduta, conforme a previsão legal de responsabilização sem culpa ou pela atividade de risco, inserta no artigo 927, parágrafo único, do referido código. O liame de causalidade é importante porque além de determinar a quem se deve atribuir um resultado danoso, é também indispensável na averiguação da extensão do dano, servindo como medida da indenização.
Quanto à teoria adotada pelo Código Civil brasileiro existe uma certa imprecisão, uma vez que uma parte da doutrina brasileira e internacional, como a francesa, acata a teoria da causalidade adequada por achar mais condizente. Enquanto a maior parte da doutrina nacional abraça a teoria do dano direto por assim fazer a interpretação do artigo 403 do CC/02 que diz que “ainda que a inexecução resulte do dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
Nem nas altas cortes a questão foi pacificada, tendo o Superior Tribunal de Justiça já decidido com bases nas duas teorias, entretanto, para efeitos didáticos, o mais apropriado é seguir o que a jurisprudência e a doutrina majoritária vêm apregoando: a aplicação da teoria do dano direito e imediato.
4.3 A responsabilidade civil no âmbito familiar
No Direito, a responsabilidade civil sempre esteve muito relacionada ao direito obrigacional e ao campo dos contratos, mas as relações familiares, por não possuírem este cunho negocial estiveram sempre a margem nessa discussão. No entanto, com as novas relações sociais e familiares instauradas, tal instituto adentrou também a seara do Direito de Família.
Tanto a constituição quanto as leis infraconstitucionais corroboram no sentido do princípio da solidariedade familiar, onde pais e filhos e demais parentes são uns responsáveis pelos outros, conforme assim necessitarem. E a grande questão da responsabilidade civil nas questões familiares gira em torno do abandono afetivo e a possibilidade de uma indenização que compensasse tal sofrimento. As jurisprudências negavam a admissibilidade de indenização ao dano moral ou enxergavam apenas a possibilidade quando tivesse reflexo pecuniário. Com o tempo, começaram a acolher a reparação do dano moral puro, por assim ponderar que havia uma afronta àquela espécie de direito, que não poderia deixar de ganhar a devida tutela por parte da ordem jurídica.
Sob o entendimento do magistrado Alexandre Miguel (2003, p. 23):
A obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito absoluto também é aplicável ao direito de família. Não se pode negar a importância da responsabilidade civil que invade todos os domínios de ciência jurídica, e, tendo ramificações em diversas áreas do direito, é de se destacar, dentro das relações de natureza privada, aquelas de família, em que igualmente devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil.
Imperioso ressaltar a finalidade da responsabilização no direito de família, que versa sobre a qualidade preventiva e educadora que tal sanção pode apresentar no comportamento individual e, por consequência, em toda a sociedade. Além de tentar de alguma maneira amenizar o sofrimento daqueles que suportam o descaso de seus parentes. Não se almeja nesse instituto, a patrimonialização das relações familiares nem o preço do afeto, mas apenas um conforto para a vida daqueles que não têm o privilégio de uma convivência amorosa e feliz com sua família.
5. O abandono afetivo inverso
A nomenclatura “abandono afetivo inverso” surgiu em contraponto às situações discutidas no Poder Judiciário onde o descumprimento do genitor em seu dever de sustento, assistência moral e material, começaram a ensejar indenizações a seus filhos. Nesse sentido, o então diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Jones Figueirêdo Alves (PE), declarou em entrevista ao sítio do IBDFAM consistir em abandono afetivo inverso:
A inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família.
O termo “inverso” corresponde justamente à situação contrária da relação paterno-filial, visto que o dever de cuidado da paternidade responsável possui o mesmo valor jurídico que os deveres filiais.
5.1 Conceito e panorama social: entre o amor e o dever
Na esfera jurídica, o abandono afetivo representa a ausência de carinho, afeição e assistência amorosa entre familiares, principalmente entre pais e filhos, ocasionando o desamparo de uns para com os outros. Por causa dessa deficiência na relação privada é cada vez mais comum as pessoas recorrerem ao Judiciário buscando a reparação em forma de pecúnia, principalmente quando as vítimas são pessoas que por natureza requerem um cuidado maior por sua condição de fragilidade como crianças e idosos. A afetividade deve receber a devida tutela por parte dos operadores do direito, sendo a busca por uma indenização nada mais do que a tentativa pelo abandonado de amenizar a humilhação e o sofrimento, O não reconhecimento da afetividade, conforme ensinamento de RIZZARDO (2007, p. 686), acaba por:
Nesta concepção, impedir a plena realização da afetividade, ou não oportunizar sua expansão, ou violentar ferindo, desprezando, menosprezando sentimentos que fazem parte da natureza humana, importa em amputar a pessoa na sua esfera espiritual e moral, cerceando a sua plena realização. Por isso, o direito não pode passar ao largo de certos estados pelos quais passa a pessoa, sem dar-lhe proteção, ou procurar ou reconstituir a ordem abalada ou afetada.
A problemática jurídica do abandono afetivo inverso está no objeto da responsabilização do filho por abandonar afetuosamente seu pai ou mãe idosa. Prestar auxílio material é um dever dos filhos e isso é indiscutível, posto que está elencado na constituição em seu artigo 230 que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando-lhes a dignidade e o seu bem-estar. Mas como assegurar que as pessoas mais velhas estarão sendo tratados com respeito e atenção? Infelizmente essa certeza não é possível. Por mais que um filho cumpra com suas obrigações de sustento para com seus pais, será impossível exigir deles uma convivência saudável baseada no companheirismo, na amizade e da solidariedade. E nessa esteira, o abandono afetivo acaba se tornando mais grave que o abandono material, visto que a deficiência financeira pode ser suprida por terceiros como amigos ou mesmo o Estado através dos seus programas, mas o carinho negado de um filho, não.
As causas do abandono afetivo inverso não estão calcadas em aspectos patrimoniais, econômicos, políticos ou sociais, pois o desamor não escolhe etnia, classe social, profissão, sexo ou idade. O voto pioneiro sobre o tema, da ministra relatora Nancy Andrighi no recurso especial nº 1.159-242/SP traz a melhor síntese sobre a relação entre o amor e o dever:
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. [...]
o fato é dentre os elementos necessários à caracterização do dano moral, quais sejam, o dano, a culpa do autor e o nexo causal, o elemento culpa não se configura. [...]
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. [...]
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
(STJ - REsp nº 1.159.242/SP (2009/0193701-9). Rel. Ministra Nancy Andrighi. Segunda Seção, julg. 24.04.2012). [grifo nosso]
Não há como obrigar um ser humano a amar outro, pois o amor é involuntário e livre de escolhas. Já o dever de cuidado incutido na lei pode ser imposto através de sanções de cunho penal e civil. Não amar, não significa não dar o mínimo essencial de atenção e aconchego. Quando criança o pai ajudou seu filho a dar os primeiros passos, deu-lhe comida na boca, banho, trocou sua roupa e ensinou a falar. Os personagens mudam de lugar e os papéis se invertem à medida que os pais vão envelhecendo e nesse momento é o idoso quem necessita desse tipo de atenção: de escutá-los com paciência, ajudá-los em sua higienização, apoiá-los no caminhar e mesmo ensinar a eles o novo, inserindo-os na atualidade para que eles não se sintam excluídos da vida contemporânea.
A jurista Gisela Maria Fernandes Moraes Hironaka idealizou a Teoria do Desamor sob as vestes do princípio da afetividade e defende a possibilidade de indenização pelo pai que, apesar de ter cumprido a obrigação de ajudar financeiramente o filho, não o amparou no aspecto emocional. Em semelhança de casos, a teoria também pode ser aplicada no abandono afetivo inverso, visto que gradativamente a jurisprudência dos tribunais tem reconhecido a necessidade de oferecer tutela jurídica à afetividade familiar em todas os seus tipos de relação.
O afeto como um valor jurídico alia pressupostos que vão muito além do amor e das demonstrações de carinho, mas vislumbra-se na exata medida do cuidado, no zelo e na atenção dispensados, reconhecendo em cada pessoa um ser detentor de dignidade e direitos. Logo, constata-se nas situações de abandono afetivo a presença dos elementos caracterizadores da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão, nexo de causalidade e dano.
A ação ou omissão faz-se presente no comportamento e conduta adotados pelos filhos que deixam os pais amorosamente desamparados, infringindo direitos como a convivência familiar. O nexo de causalidade é facilmente verificado por haver entre as partes uma relação de familiaridade, seja de natureza biológica ou socioafetiva. O dano, apesar de parecer ser de fácil constatação, muitas vezes não é, podendo então o juiz diligenciar no sentido de juntada de laudos psicológicos e psiquiátricos, bem como de estudo social e provas testemunhais.
5.2 Consequências do abandono às vítimas
Apesar de a ausência afetiva causar principalmente danos à personalidade do indivíduo, estes não são de rara constatação. É pacífico nos estudos da psicologia e da psiquiatria o fato de que o abandono reflete na pessoa abandonada ocasionando a falta de autoestima, de segurança e confiança, gerando assim inquietudes, perturbação da tranquilidade psíquica, solidão, ansiedade e depressão.
O idoso quando sozinho em sua casa ou em asilos, mas longe de sua família começa na maioria das vezes, a desenvolver doenças no ânimo, refletindo assim em seu corpo. A angústia em saber se vai voltar pra casa, a saudade de sua família e a insegurança do ambiente desconhecido acarretam no idoso problemas psíquicos que certamente não teriam se instaurado se ele estivesse sob os cuidados e o carinho de seus parentes.
Assim, os idosos abandonados sofrem não só com os problemas afetivos ou psíquicos quando se encontram nessas situações. Mas acabam também transformando todo esse sentimento e dor em doenças físicas, que poderiam nem ter surgido se a relação familiar houvesse sido diferente. O pior dos casos, no entanto, ocorre quando as doenças se agravam e levam as pessoas de mais idade à morte.
5.3 O dano moral e a possibilidade de responsabilização
Alguns autores discutem qual a melhor terminologia a ser utilizada: se dano “moral”, “extrapatrimonial” ou “imaterial” No entretanto, as três nomenclaturas são bem aceitas e utilizadas na jurisprudência.
O dano moral é caracterizado como sendo aquele que afeta a esfera personalíssima da pessoa humana, lesionando interesses como a honra, a intimidade, a imagem, reputação, sentimentos. Apesar de ainda haver um certo desconforto por parte de alguns estudiosos quanto à possibilidade de sua reparação, o tema não é novo na seara jurídica. Há disposições normativas em legislações antigas como o Alcorão e a Bíblia onde se afirmava a compensação pecuniária àqueles que tinham a honra e a moral afetadas por conta de traição decorrentes das relações matrimoniais. No direito romano, os cidadãos que fossem vítimas de injurias poderiam valer-se da ação injuriarum aestimatoria, cujo pedido principal era a reparação ao dano em dinheiro. No Brasil, havia inicialmente uma rejeição à tese que permitia o ressarcimento do dano moral. Somente após o advento da Constituição e posteriormente do Código Civil, é que se pode afirmar com maior convencimento da possibilidade de reparação.
O descaso e a indiferença ocasionados por um parente afetam mais profundamente o direito da personalidade e da dignidade humana e acarretam tristeza e decepção, não se restringindo ao mero dissabor ou aborrecimento. Assim, inadmitir a aplicação da indenização é corroborar com a violação de um direito e permitir que certos atos se perpetuem. A negação do amparo afetivo, moral e psíquico produz danos à personalidade do idoso, sendo um real tolhimento dos valores mais sublimes e virtuosos do indivíduo como a dignidade, a honra e a moral. A consequência da omissão dos filhos gera dor, sofrimento e angústia, acarretando muitas vezes no surgimento de doenças como a depressão e a ansiedade e contribuindo para o agravamento de doenças comuns nessa faixa etária e, por fim, para a morte prematura.
Apesar do debate, a própria Lei Maior, no inciso X, artigo 5º institui a possibilidade de reparação por danos morais decorrentes de constrangimento, humilhação ou sofrimento, nos casos aqui retratados pelo abandono afetivo. BRANCO (2006, p. 116) pontua que:
Havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros.
Assim, a responsabilidade dos entes familiares deve ser objetiva, de tal modo que não seja necessária a comprovação da culpa em juízo. Ora, se há dispositivos no ordenamento pátrio que atribuem um dever de cuidado e assistência entre os membros da família, porque ainda questionar o elemento culpa? O próprio ato voluntário e consciente, a conduta negligente ou imperita ou mesmo a atividade que possa causar algum risco devem ser consideradas como aptas a gerar o dano. O dever de cuidado objetivo é inclusive o entendimento majoritário da doutrina para os casos de responsabilidade dos pais com os filhos menores. Nesse sentido, entende-se ser perfeitamente aplicável aos casos inversos. Logo, o foco da questão é comprovar o nexo de causalidade entre o dano e a conduta omissiva ou comissiva para assim para caracterizar a compensação.
5.4 A reparação, o quantum indenizatório e sua finalidade
A indenização pecuniária pelo dano moral causado ao idoso não busca condenar o filho pela falta de amor, mas sim pelas atitudes realizadas que ocasionaram transtornos morais e psíquicos. Ninguém é obrigado a amar um pai ou uma mãe, por mais estranho e absurdo que isso possa parecer, mas é sim, obrigado a prestar-lhe a devida assistência material e imaterial. Assim, o que se busca é uma satisfação pessoal da vítima no sentido de que o agente causador responda pelas consequências de seus atos, indenizando o pai ou mãe abandonados em forma de dinheiro, de maneira que este possa lhes servir para amenizar o sofrimento, muitas vezes reparando um problema de saúde ou mesmo se revestindo de natureza alimentar.
A grande problemática na aceitação da tese indenizatória do dano afetivo está em dois sentidos: primeiro a presença dos pressupostos da responsabilidade como a demonstração jurídica na ilicitude da conduta em não dar afeto, a prova do dano e o nexo de causalidade; segundo, o quantum debeatur nas indenizações. É muito clara a interpretação dos dispositivos constitucionais já elencados que garantem aos idosos direitos a serem assegurados pela família, sendo portanto atribuído aos filhos um dever objetivo de cuidado. A assistência material e imaterial seja por uma conduta comissiva ou omissiva, voluntária ou não, deve ensejar a responsabilização daqueles que tinham por obrigação proteger e amparar.
Quanto ao dano, a dor da perda e do abandono é irreparável e acarreta problemas psicológicos e emocionais cuja aflição ultrapassa o mero aborrecimento ou dissabor. As consequências, em alguns casos, são de fácil constatação, uma vez que os problemas psicológicos debilitam e afetam fisicamente o ser humano. Quando assim não for, o juiz pode valer-se de estudos sociais, testemunhos e laudos psíquicos para atestar os abalos sofridos, devendo averiguar também fatores como o grau da sequela, as situações vexatórias e a gravidade dos atos. Cabe ainda ao judiciário, a partir da análise do caso concreto, calcular o valor da indenização, conforme artigo 944 e 953, parágrafo único do Código Civil.
Outra importante questão debatida é quanto à finalidade da condenação. A melhor doutrina aponta para duas principais, sendo uma à vítima, que visa reparar ou amenizar os danos causados à ela; e a outra ao ofensor e mesmo à sociedade, devendo servir de medida sancionatória ou punitiva que visa desestimular tais condutas.
O caso mais conhecido a respeito do tema vem da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve em 2012, por maioria de votos, a decisão que condenou um pai a pagar à filha uma indenização no valor de R$ 200 mil (duzentos mil reais) em decorrência do abandono afetivo. Em seu voto, o magistrado Marco Buzzi destacou que "não se trata de compensar danos extrapatrimoniais diante de fatos corriqueiros ou falta de amor. [...] Amor não pode ser cobrado, mas afeto compreende também os deveres dos pais com os filhos [...]”.
Percebe-se que o tema da responsabilidade civil em consequência do abandono afetivo ainda é recente no Judiciário brasileiro. Mas essa realidade tende a ser modificada tendo em vista as discussões e debates suscitados, por isso, faz-se mister o aprofundamento das questões levantadas sobre o tema para que haja um posicionamento seguro da doutrina e uma efetiva prestação jurisdicional, garantindo-se assim, a concretude dos direitos dos idosos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a crescente expectativa de vida, o olhar destinado ao idoso começou a ser modificado com a promulgação das Leis nº 8.842/94 (Política Nacional do Idoso) e nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que vieram para confirmar o projeto do Estado Democrático de Direito em resgatar a dignidade da pessoa humana e efetivar os direitos fundamentais.
Nesse sentido, é crescente o debate sobre a responsabilidade civil da família em decorrência do abandono afetivo inverso, caracterizado como a ausência de afeto ou ainda a não permanência do cuidar dos filhos para com os genitores. Amparados pelos princípios da afetividade e da solidariedade familiar, assim como no modelo de proteção integral, os idosos buscam no Judiciário uma indenização aos danos sofridos quando violados direitos personalíssimos como a integridade moral, física e psíquica, a imagem, a intimidade.
Assim, está presente o ato ilícito configurado na conduta omissa, negligente ou imperita e o nexo causal pelo vínculo familiar que une os agentes, enquanto o dano pode ser facilmente constatado na observação do idoso e de suas condições. Portanto, considerando o dever objetivo de cuidados dos filhos para com seus pais, não é necessário o questionamento de culpa, uma vez que ela já está inserta na própria conduta.
Dessa forma, resta configurada a responsabilidade civil com possibilidade de indenização por danos morais cuja finalidade não é a de quantificar o amor, mas sim a de amenizar de alguma maneira o dano sofrido ao pai idoso, bem como para que o agente causador cesse com sua conduta e não volte a reiterá-la. Gradualmente seja estabelecida uma consciência de proteção e amparo na sociedade, através da imposição normativa e dos julgados dos tribunais pátrios.
Joyce Cibelly de Morais Lima
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Pós graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Estácio-CERS.
Advogada.
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[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. [grifo nosso]
[2]Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
[3] Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. [...].
[4] Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
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