Artigos
Abandono afetivo e a obrigação de indenizar
GARROT, Tamis Schons [1] KEITEL, Ângela Simone Pires [2]
Resumo: A falta de convivência e o distanciamento dos pais com os filhos, que o presente trabalho, tem como objetivo abordar, bem como as consequências da falta de afeto gerado devido ao abandono afetivo. Ainda discute acerca das sequelas emocionais e reflexos permanentes devido à existência de sentimentos de dor e abandono, uma vez que o afeto é de grande importância na construção da personalidade do indivíduo. Dentro desse contexto, nasce o dever de indenizar diante do abandono afetivo. A lei responsabiliza os pais no que tange aos cuidados com os filhos, uma vez que a falta deste viola os valores protegidos constitucionalmente. Porém, e apesar de não ser possível obrigar alguém a amar outra pessoa, neste artigo será abordado que a indenização por abandono afetivo tem se mostrado eficiente para conscientização dos pais, uma vez que os Tribunais do País aos poucos estão demonstrando em suas decisões a possibilidade de indenização pelo abandono afetivo. A pesquisa será essencialmente exploratória, utilizando-se do método bibliográfico, através de informações digitais, baseando-se nas fontes da doutrina, jurisprudenciais. Dessa forma, este artigo pretendeu demonstrar que abandono dos filhos, gera grandes danos e consequências, uma vez que a família é o centro de tudo, ou seja, essencial para a formação e desenvolvimento saudável dos filhos, fato este que tem levado tribunais a reconhecer a obrigação de indenizar.
Palavras-chave: Família. Afeto. Abandono. Dano. Indenização.
AFFECTIVE AND ABANDON THE OBLIGATION TO INDEMNIFY
Abstract: Lack of familiarity and estrangement from parents to their children, the present work aims to address, as well as the consequences of the lack of affection generated due to emotional abandonment. Also discusses about the emotional sequelae and permanent owing to feelings of hurt and abandonment reflexes, since affection is very important in building the personality of the individual. Within this context there arises the duty to indemnify before the emotional abandonment. The law holds parents responsible when it comes to caring for the children, since the lack of this violates constitutionally protected values. However, despite this not be possible to force someone to love someone else, this article will address the compensation for emotional neglect has been shown effective for parent education, since the courts of the country are slowly demonstrating their decisions on the possibility of compensation for emotional abandonment. The research is essentially exploratory, using the literature method using digital information, based on the sources of doctrine, jurisprudential. Thus, this article sought to demonstrate that neglect of children, creates major damage and consequences, since the family is the center of everything that is essential for the formation and development of healthy children, a fact that has led courts to recognize the obligation to indemnify.
Keywords: Family. Affection. Abandonment. Damage. Indemnification.
1 Considerações Iniciais
O instituto família tem sido estudado pelas mais diversas ciências, abordando e explicando as transformações destas relações ocorridas no tempo. O reflexo destes estudos formou novos paradigmas para o Direito de Família e suas relações sócio jurídicas.
Atualmente, é possível encontrar no Estatuto da Criança e Adolescente o reflexo dos Princípios Constitucionais no que refere à convivência familiar, não necessariamente diária, mas capaz de reforçar os conceitos referentes à moral, físico, psicológico, mental e social, suficientes para a construção da vida adulta desta criança, desempenhando as ações de assistir, criar e educar os filhos.
Entretanto, e apesar da Lei não falar claramente sobre os laços afetivos, seus diversos enunciados são baseados em preceitos da convivência familiar. Ao mesmo tempo em que a norma é uma imposição aos pais, ela protege a figura do filho, tornando o Estado e a sociedade também responsáveis por garantir o cumprimento de uma obrigação, uma vez que cabe aos filhos o direito de ter a companhia e a convivência dos pais.
A família é à base da sociedade, a qual possui especial proteção do Estado, fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, tendo em vista que o planejamento familiar é a livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Já no que concerne à omissão do poder familiar, o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 1638, do Código Civil, pune na forma da lei com a suspensão ou a extinção do poder familiar, o pai que negligenciar, discriminar, explorar, agir com violência ou crueldade, descumprindo assim os direitos fundamentais da criança.
Porém, o abandono não é aquele exclusivamente material, mas qualquer forma que demonstre que a criança está desamparada, pois, não receber afeto incide em abandono, uma vez que podemos considerar que o afeto é gênero enquanto o amor é espécie.
Ademais, o pai que não dedica os devidos cuidados médicos ao seu filho, não o mantém estudando, não lhe guarda os momentos de lazer, não lhe provê os recursos materiais e não lhe orienta sobre o bem e o mal na convivência social é omisso e demonstra deixar em abandono o filho, um abandono moral destituído dos laços de afeto.
Contudo, a afetividade é elemento basilar da convivência familiar no que concerne a paternidade onde a criança deve ser amparada moralmente e materialmente, sendo que o pai que descumpre esta obrigação jurídica deixando o filho em abandono afetivo deve responder perante o estado nas sanções previstas em lei, uma vez que a ninguém é dado o direito de causar dano a outrem e se assim o fizer deve repará-lo para que possa minimizar os prejuízos sofridos.
Para a realização deste artigo foi utilizada pesquisa na internet, bibliográfica, jurisprudencial, bem como legislação, qual seja, Constituição Federal/1988, o Código Civil e o Estatuto da Criança e Adolescente.
Em razão disso, a pesquisa esta dividida em duas subseções, sendo que a primeira discorre sobre o direito ao afeto, dimensões do poder familiar, bem como sobre o afeto enquanto valor jurídico e na constituição da personalidade do indivíduo.
Já a segunda, fala sobre abandono afetivo e o dever de indenizar, reconhecido por jurisprudências, comprovação do dano e valor a ser indenizado pela falta de afeto.
Com isso, o presente artigo teve por finalidade demonstrar a importância da família e convivência familiar entre pais e filhos, sendo que a falta de afeto gera grandes danos emocionais, os quais são passíveis de indenização pela falta de amor, carinho, que o indivíduo deixou de ter, diante do descumprimento de uma obrigação assegurada por Lei.
2 DIREITO AO AFETO
O afeto é direito e elemento basilar da convivência familiar, onde a criança ou adolescente deve ser amparada moralmente e materialmente.
Entretanto, a falta deste enseja danos aos filhos, uma vez que nutrem a expectativa de serem criados e assistidos por seus pais de forma cuidadosa, amorosa e afetuosa. Assim, com base no conceito de poder familiar e de que os pais tem o dever de proteger seus filhos, mas acima de tudo dar-lhes afeto, dispõe Dias (2011, p. 425): “A autoridade parental está impregnada de deveres não apenas no campo material, mas, principalmente, no campo existencial, devendo os pais satisfazer outras necessidades dos filhos, notadamente de índole afetiva”.
Porém, o afeto constitui um direito individual, ou seja, uma liberdade que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, uma vez que se fazem necessárias ao bem comum de todos.
Nesse sentido entende Dias (2013, p. 363 apud HOPPE, 2014, p. 18):
A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou crianças e adolescentes em sujeitos de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações descriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos havidos por adoção (CF 227 § 6º).
Assim, ao mesmo tempo em que a norma é uma imposição aos pais, ela protege a figura do filho, tornando o Estado e a sociedade responsáveis por garantir a obrigação de uma paternidade responsável, cabendo aos filhos o direito de ter a companhia e a convivência dos pais.
Contudo, o pai que descumpre este direito, não proporcionando afeto ao filho deve responder perante o estado nas sanções previstas em lei.
2.1 O afeto enquanto valor jurídico (sócioafetividade)
O afeto é o principal fundamento das relações familiares, uma vez que este decorre da valorização constante da dignidade humana, sendo que na esfera do direito de família as relações de afeto são encontradas com maior ênfase e implicam uma serie de consequências, as quais irão levar o indivíduo ao seu desenvolvimento.
Porém, enquanto valor jurídico demonstra a grande evolução que o direito de família vem conquistando, uma vez que o afeto passou a fator relevante nas soluções dos conflitos familiares, sendo considerado a essência da filiação, já que o amor exerce valor jurídico.
No contexto afetivo, cito trecho do entendimento da Juíza de Direito Carine Labres, ao proferir sentença reconhecendo o direito de irmãos terem o nome de duas mães na certidão de nascimento: “as relações de afeto têm desafiado os legisladores que, muitas vezes, arraigados ao preconceito, ao termo de críticas que maculam a imagem daqueles que almejam a reeleição, silenciam face à realidade que lhes salta aos olhos”.
O afeto assume uma posição de direito fundamental, dentro do direito de família, sendo também criador de entidades familiares e de outros relacionamentos socioafetivos. Se não vejamos jurisprudências a respeito:
Negatória de paternidade. Exame de DNA conclusivo pela exclusão da paternidade. Prova da falta de reconhecimento da realidade biológica a cerca da paternidade à época do registro que se mostra diabólica. Paternidade socioafetiva. Laços entre o autor e a criança que surgiram da presunção de paternidade. Ausência de prova de que o vínculo se manteve. Relação que não se mantinha a força. Recurso desprovido. [3]
Apelação cível. Negatória de paternidade. Ausência de erro na manifestação de vontade no registro de paternidade. Não tendo o apelante logrado êxito em provar que registrou o filho/apelado com a vontade viciada pelo erro, bem como demonstrada a relação de socioafetividade, correta a sentença que julgou improcedente o pedido negatório de paternidade. Negaram provimento. [4]
No entanto, o afeto deixa de ser de interesse particular daqueles que o sentiam, no momento em que entram na esfera judicial, confirmando dessa forma sua importância.
Assim, o afeto em relação ao valor jurídico é de grande relevância, uma vez que a afetividade passou a ter um maior espaço no âmbito do direito de família. Nesse contexto, merecem destaque as palavras de Dias (2013, p. 363 apud HOPPE, 2014, p. 31), no que diz respeito à filiação:
[...] Tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial. Ampliou-se o conceito de paternidade, que compreende o parentesco psicológico, que prevalece sobre a verdade biológica e a realidade legal. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente de sua origem, se biológica ou afetiva. A ideia de paternidade está fundada muito mais no amor que submetida a determinismos biológicos.
O afeto tornou-se muito importante não somente para a vida social, mas também para a compreensão desse valor nas relações do direito de família, razão pela qual o afeto representa elemento de relevo e deve ser considerado, conforme estabelece o princípio da dignidade da pessoa.
De acordo com Madaleno (2000, p. 8 apud DILL, CALDERAN, 2010, p. 04):
Os filhos são realmente conquistados pelo coração, obra de uma relação de afeto construída a cada dia, em ambiente de sólida e transparente demonstração de amor a pessoa gerada indiferente origem genética [...]. Afeto para conferir tráfego de duas vias a realização e a felicidade da pessoa. Representa dividir conversas, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações; mostrar caminhos, receber e fornecer informação. Significa iluminar com a chama do afeto que sempre aqueceu o coração de pais e filos socioafetivos, o espaço reservado por Deus na alma e nos desígnios de cada mortal, de acolher como filho aquele que foi gerado dentro do seu coração.
Dessa forma, o vínculo afetivo deve ser sempre considerado também diante dos conflitos judiciais, tendo em vista que o amor para a sociedade é extremamente importante, pois sem ele não há vida e não havendo vida, não há dignidade e, consequentemente, o direito não cumpre com sua obrigação e função.
2.2 Dimensões do poder familiar
A família é parte essencial no desenvolvimento da criança e do adolescente, sendo que, a permanência destes em um ambiente saudável e tranquilo, com a participação constante dos pais nas decisões relacionadas aos filhos, é capaz de proporcionar-lhes um melhor desenvolvimento.
Ademais, cabe salientar que de acordo com Gonçalves (2009, p.129): “poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”. Sendo assim, cabe aos pais dar proteção e propiciar o desenvolvimento, bem como a formação integral das crianças e adolescentes.
Neste mesmo contexto a Constituição Federal de 1988, no seu art. 226, §7º dispõe que:
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Já no que concerne à omissão do poder familiar, o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 1638, do Código Civil, pune na forma da lei com a suspensão ou a extinção do poder familiar, o pai que negligenciar, discriminar, explorar, agir com violência ou crueldade descumprindo assim, os direitos fundamentais da criança.
No entendimento de Dias (2007, p. 407.), o conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar.
O direito dos filhos está ligado aos deveres dos pais, sendo assim, o entendimento vigente é o da total proteção da criança e do adolescente.
A Constituição Federal de 1988 impõe à família, à sociedade e ao Estado a proteção da criança e define:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, a lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Diante dos deveres do poder familiar, é de grande importância que os pais tenham a companhia de seus filhos, dando a eles a direção, criação e educação, e esses deveres compete aos cônjuges em comum, mesmo que separados.
Nesse sentido, Dias (2011, p. 425), salienta:
O poder familiar é irrevogável, intransferível, inalienável, imprescritível e decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal e da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados.
Entretanto, o poder familiar não se reduz aos incisos do art. 1.634 do Código Civil, que tratam de criação, educação, assistência, representação, entre outros, esse poder deve ser entendido como a obrigação dos pais de dar aos filhos sentimentos positivos, tais como afeto e amor, contribuindo dessa forma, para o desenvolvimento de sua personalidade.
Os pais têm o direito-dever de visitar, de convivência afetiva em relação aos filhos, sendo que o poder familiar é um direito-dever estabelecido em igualdade entre os pais, sendo que tais deveres estão inseridos na Constituição Federal 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil.
Ademais, o ordenamento jurídico não altera a faculdade de estabelecer julgamentos morais de atos realizados pelos pais, no entanto pode trazer soluções e a prevenção de situações onde se verifica a negligência inadmissível com os filhos. O Estado deve dar garantias a todos os cidadãos no que concernem os direitos elencados na Constituição Federal principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais.
2.3 A importância do afeto na constituição da personalidade do indivíduo
Para um desenvolvimento saudável de uma criança é necessário à convivência familiar como valor primordial na vida desta, no que diz respeito à formação de um cidadão.
Os pais têm papel importante para bom desenvolvimento da criança, as consequências de uma criação má conduzida são a principal fonte para o desajuste social de toda e qualquer pessoa, uma vez que para que a criança tenha um desenvolvimento pleno e com dignidade é necessário que ela viva num ambiente saudável dentro do seio familiar, sob pena de interferência na sua personalidade.
A orientação educacional, psicológica e afetiva dos pais é fundamental na formação dos filhos, por isso a assistência representa importante valor para o regular desenvolvimento dos filhos.
De acordo com Chalita (2001, p. 20 apud FABRINO, 2012, p. 20), os pais possuem o dever de educar e auxiliar na formação da personalidade dos filhos:
[...] a família tem a responsabilidade de formar o caráter, de educar para os desafios da vida, de perpetuar valores éticos e morais. Os filhos se espelhando nos pais e os pais desenvolvendo a cumplicidade com os filhos. [...] A preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção do ser são responsabilidades da família. É essa a cédula mãe da sociedade, em que os conflitos necessários não destroem o ambiente saudável.
Entretanto, a ausência da convivência familiar pode gerar danos irreparáveis, capazes de mexer na estrutura do ser humano, uma vez que ausência por si só causa dano, abalo na esfera psicológica e afetiva de um filho, razão pela é necessário muitas vezes da intervenção do judiciário.
A função paterna e materna é essencial, bem como complementares para a formação do sujeito, uma vez que é importante ter influencias diferentes para desenvolvimento do psíquico.
De acordo com Almeida (1999, p. 45 apud MARX, 2008, p. 29):
[...] as relações familiares exercem um papel ordenador para a vida da criança. Daqui resulta o importante papel do meio para a evolução da criança. A importância das relações humanas para o crescimento do homem está escrita na própria história da humanidade. O meio é uma circunstância necessária para a modelagem do indivíduo.
Ademais, a falta de afeto, amor, proteção pelos pais ao filho pode acarretar grandes problemas psicológicos, sentimentos de abandono e rejeição, os quais são muitas vezes irreversíveis, afetando ainda na construção da personalidade do indivíduo, tendo em vista que a presença dos pais na criação e desenvolvimento desde a infância é capaz de torná-lo um adulto mais saudável e preparado para enfrentar o mundo.
Diante disso, e a fim de evitar que cresça a cada dia o abandono e descaso dos pais para com os filhos, que os tribunais estão a cada dia julgando favoravelmente e indenizando os filhos pelo abandono, diante das graves sequelas que ficam na vida destes.
3 Abandono afetivo e o dever de indenizar
A família deve ser vista como o ponto central da essência do ser humano, razão pela qual o abandono afetivo gera a necessidade de reparação.
Diante disso, que o abandono não é aquele exclusivamente material, mas qualquer forma que demonstre que a criança está desamparada, sendo que, não receber afeto incide em abandono, bem como no dever de indenizar.
Ademais, um aspecto importante de observar é a necessidade de condenação dos pais a pagar indenização pelo dano psicológico causado em decorrência de sua omissão na formação e desenvolvimento do filho, tendo em vista que a cada dia este problema vem crescendo, ocasionando um dano na vida do filho, tornando-o emocionalmente abalado pelo abandono afetivo.
Entretanto, é o entendimento jurisprudencial de mais de um tribunal, os quais passaram a impor ao pai o dever de pagar indenização a título de danos morais, é o que sustenta Dias (2007, p. 406.): “Independe do pagamento de pensão alimentícia, o abandono afetivo gera a obrigação de indenização pela falta de convívio”.
Diante disso, que muitas ações com o caráter indenizatório têm sido debatidas no judiciário brasileiro, como forma de gerar responsabilidade civil indenizatória pelo abandono afetivo.
No Rio Grande do Sul em 2003, o juiz Mario Romano Maggioni ao proferir sua sentença, processo nº 141/1.03.001232-0 da Comarca de Capão da Canoa/RS, condenou um pai em primeira instância a pagar uma indenização fixada em R$ 48 mil reais (200 salários da época), isto abriu precedente favorável ao pagamento da indenização, fundamentando que conforme a legislação brasileira, a educação abrange a convivência familiar, onde é inerente o amor, o afeto, o respeito e a dignidade indispensáveis ao desenvolvimento da criança.
Nesse sentido cabe citar parte da decisão do juiz Maggioni:
Vistos. I- D.J.A ajuizou ação de indenização por danos morais contra D.V.A inicialmente qualificados. Referiu, em suma, que é filha do demandado. Desde o nascimento da autora o pai abandonou-a material (alimentos) e psicologicamente (afeto, carinho, amor). Houve ação de alimentos e diversas execuções. Em ação revisional o demandado avençou pagar R$ 720,00 mensais e assumir o papel de pai. Novamente não honrou com o avençado, não demonstrando qualquer amor pela filha. Tal abandono tem trazido graves prejuízos à moral da autora. Requereu pagamento de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais) a título de indenização por danos morais. Citado (fl. 27), o demandado restou silente. O Ministério Público manifestou-se pela extinção (fls. 29-33). Vieram os autos conclusos. Relatados. Decido. II- A questão comporta o julgamento do processo no estado em que se encontra. Trata-se de revelia (art. 330, II, do Código de Processo Civil). Citado, o requerido não contestou a ação. Presumem-se, assim, verdadeiros os fatos afirmados pela autora (art. 319, Código de Processo Civil). De se salientar que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da Lei n.o. 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme. Desnecessário discorrer acerca da importância da presença do pai no desenvolvimento da criança.
Nesta primeira parte da decisão já pode-se perceber, nas palavras do juiz, a dimensão acerca da importância da presença do pai no desenvolvimento da criança. A seguir mais alguns dos argumentos que fundamentaram a sentença.
A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhe dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos. De outra parte se a inclusão no SPC dá margem à indenização por danos morais pois viola a honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai. É menos aviltante, com certeza, ao ser humano dizer "fui indevidamente incluído no SPC" a dizer "fui indevidamente rejeitado por meu pai". Nessa senda, não se apresenta absurdo o valor inicialmente pretendido. Acresço que não houve impugnação ao valor, presumindo-se-o bom. Por óbvio que o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém a ser pai. No entanto, aquele que optou por ser pai - e é o caso do autor - deve desincumbir-se de sua função, sob pena de reparar os danos causados aos filhos. Nunca é demais salientar os inúmeros recursos para se evitar a paternidade (vasectomia, preservativos, etc.). Ou seja, aquele que não quer ser pai deve precaver-se. Não se pode atribuir a terceiros a paternidade. Aquele, desprecavido, que deu origem ao filho deve assumir a função paterna não apenas no plano ideal, mas legalmente. Assim, não estamos diante de amores platônicos, mas sim de amor indispensável ao desenvolvimento da criança. A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação).
Já neste trecho verifica-se que o magistrado, além de destacar que hoje existem inúmeros recursos para se evitar a paternidade (que não é o caso do autor), destaca também que o sustento é apenas uma das parcelas da paternidade e que ao decidir ser pai é preciso ser na sua plenitude legal. Segue a parte final da decisão do eminente julgador:
Quando o legislador atribui aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal pois não está bem educando seu filho. O demandado não contestou; portanto, presume-se que não está ensejando boa educação (amor, carinho, companhia, etc.) à filha. A ausência de alimentos poder-se-á suprir mediante execução de alimentos. Os prejuízos à imagem e à honra da autora, embora de difícil reparação e quantificação, podem ser objeto de reparação ao menos parcial. Uma indenização de ordem material não reparará, na totalidade, o mal que a ausência do pai vem causando à filha; no entanto, amenizará a dor desta e, talvez, propiciar-lhe-á condições de buscar auxílio psicológico e confortos outros para compensar a falta do pai. E, quanto ao demandado, o pagamento de valor pecuniário será medida profilática, pois fá-lo-á repensar sua função paterna ou, ao menos, se não quiser assumir o papel de pai que evite ter filhos no futuro. III- Face ao exposto, JULGO PROCEDENTE a ação de indenização proposta por DJA contra DVA, forte no art. 330, II, e no art. 269, I, do Código de Processo Civil, combinados com o art. 5.º, X, da constituição Federal e art. 22 da lei n.º 8.069/90 para CONDENAR o demandado ao pagamento de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais), corrigidos e acrescidos de juros moratórios a partir da citação. CONDENO o demandado ao pagamento das custas processuais e honorários do patrono da parte adversa que arbitro em 10% sobre o valor da condenação a teor do art. 20, § 3.º do Código de Processo Civil, ponderado o valor da causa e ausência de contestação.
Contudo, a finalidade deste tipo de ação não é o de obrigar a amar ou indenizar a falta de amor, mas de amparar a vítima pelo dano sofrido decorrente de omissão, uma vez que o objetivo da ação é exclusivamente ao cumprimento do dever que tem o pai com o filho, na forma material, já que o amor não foi dado ao filho.
A reparação civil só deve ser oriunda dos danos causados pelo não exercício do poder familiar, uma vez que a omissão gera danos que prejudicam o desenvolvimento pleno da criança e adolescente, podendo ainda gerar sequelas para uma vida inteira.
Na concepção de Augustin (2010, p. 14 apud GAI, 2011, p. 46):
As obrigações derivadas dos atos ilícitos são as que se constituem por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, praticadas com infração a um dever de conduta e das quais resulta dano a outrem. A obrigação que, em consequência, surge é a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado.
Nesse contexto, para alcançar a função punitiva da reparação dos danos, deve haver a conscientização dos pais de que o dano causado ao filho pode gerar muitos problemas psicológicos, sendo que o simples fato de “pagar com dinheiro”, não irá desfazer ou consertar o que não tem conserto, uma vez que a conduta deve ser evitada, por reprovável e grave.
A ninguém é dado o direito de causar dano a outrem e se assim o fizer deve repará-lo para que possa minimizar os prejuízos sofridos, dessa forma a função do judiciário é o de enfrentar esta problemática acerca da responsabilidade civil, uma vez que somente o ordenamento jurídico tem condições de solucionar estes conflitos.
3.1 Reconhecimentos por jurisprudência
O judiciário vem se manifestando acerca desta questão, tendo surgido algumas decisões que condenam pais que faltaram com o dever de assistência moral e afetiva aos seus filhos durante o desenvolvimento da criança.
A jurisprudência tem se mostrado atenta à questão:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. [5]
Apelação cível. Ação de indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo. Sentença que julga improcedente o pedido inicial sob o fundamento de ausência de ato ilícito. II certidão no distribuidor onde consta diversas ações de alimentos ajuizadas pela autora. III Ato ilícito caracterizado. Direito da criança e do adolescente à convivência familiar. Art. 227 da constituição federal. Princípio da dignidade da pessoa humana. IV dano moral. Dever de indenizar. Precedentes deste tribunal. V valor da indenização fixado em R$5.000,00. VI - Recurso provido. [6]
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS E MORAIS. ABANDONO DO FILHO. FALTA DE AMPARO AFETIVO E MATERIAL POR PARTE DO PAI. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDIMENCIONAMENTO. A responsabilidade civil, no Direito de Família, é subjetiva. O dever de indenizar decorre do agir doloso ou culposo do agente. No caso, restando caracterizada a conduta ilícita do pai em relação ao filho, bem como o nexo de causalidade e o dano, cabe indenização por danos materiais e morais. Nas demandas condenatórias, a verba honorária deve incidir sobre o valor da condenação. Inteligência do art. 20, § 3º, do CPC. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO DO REQUEIRDO IMPROVIDO. [7]
Para aqueles que dizem que nas relações afetivas não cabem indenizações por falta de previsão legal, muitas ações têm sido propostas na justiça brasileira e elas precisam responder aos anseios sociais, uma vez que a ação não busca acalentar o desamor obrigando a pessoa a amar, mas intenciona reparar a lesão deixada por uma conduta ilícita.
De outra banda, têm-se as seguintes jurisprudências dos Tribunais de Justiça dos Estados de RS, SP e MG:
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. MANUTENÇÃO DO QUANTUM ESTIPULADO NA ORIGEM. A solução encontrada pelo varão para dissolver a relação conjugal, mudando-se para outra cidade sem dar qualquer satisfação a sua família, sem prestar qualquer auxílio financeiro e moral à sua esposa e à sua filha (ao tempo com menos de um ano de vida), o que fez com que o tivessem como morto por mais de vinte anos, inclusive para fins previdenciários, extrapola os limites da razoabilidade, configurando ato ilícito passível de indenização, devendo ser mantido o quantum arbitrado na origem, adequado ao caso concreto. APELO DESPROVIDO.[8]
Abandono moral - Ausência de alimentos e presença do pai na vida do filho - Falha do apelo com não tangenciar o mérito - Eiva eliminada pela interpretação lógico-sistemática do pedido - danos morais pleiteados - Configuração - Réu que admite afastamento da filha por problemas com a mãe desta - Inadmissibilidade - Confissão segura da ausência voluntária do réu no acompanhamento da infância e adolescência do apelante - Dano moral reconhecido - Nexo causal evidente - Pena pecuniária deferida não por não sentir amor senão por o não procurar sentir - Abandono material e moral configurado - sentença reformada - Apelo provido. [9]
Apelação cível - Ação de danos morais - Abandono afetivo de menor - Genitor que se recusa a conhecer e estabelecer convívio com filho - Repercussão psicológica - Violação ao direito de convívio familiar - Inteligência do Art. 227, da CR/88 - Dano moral - Caracterização - Reparação devida - Precedentes - 'Quantum' indenizatório - Ratificação - Recurso não provido - Sentença confirmada. - A responsabilidade pela concepção de uma criança e o próprio exercício da parentalidade responsável não devem ser imputados exclusivamente à mulher, pois decorrem do exercício da liberdade sexual assumido por ambos os genitores. [10]
DANO MORAL. Ação de indenização por danos morais. ajuizada por filho em face de genitor, com alegação de abandono afetivo e material, eis que fruto de relacionamento extraconjugal, havendo o reconhecimento da paternidade tardio, com diluição de bens. Comprovação do relacionamento do réu com a genitora do autor. A responsabilidade da paternidade vai além do meramente material, implicando em procurar moldar no caráter dos filhos os valores e princípios que lhes farão enveredar pela vida, cônscios da necessidade da prática do bem, que norteará sua busca pela felicidade e pautará a conduta dos mesmos nos anos vindouros, seja no lado emocional, seja no lado profissional e igualmente no lado espiritual, vez que a religião corrobora para aprimorar o caráter. Abandono afetivo e material configurados. Dano moral comprovado. Assédio moral é espécie de dano moral, não cabendo indenizações distintas. Custas, despesas processuais e honorários advocatícios devidos pelo réu, eis que a definição da indenização é critério subjetivo, não importando a sua redução em decaimento do pedido. Sentença reformada nesse ponto. Apelo do réu Improvido, apelo do autor parcialmente provido. [11]
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO DE MENOR - GENITOR QUE SE RECUSA A CONHECER E ESTABELECER CONVÍVIO COM FILHO - REPERCUSSÃO PSICOLÓGICA - VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - INTELIGÊNCIA DO ART. 227, DA CR/88 - DANO MORAL - CARACTERIZAÇÃO - REPARAÇÃO DEVIDA - PRECEDENTES - 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO - RATIFICAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO - SENTENÇA CONFIRMADA. [12]
A intenção do filho não é pedir o amor de seu pai, mas cobrar deste a sua responsabilidade que decorre da paternidade. Além disso, a responsabilidade da paternidade vai além do material, implica em procurar moldar no caráter dos filhos os valores e princípios que seguirão na vida.
Entretanto, o papel do Judiciário não é obrigar alguém a amar, ou mesmo, a manter um relacionamento afetivo, mas sim de reparar as injustiças, dentro dos limites da lei.
Dessa forma, a indenização arbitrada não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atende duas relevantes funções, a compensatória e a punitiva.
3.2 Comprovação do dano
No que tange aos danos morais nas relações afetivas e familiares é que algumas são oriundas do dever legal e outras partem do simples desejo de afeição, de carinho e do querer bem, mas todas elas capazes de gerar desconfortos quando o amor acaba e alguma das pessoas envolvidas tem uma conduta ofensiva aos direitos da pessoa humana.
Dessa forma, surge o direito de indenização decorrente da quebra de um dever jurídico que protege a dignidade humana, tendo em vista que a responsabilidade civil, a partir da Constituição de 1988 estipulou os direitos da personalidade como um direito constitucionalizado pela dignidade da pessoa humana.
O dano moral tem se construído de acordo com as mudanças das características familiares, realçando a proteção aos laços familiares sem prejudicar os conceitos da responsabilidade civil e sem deixar que os fatores sentimentais se sobreponham as presunções normativas.
De acordo com Sanches (1997, p. 31 apud GAI, 2011, p. 16), os danos morais são definidos da seguinte forma:
Os danos morais são aqueles atributos valorativos ou virtudes da pessoa como ente social integrado á sociedade, vale dizer, os elementos que o individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto. Assim, os danos morais plasmam-se, no plano fático, como lesões à esferas da personalidade humana situadas no âmbito do ser como entidade pensante, reagente e atuante nas interações sociais. Danos morais são lesões sofridas pelas pessoas, físicas e jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado.
Diante disso, que muitas ações têm sido propostas na justiça brasileira, tendo em vista o aumento no número de julgados nos Tribunais, a fim de buscar e responsabilizar a pessoa pela lesão deixada por uma conduta ilícita.
Porém, para o autor da ação é muito difícil de provar o dano sofrido, uma vez que transpassar para o papel a dor e todo mal causado diante da falta de carinho, amor, afeto é muito subjetivo. No entanto o judiciário há alguns anos é auxiliado por outros métodos, no intuito de que pareceres técnicos de outras áreas possam contribuir e auxiliar os julgadores em uma decisão mais justa.
Entretanto, cada caso é um caso, razão pela qual o juiz deve ser sábio e imparcial para avaliar como a pessoa elaborou a indiferença paterna, sendo preciso ficar relatado que o dano psicológico é proveniente do abandono e que cabe indenização.
Ademais, não se pode negar a apreciação do dano por abandono afetivo, contrariando a premissa da paternidade responsável, onde o dever do pai é de ordem material e moral..
Diante disso, deve o judiciário apreciar os danos morais, para que o valor da indenização amenize e ampare as consequências sofridas pela vítima.
Assim, não tendo sido cumprido o dever inerente aos pais e sendo provados os elementos da responsabilidade civil, é digno que se julgue o caso, não cabendo ao estado brasileiro dizer que falta previsão legal, mesmo tendo o magistrado dificuldades de ordem probatória, isto não pode ser um impedimento ao ressarcimento do dano.
Nesse contexto vem crescendo o entendimento dos Tribunais, conforme dispõe Dias: (2007, p. 408).
Profunda foi à reviravolta que produziu, não só a justiça, mas nas próprias relações entre pais e filhos, a nova tendência da jurisprudência, que pessoa a impor ao pai o dever de pagar indenização, a título de danos morais, ao filho pela falta de convívio, mesmo que venha atendendo ao pagamento de pensão alimentícia. A decisão da justiça de Minas Gerais, apesar de ter sido reformada pelo STJ, continua aplaudida pela doutrina e vem sendo amplamente referendada por outros julgadores.
Além disso, não é uma questão de obrigar ou não alguém a amar, mas de apurar as responsabilidades de um ato omissivo que causou lesão a um bem protegido, a dignidade da pessoa humana.
3.3 Quantum indenizatório
O quantum indenizatório deve ser apurado com a finalidade de reparação moral, a fim de tentar diminuir a dor sofrida, a solidão, desamparo, diante da ausência de cuidados dos pais, e não apenas para “compensar” a falta de amor, pois ninguém é capaz de amar outrem por obrigação ou imposição.
Entretanto, o valor arbitrado deve ser auferido como forma de combater a impunidade e mostrar para a sociedade que o desrespeito as regras básicas da convivência familiar e não desempenhar as funções inerentes ao poder familiar poderá acarretar em punição com a consequente reparação do dano causado a outrem.
O artigo 186 do Código Civil, ao tratar da cláusula geral de responsabilidade civil determina que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Porém, o dano moral é aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todos os danos imateriais, sendo que o abandono afetivo está inserido nessa classificação, uma vez que esses danos estão relacionados diretamente aos direitos da personalidade, ou seja, diz respeito de forma mais próxima ao valor fundamental da dignidade humana.
O dano moral, embora não tenha teor econômico, possui um valor e merece tutela do direito, ainda que não se possa dizer propriamente em indenização, podemos colocar como compensação da vitima, em caso de lesão ou simplesmente reparação.
Nesse sentido e na concepção de Santos (1998, p. 16 apud CORBELLINI, 2012, p. 19), afirma in verbis:
A reparação do dano não visa reparar no sentido literal a dor, pois esta não tem preço, mas aquilatar um valor compensatório par amenizar a dor moral. Para isso requer indenização autônoma, pelo critério de arbitramento, onde o juiz fixará o quantum indenizatório, levando em conta as condições das partes, nível social, escolaridade, o prejuízo que sofreu a vítima, o grau de intensidade da culpa e tudo o mais que concorre para a fixação do dano.
Conforme o mesmo autor, para que o ofensor sinta o peso do dano que provocou, a indenização deverá ser paga em dinheiro, porém este, quantum jamais será suficiente para reparar a perda, sendo apenas uma forma de minimização da dor.
O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano moral vem sendo um problema para os julgadores, devido ao aumento dos casos e a dificuldade de encontrar os argumentos ou critérios necessários para se estimar a sua real valoração.
Assim, a fixação do quantum indenizatório está devidamente regulamentado pelo art. 944 do Código Civil brasileiro, uma vez que aplica-se a indenização diante da extensão e gravidade do dano causado, como forma de desestimular a prática de atos lesivos a outrem.
Porém, para que se definam as indenizações, ou seja, o “quantum” indenizatório do dano moral caberá ao sensato arbítrio dos juízes, da doutrina e da jurisprudência, a qual vem se mostrando a cada dia mais eficaz para o deslinde das lides no que diz ao abandono afetivo e dever de indenizar.
De acordo com Diniz (2005, p.3 apud CORBELLINI, 2012, p. 21) aponta que:
Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe parece equitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido cm base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento, nem mesmo ser irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel-prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação.
Outrossim, o quantum indenizatório deve ser estabelecido em atenção ao dano causado e de forma individualizada e conforme a situação real do lesado, bem como deve ser levado em conta à situação do ofensor, de modo que o valor arbitrado faça diferença na vida de ambas as partes.
Entretanto, para a fixação do quantum indenizatório deve ser estabelecido de forma justa, com base na extensão e na gravidade do prejuízo causado e na capacidade econômica das partes, a fim de “compensar” a vítima e punir o ofensor.
4 Considerações finais
O presente trabalho teve como objetivo realizar uma análise sobre uma situação ainda polêmica no judiciário, o abandono afetivo e a obrigação de indenizar, acerca da responsabilidade civil e dever de indenizar pelo sofrimento dos filhos diante da falta de afeto.
Ademais, a família possui elemento principal o afeto, o qual deve ser priorizado pelo Estado a sua existência, bem como o seu cumprimento, com a finalidade de que a cada dia os pais construam o afeto em conjunto para um bem comum.
A família é o elemento principal na construção do desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes, razão pela qual cabe aos pais proteger e auxiliar seus filhos na longa caminhada rumo à formação integral, direito este fundamental e garantido pela Constituição Federal de 1988.
Já o afeto enquanto valor jurídico deve ser visto como de grande importância para auxiliar nos conflitos familiares perante o poder judiciário, uma vez que o amor deve ser sempre considerado como o alicerce da família.
Entretanto, cabe aos pais ainda, o dever de propiciar um desenvolvimento adequado, em um ambiente saudável, para que os filhos possam crescer e desenvolver sem sequelas emocionais, psicológicas, as quais possam influenciar na personalidade de cada indivíduo.
Ademais, toda forma de abandono gera consequências gravosas, sendo que o abandono afetivo em decorrência da desestruturação familiar, omissão dos pais, pode causar sérios danos capazes de tornar os filhos em adultos emocionalmente abalados pela a falta de afeto dos pais.
Assim, tendo em vista que diante do abandono afetivo, os pais acabam se esquecendo de suas responsabilidades, razão pela qual cabe ao judiciário muitas vezes lembrá-los de suas obrigações através da punição diante da falta de afeto proporcionado aos filhos.
Porém, com o aumento de casos de abandono afetivo e pedido de indenização, os Tribunais cada vez mais estão se posicionando a respeito, uma vez que ninguém tem o direito de causar dano a outrem, ou seja, a falta de cuidados dos pais para com os filhos vem sendo amplamente referendada por alguns tribunais no sentido favorável ao dever de indenizar, não pela falta de amor, pois, não se pode obrigar alguém amar, mas sim pela irresponsabilidade, bem como falta de cuidados que os pais deveriam ter para com os filhos.
Assim, o Poder Judiciário tem analisado cada caso individualmente, para que o valor da indenização possa amenizar a dor sofrida.
Em relação ao “quantum” indenizatório do dano moral caberá ao sensato arbítrio dos juízes, da doutrina e da jurisprudência, a qual vem se mostrando a cada dia mais eficaz para o deslinde das lides no que diz ao abandono afetivo e dever de indenizar.
Dessa forma, verificou-se, no presente artigo, que a família é o ponto principal para o desenvolvimento saudável dos filhos, sendo que o não cumprimento de um dever gera grandes consequências e danos, os quais poderão ser reparados civilmente pelos tribunais, com a finalidade de conscientizar os pais de que possuem a obrigações para a vida toda, uma vez que não se pode descartar um filho pelo simples fato de não conviver ou até mesmo por não amar e cuidar.
Referências
BRASIL. Tribunal De Justiça Do Rio Grande Do Sul. Jurisprudências. Disponível em:< http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 25 junho 2014.
________. Superior Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Jurisprudências. Disponível em:< http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 out 2014.
________. Jurisprudências. Disponível em:>http://www.ibdfam.org.br> Acesso em out 2014.
________. Notícias. Disponível em:>http://www.ibdfam.org.br> Acesso em out 2014.
________. Vade Mecum compacto. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
________. Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990.
________.Obrigação de Indenizar, Disponível em: <HTTP://www.jusbrasil.com.br>. Acesso em agosto de 2014.
CARDIN, Valéria Silva Galdino; FROSI, Vitor Eduardo. O afeto como valor jurídico. Disponível em: http://www.compendi.org.br> Acesso em out 2014.
CORBELLINI, Letícia da Rocha. O “quantum” indenizatório do dano moral. Trabalho de Conclusão de curso. Unicruz, 2012.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
DILL, Michele Amaral; CALDERAN, Thanabi Bellenzier. O valor jurídico do afeto: Filiação socioafetiva x monetarização das relações de afeto. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br> Acesso em out 2014.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26º. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
FABRINO, Verônica Noel. Afetividade e a base família: norteadores da formação da personalidade. Disponível em: http://www.periodicos.uems.br> Acesso em out 2014.
GAI, Pedro Dür. Responsabilidade civil e obrigação de responsabilidade por dano moral. Trabalho de Conclusão de Curso. Unicruz, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. Sinopses Jurídicas. 14º . Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
HOPPE, Anatane Pito. Das possibilidades jurídicas do reconhecimento da maternidade socioafetiva. Trabalho de Conclusão de Curso. Unicruz, 2014.
MACHADO, Gabriela Soares Linhares. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação. Disponível em:>http://www.ibdfam.org.br> Acesso em out 2014.
MARX, Marcionila Filgueiras. A criança e as relações afetivas: Ensinar é um ato de amor. Trabalho de Conclusão de Curso. Unicruz, 2008.
OLIVEIRA, Luciane Dias de. Indenização civil por abandono afetivo de menor perante a lei brasileira. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 86, mar 2011. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br>. Acesso em junho 2013.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2011.
[1] Tamis Schons Garrot. Acadêmica do curso de Graduação em Direito – 10º Semestre, Universidade de Cruz Alta – Unicruz – tamisvet@yahoo.com.br
[2] Ângela Simone Pires Keitel – Professora orientadora. Graduada em Direito (UNICRUZ). Especialista em Processo Civil (PUC-RS). Mestre em Direito (URI). Professora do Centro de Ciências Humanas e Sociais UNICRUZ. Coordenadora do Núcleo em Ação Pro-Direitos Humanos – NAPDH. Coordenadora do Programa Rede Escola na UNICRUZ. Coordenadora do Núcleo de TCC do Curso de Direito. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa – GPJUR - angelakeitel@unicruz.edu.br
[3] TJSP - AC nº 00142143920138260002, Relator Milton Paulo de Carvalho Filho, 4ª Câmara de Direito Privado, J. 30/10/2014.
[4] TJRS - AC nº 70053970331, Relator Rui Portanova, Oitava Câmara Cível, J. 27/02/2014.
[5]REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012.
[6] TJPR, Processo: 768524-9, Rel Des. Jorge de Oliveira Vargas, 8ª Cãmara Cível, j. 26/01/2012.
[7]Apelação Cível Nº 70021427695, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 29/11/2007.
[8]Apelação Cível Nº 70053381554, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 11/04/2013.
[9]TJSP – AC nº 40055298820138260320, Relator Giffoni Ferreira, 2ª Câmara Cível, J. 21/10/2014.
[10]TJMG – AC nº 10145074116982001, Relator Barros Levenhagen, 5ª Câmara Cível, J.16/01/2014.
[11]TJSP, Apelação nº 0005780-54.2010.8.26.0103, Rel Des. Ramon Mateo Junior, j. 14/05/2014.
[12]TJMG- APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.07.411698-2/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA-MG, 10/02/2014.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM