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“Tomem que o filho é de vocês!”: sobre a lei da guarda compartilhada obrigatória.
A disputa de guarda de filhos é um dos temas mais recorrentes nas varas especializadas de família. A discussão em juízo sobre “qual dos pais é o melhor” transforma-se, por vezes, em uma grande briga de egos. Não deveria ser assim. O foco principal da discussão judicial de guarda é a criança e seu melhor interesse, e não os interesses pessoais dos pais.
Para começar, é importante ter ciência de que o instituto da guarda, no Código Civil, dispõe, sobretudo, acerca do cuidado destinado à criança ou ao adolescente sob a detenção do guardião. Lembrando que, apesar de a guarda se relacionar com o poder familiar, estes não são sinônimos. Poder familiar é o munus público que os pais exercem sobre o filho menor, enquanto a guarda é o exercício de fato deste direito-dever. Explico. Quem detém a guarda obriga-se a exercer os cuidados necessários para a vida saudável de uma criança ou adolescente, sem prejuízo das obrigações e direitos de quem possua o poder familiar. Por isso, é bom frisar que independentemente da modalidade de guarda definida, seja por acordo, seja de forma judicial, o genitor que não detém a guarda da criança possui direitos e deveres para com esta, especialmente o direito à convivência familiar (art. 227, CF). Portanto, a determinação judicial de guarda não define um “proprietário” da criança, mas apenas um detentor, que se obrigará a prestar assistência material, moral e educacional a ela.
O tema é de grande complexidade por se tratar de interesses de pessoas vulneráveis versus interesses daqueles que deveriam resguardá-las. Essa realidade gera dúvidas quanto à aplicação da lei e se reflete em processos intermináveis e decisões judiciais divergentes. Assim, a matéria é constantemente discutida, e a guarda compartilhada parece ser a solução. Em 2008, a Lei n. 11.698 instituiu e disciplinou a guarda compartilhada no Direito de Família brasileiro. E, em 2014, a Lei 13.058 tentou estabelecer o significado da guarda compartilhada e disciplinar sua aplicação. Tão Brasil! Duas leis, sucessivamente, em pouco tempo, sobre o mesmo assunto.
Assim, o artigo 1.584, § 2º, passou a dispor: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”. Em uma primeira leitura, o entendimento é que não há mais disputa de guarda, determina-se.
As alterações advindas da lei 13.058/14 trazem uma sensação de que todos os problemas foram resolvidos, visto que, ao prenúncio de uma lide, seria imposta a repartição de guarda a ambos os pais, tendo estes que dividir igualmente o momento com seus filhos, e que, portanto, a guarda alternada seria um desdobramento prático da guarda compartilhada, o que, em tese, resultaria em um ponto final a qualquer lide desta natureza.
No entanto, a compulsoriedade não é o caminho mais adequado. A imposição absoluta do compartilhamento de guarda, ao contrário, pode intensificar os embates judiciais, na medida em que, para sua aplicação, necessita-se de uma harmonia mínima entre os genitores.
O importante, então, para a correta aplicação da lei, é que o julgador não feche os olhos aos casos concretos, mas analise detidamente as circunstâncias de cada litígio trazido a sua apreciação, de modo a identificar onde se faz presente um ambiente familiar minimente equilibrado. Assim, a aplicação dessa norma deve ser mitigada, enxergando-se guarda compartilhada como medida prioritária e não obrigatória, o que, de certo, resguarda prudentemente o interesse da criança.
Por fim, resta atentar que a aplicação da guarda compartilhada, quando indicada, não resulta na alternância obrigatória de lares. O juiz deve, na falta de consenso entre os pais, fixar a residência da criança na casa de um dos genitores, onde ela possa montar seu cotidiano e ter noção de seu próprio espaço e de suas responsabilidades, resguardando ao outro genitor o livre acesso às informações e o convívio.
Por Jamille Saraty Malveira. Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra-PT, membro da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/PA. Advogada especialista em Direito de Família. E-mail: jsaraty@gmail.com.
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