Artigos
Alimentos e Abandono
Dispõe o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.03.2015) que em face de pedido de cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos, ou de decisão que fixa os alimentos (art. 528), definitivos ou provisórios (art. 531), uma vez verificada a conduta procrastinatória do devedor executado, o juiz deverá, se for o caso, dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material (art. 532).
A novidade da cientificação, agora prevista em lei, como poder-dever de o juiz provocar o órgão ministerial, contém determinantes que estão a merecer uma maior reflexão da doutrina e, no mais, exigem a devida experimentação judiciária, para além dos casos concretos.
Antes, apenas o art. 40 do Código de Processo Penal, indicava um comando genérico, valendo conferir: “Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”.
A tanto, na espécie, teremos a contemplar, por hipótese, a tipificação penal do art. 244 do Código Penal vigente, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.741/2003, quando preceitua:
“Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968).
De efeito, nas mesmas penas incidirá quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, tudo conforme prevê o parágrafo único do reportado art. 244, CP, incluído pela Lei nº 5.478, de 1968.
Como se observa, o crime de abandono material configura-se caracterizado ante a manifesta falta do provimento alimentar, nisso incluído o inadimplemento da obrigação judicialmente definida, sempre quando não houver justa causa.
O que objetiva, no seu sentido finalístico, a norma do art. 532 do novo Código processual? Mais precisamente, qual o seu exato alcance e como apura-se a sua efetividade?
No trato do novo tema, o do abandono material por conduta procrastinatória do devedor de alimentos, a doutrina começa a dizer que: “na realidade, melhor seria apenas relembrar o juiz de seu poder de provocar o Ministério Público a respeito do crime de abandono material, até porque a simples postura do devedor em deixar de pagar os alimentos já é o suficiente, ao menos indiciariamente, para a tipificação do crime. Nesse sentido, o caput do art. 244 do CP”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, “Novo CPC. Inovações, Alterações e Supressões Comentadas, Ed. Método, 2015, pp.353-354).
Embora se afirme que a nova previsão legal seja de difícil compreensão, podendo tornar-se “de aplicação rara na praxe forense”, a partir da sua cláusula “se for o caso”, tenha-se que a conduta procrastinatória será sempre aquela que resista, sem justa causa, à pretensão satisfativa dos alimentos, a tanto que “somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento” (art. 528, parágrafo 2º, CPC/2015). Logo, nos casos onde não for apresentada a justificativa da impossibilidade de efetuar-se o pagamento devido dos alimentos ou essa não for judicialmente aceita, ter-se-á indicada a procrastinação do executado, a tanto que, em situações que tais, “o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial” (art. 528, parágrafo 1º, CPC/2015) e, além disso, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses (art. 528, parágrafo 1º, CPC/2015), sendo certo que essas disposições legais são cogentes.
Diante do imperativo das normas e com tais providências judiciais, ter-se-á, de consequência, por admissão indiciária da resistência do devedor em pagar os alimentos, configurada, em tese, a ilicitude penal, a autorizar a cientificação ao órgão do Ministério Público.
Em síntese apertada, quem abandona, sem causa legitima, o dever iniludível de cumprir a obrigação dos alimentos, abandona materialmente quem deles necessita e reclama em juízo o provimento da subsistência.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM