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A Guarda Compartilhada no Brasil
RESUMO
A proposta do texto é abordar a história da guarda compartilhada no Brasil, tendo sua aplicação inicial em casos onde não havia litígio, em 2002; chamando atenção ao instituto e da necessidade de previsão legal para os casos de disputa judicial, passando pela primeira lei em 2008 e finalmente destacando os pontos de mudança na última alteração ocorrida em 23 de dezembro de 2014, com a publicação da Lei 13.058/2014.
ABSTRACT
The proposed text is to address the history of joint custody in Brazil, with its initial application in cases where there was no dispute in 2002; calling attention to the institute and the need for legal provision for cases of legal dispute , through the first law in 2008 and finally highlighting the shift points in the last change occurred in December 23, 2014 , with the publication of Law 13,058 / 2014
PALAVRAS-CHAVE
Código Civil; Guarda Compartilhada; igualdade parental; família parental; poder familiar; alimentos; alienação parental.
INTRODUÇÃO
A guarda compartilhada começou a ser praticada no Brasil em 2002. Foi legalmente instituída através da Lei 11.698/2008, que trouxe alteração aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, ficando a critério do magistrado a aplicação, sempre que possível. A expressão utilizada pelo legislador de 2008 – sempre que possível – levou os profissionais da área a um entendimento que divergia totalmente da intenção do legislador. Poucos magistrados aplicavam a guarda compartilhada quando a convivência dos genitores não era pacífica. E muitos profissionais representando as partes e seus interesses, levantavam teses de defesa retratadas em verdadeiros escudos paradoxais ao espírito da lei.
DESENVOLVIMENTO
O relator da lei de 2008, ao ser entrevistado no dia 27 de maio de 2007, fez alguns esclarecimentos, dentre eles: “Os juízes estão apenas cumprindo a lei em vigor. Quando a guarda compartilhada passar a ser legalmente obrigatória, caberá ao juiz analisar se o pai e a mãe têm condições psicoafetivas de compartilhar a guarda da criança. Implementada essa condição o juiz, mesmo que seja contra a Guarda Compartilhada, terá que determiná-la. Creio que nenhum juiz, por mais afastado que esteja da realidade e por mais retrógrado que seja seu pensamento, se posicionará contra a guarda compartilhada.” (grifei) (reprodução por ele (entrevistado) autorizada- Arquivo ABCF).
As leis no direito de família vêm sempre em socorro a situações injustas, conflituosas e desgastantes, buscando a composição da litigiosidade tão vibrante nas “relações parentais”. Novas legislações surgem para mudar comportamentos e quebrar paradigmas, alterou-se a lei civil do país. Para situações consensuais, dispensa-se a interferência e imposição do judiciário.
A lógica ululante do texto legal, não o afastou das armadilhas e chamariz de alienadores, principalmente; e no mais, de quem não tinha o interesse de tornar os relacionamentos iguais, numa relação de parentalidade.
O Brasil deparou-se com uma estatística que apontou vinte milhões de jovens e crianças frutos de relações que se romperam e dentre eles, dezesseis milhões como vítimas de alienação parental, segundo o IBGE. Nesse universo, com uma lei que se mostrava passível de manipulação, brigou-se mais, discutiu-se mais, encenou-se mais, tornando o “sempre que possível”, numa quase unanimidade da “impossibilidade”! A convivência da família parental, em muito piorou e ruiu, ao ponto de começar um movimento por parte daqueles que até então viviam uma situação de suportabilidade da convivência parental para um afastamento, dentro da “lógica” do detentor da guarda de “quanto maior o conflito, menor a convivência”. Surge em 2011 um novo projeto de lei da guarda compartilhada – 1009/2011 – na Câmara dos Deputados- seguindo para o Senado Federal em 2013 com a numeração – PL 117/2013.
Finalmente em 23 de dezembro de 2014, após lutas e batalhas, chega a nova lei da guarda compartilhada, com nova alteração da lei civil brasileira.
Dia de festa que mereceu a seguinte reflexão:
O amor ganhou um número
A busca de pais e mães pelo direito de expressar e viver o amor, depois de longa luta, na noite de ontem, ganhou um número.
Atendendo ao apelo dos genitores de mais de 20 milhões de crianças e jovens, foi sancionada a lei que privilegia a Guarda Compartilhada e a igualdade parental.
O direito de família parece ter vivido uma grande evolução nesses dias, mas a bem da verdade, fez-se prevalecer o único sentimento que justifica a existência da família que é o amor.
É colocar a base da existência humana e dos relacionamentos onde sempre deveu estar.
Nesse tempo de ponderações, adequações, pontuações e revisões, houve a oportunidade de “relembrar” o que é família. Desavisadamente muitos afirmavam que sua família havia “acabado”, com a falência do relacionamento que a gerou, no entanto, a vivência negou a afirmativa. Família não acaba. Viu-se que família se sobrepõe ao relacionamento entre os pais. Que o que um dia foi semeado, germina sim, independente das condições do solo, quando chega o tempo de germinar. Nesse tempo, comparado com o tempo do mundo, onde muitas pessoas buscam independência e consumo, ouvi muitas vezes mães e pais afirmarem que queriam ter oportunidade de “brincar com o filho”, “levar ao cinema”, “passear de mãos dadas”, “dar banho”, “preparar uma mamadeira”, “troca fraldas”, “acordar ao lado”, “levar à escola”, “levar ao pediatra”, “acompanhar as tarefas escolares”, “levar ao clube”, “sair de férias”, “viajar”. Atos do cotidiano, coisas corriqueiras sim, mas verdadeiros atos de amor. Em um mundo tão competitivo, tecnológico e exigente, pessoas descobrem o valor do afeto e o que é parentalidade e que dinheiro não ocupa lugar no coração. A vocês crianças, meninos e meninas, jovens e adolescentes, desejo a verdadeira vivência do amor! Jaqueline Cherulli “
Desde então temos a guarda compartilhada como padrão, ficando muito claro que pais e mães precisam amadurecer emocionalmente e lembrar do comprometimento com o crescimento, saúde e desenvolvimento dos filhos comuns.
A Lei 13.058/2014, alterou os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
O que muda?
O tempo de convivência dos filhos com os genitores deve ser intensificado e dividido de forma equilibrada. Esse equilíbrio levará em conta a rotina dos filhos e dos pais, não tendo ligação direta com frações ou cálculos matemáticos. Referida alteração legal é fruto de estudos que demonstraram a necessidade de convívio e contato físico dos filhos tanto com o pai, quanto com a mãe, pois a ausência de afeto e contato físico pode trazer marcas profundas na personalidade de crianças e jovens.
De uma família com único núcleo, deve surgir, com o exercício da guarda compartilhada, dois núcleos; o materno e o paterno. A diferença dos núcleos, se existirem, são as mesmas já manifestadas quando todos estavam em um mesmo lar. Se os pais nunca conviveram, é porque para eles a questão é irrelevante, não causando estranheza o estabelecimento de núcleos distintos. Com o padrão da guarda compartilhada estabelecido, surgirão duas casas e os filhos terão a estrutura de um lar em cada uma. O confeccionado simbolismo da “mochila nas costas” não existe na igualdade parental e só se falará em cidade base de moradia, quando os genitores ou guardiães residirem em cidades distintas. Fora dessa hipótese, é pura “ficção” falar em “residência base”, criação não encontrada no texto legal.
Não há ligação direta entre o exercício da guarda compartilhada e a diminuição dos alimentos devidos; e isso se dá porque em nossa legislação a fixação da verba alimentar leva em consideração a capacidade contributiva de cada genitor e a necessidade de quem a recebe. Remotamente, pode-se admitir uma adequação de valor repassado em face do tempo de convivência, ou em virtude de pedido autônomo ou incidente de prestação de contas do valor pago, mas diminuição do valor como reflexo automático da guarda compartilhada, não há possibilidade.
Um questionamento antigo que sempre se deparava em processos relacionados a pensão alimentícia ou execução de valores devidos, era a prestação de contas. O justo anseio de quem paga, se tornou possível agora com a nova lei. Com a lei 13.058 em vigor, podem os genitores requerer a prestação de contas, tanto objetiva, nos estabelecimentos em que há relação de prestação de serviços ou atos de comércio e/ou negócio; quanto subjetiva, feita entre ambos, informando e compartilhando com o genitor não guardião a respeito de tudo o que se passa de relevante na vida do(s) filho(s), a fim de conjuntamente melhor lidarem com os desafios de educação e desenvolvimento do(s) filho(s).
O comodismo dos provedores não guardiães acabou. Não basta pagar, nas relações de guarda unilateral.
Quem não detém a guarda é obrigado a supervisionar os interesses dos filhos. Obrigação que descumprida pode gerar processo de abandono parental. O acompanhamento da rotina e dos interesses dos filhos é facilitado pela alteração aqui analisada, (saúde, religião, escola, atividades extracurriculares desporto, e atividades sociais). Referidas informações devem ser fornecidas, quer sejam devidas por órgãos públicos ou privados. Havendo negativa na prestação de informações, é possível a imposição de multa, variando de R$200,00 a R$ 500,00 reais/dia, valores que deverão ser atualizados com índices próprios, com o efeito do tempo sobre o texto legal.
O descumprimento dos termos acordados ou determinados no exercício da guarda compartilhada pode causar a redução das prerrogativas no detentor que a descumpre.
Só não será aplicada a guarda compartilhada quando a pessoa demonstrar incompatibilidade com a natureza da medida buscada ou manifestar de pronto, não ter interesse na modalidade padrão.
Se pai e mãe demonstrarem ausência de condições e aptidão para o exercício da guarda, haverá a necessidade do exercício da guarda por terceira pessoa.
O melhor interesse dos filhos exige o estabelecimento de um núcleo afetivo, de preferência com pessoas que tenham vínculos parentais ou afetivos, garantindo seu desenvolvimento.
Decisões urgentes, envolvendo liminares, devem considerar ponderações de ambas as partes e na impossibilidade da colheita de informações sobre os dois, o judiciário deve analisar o pedido sob a ótica da melhor aptidão do pai ou da mãe, podendo contar com laudos, relatórios e estudos de profissionais da equipe multidisciplinar, desejando as partes, no momento oportuno, poderão indicar seus assistentes técnicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A nova lei brasileira se mostra poderoso instrumento de combate à alienação parental, uma vez que o afastamento da figura de um dos genitores, propicia a implantação de inverdades, que não são desmentidas e desmistificadas pela realidade partilhada no dia a dia. O alienador afasta os filhos da vivência cotidiana com o outro genitor, para que possa, com a ausência daquele, a partir de uma lembrança, registro real, ou não, implantar falsas memórias; despertando assim os filhos para o sentimento de desamor, ódio, desprezo e vingança, comprometendo sua saúde física, emocional e psicológica. Não se importa ele com a formação daquele ser gerado a partir de um ato ou momento de amor. O alienador importa-se apenas consigo, no seu mundinho pobre e egoísta; sendo capaz de expor os filhos a toda sorte de situação, humilhação, vexame e constrangimentos, nunca procurando soluções que os resguardem.
Desde a publicação, a lei 13.058/2014, deve ser aplicada aos casos em andamento; processos findos, não sofrem alteração, havendo a necessidade de ingresso com nova ação judicial, para alteração da guarda já estabelecida.
“Vê que o tempo é necessário e que o amor é como sol
Que um dia fecha as portas e noutro dia abre igual
Que a gente possa ver o que não viu até então”
*Hélio Flanders / Reginaldo Lincoln
O AMOR GANHOU UM NÚMERO!
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BIBLIOGRAFIA
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm
CONTATO
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ou acesse a página figura pública: Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli
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Jaqueline Cherulli [1]
[1] Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli é juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso-Br desde 1998 e atua em varas especializadas de família há 11 anos. Autora de livros e inúmeros artigos, inclusive o que justificou a alteração do Código Civil Brasileiro, no que diz respeito à guarda compartilhada, resultando na Lei 13.058/2014
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM