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A Casa do Casal
No “Econômico”, (“Oικονομικ?ς”) do grego Xenofonte (430 a.C.-355 a.C.), uma das mais importantes obras da Antiguidade, traduzida por Cícero, com a narrativa da vida doméstica e dos deveres da mulher dentro do lar, apresentam-se as primeiras fontes do direito de família. (“δικα?ωμα να faília”).
Ali a casa é o abrigo, é a habitação natural, a moradia compreendida pelo seu significado de segurança e de proteção, nos domínios da vida privada e em alcance ideal do bem estar da família.
Nessa esfera de conformidade, a casa é, sobremodo, o “locus” preciso onde a família desempenha as suas funções. Diante de tal liame existencial, fala-se com dicção telúrica e afetuosa da casa do avô ou da casa dos pais, servindo o “habitat” como um micro universo mais denso de indispensável solidez.
Assim também é a casa do casal, como sede da família nuclear, sedimentando a comunhão de vida que consolida o lar como a sua expressão determinante, no recinto interior das relações familiares: a mesa posta (subsistência) o sono noturno (repouso), a autoridade parental (poder familiar) e a assistência recíproca (segurança) consagram o ambiente de família, pelo convívio e solidariedade.
A casa do casal ganha importantes significantes jurídicos, (i) como o de moradia a implicar o direito real de habitação; (ii) como bem de família, em prol da constituição de patrimônio invencível e (iii) como o lar conjugal na integridade de sua essência.
Nos casos citados, adianta-se que:
(i) o direito real de habitação assegura moradia vitalícia ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, sobre o imóvel em que residia o casal, sendo daí a casa do casal perenizada enquanto um dos dois sobreviva. A norma do artigo 1.831 do Código Civil garante o direito de moradia, independente do regime patrimonial de bens, “ainda que outros herdeiros passem a ter propriedade sobre o imóvel de residência do casal, em razão da transmissão hereditária” (STJ – REsp. nº 1.273.222). De igual latitude, o artigo 7º da Lei 9.278, assegura o direito real de habitação, ao companheiro sobrevivente, quando desfeita a união estável pelo evento morte.
Esse direito real de habitação sobre imóvel estende-se, inclusive, à segunda família de um falecido que tenha filhos de uma primeira união.
O Ministro Sidnei Benetti sufragou a tese de que o direito da casa do casal deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente, não apenas quando hajam descendentes comuns, como também quando concorrerem filhos exclusivos do “de cujus” (STJ – REsp. nº 1.134.387).
(ii) a casa do casal serve como bem de família, nos termos do artigo 1º da Lei nº 8.009, de 29.03.1990, para fins de impenhorabilidade, no caso de dívidas existentes. Impenhorabilidade oponível em qualquer processo de execução, salvo reduzidas hipóteses (art. 3º), a exemplo dos débitos alimentares.
A jurisprudência tem entendido, com expressivo avanço, que o bem de família permanece íntegro, mesmo que desfeita a união por separação ou morte de um dos cônjuges/companheiros, perseverando a impenhorabilidade sobre o imóvel residencial e, ainda, sobre aquel´outro imóvel que venha servir de moradia ao parceiro separado.
De efeito, a viúva, ainda que more só, mormente na antiga casa do casal, acha-se protegida pela impenhorabilidade do seu imóvel residencial. (STJ - REsp. nº 434856-PR ).
Essa extensão alcança, aliás, todo aquele que faça do imóvel sua residência, mesmo que seja solteiro (famílias “singles”). De há muito, a interpretação do art. 1º da Lei nº 8.009/90 tem revelado maior alcance, em seu escopo definitivo de proteção do direito à moradia. É impenhorável, por efeito do referido dispositivo, o imóvel em que resida, sozinho, o devedor celibatário (STJ - REsp. nº 450989-RJ).
(iii) A casa do casal tem seu escopo jurídico mais defensivo, quando também é assegurado ao cônjuge ou companheiro que nela permaneça, em hipótese de deserção do lar pelo outro, o direito patrimonial sobre a totalidade do bem.
De efeito, o artigo 1240-A do Código Civil de 2002, introduzido pela Lei 12.424/2011, trata da usucapião por abandono do lar, denominada pela doutrina como usucapião familiar. É estabelecido o prazo de dois anos para aquisição individual por usucapião da propriedade imóvel (casa do casal) antes dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandona o lar. De notar que a aquisição dominial implicando a perda da meação decorrerá do abandono imotivado por dois anos contínuos.
No mais, anota-se, em outra vertente, que aquele que abandona o lar, deixando, em consequência, de prover a subsistência da família poderá perder o direito à meação, por compensação dos débitos alimentares continuados. Uma equação lógica de que não poderá reclamar direitos materiais, ante o abandono material a que tenha submetido mulher e filhos, como já admite a jurisprudência.
Neste sentido, em julgado paradigma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou a determinação de partilha do imóvel do casal, reconhecendo que o abandono de casa, por tempo prolongado, pelo marido, que desviou, inclusive, capitais da família, retira-lhe o direito de dispor da meação. O Tribunal confrontou o valor do bem com o cálculo do sustento que foi negado à mulher e aos filhos e reconheceu que estes seriam os credores. O imóvel foi adjudicado à mulher. (TJRS-8ª. CC., Apel. Cível nº 70.008.985.236, Rel. Des. Rui Portanova).
Em uma janela aberta de reflexões, retenha-se que a casa do casal, desde a ideia grega de abrigo, tem sido o lugar de resguardo e amparo.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família.
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