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O papel do IBDFAM na construção de um novo Código Civil
O IBDFAM assumiu, nos últimos dois anos, a postura certa de quem quer contribuir para o aprimoramento do nosso ordenamento jurídico. Mostrou-se , como instituição, comprometida com o Brasil. Da crítica genérica ao processo de codificação passou à crítica pontual de dispositivos. Da oposição intransigente e sistemática à própria idéia de se elaborar um novo código, sempre a propalar o esgotamento do processo histórico-cultural da codificação, passou o IBDFAM ao papel de oposição responsável e construtiva.
Da defesa, tão intransigente como extemporânea e tardia, dos microsistemas , ao temor de que um código amplo pudesse cair rapidamente em desuso por causa das constantes e rápidas mudanças por que passa a sociedade, passou o IBDFAM a pensar em soluções aptas a evitar que o Código se desatualize, formulando críticas propositivas, saindo da posição passiva e niilista do “quanto pior melhor” para um papél ativo , contributivo e compromissado com o aperfeiçoamento do Código Civil .
Essa mudança de postura pode ser claramente sentida a partir do III Congresso Brasileiro de Direito de Família ocorrido em Ouro Preto. Informado por nosso intermédio que ainda haveria espaço para últimos ajustes antes da derradeira votação do projeto, lançou-se o IBDFAM na coleta de sugestões e na elaboração de propostas concretas que, encaminhadas ao relator Ricardo Fiúza, hoje estão incorporadas ao texto do Código Civil.
Apenas à guisa de exemplo, eis algumas das diversas alterações ou correções feitas no texto do projeto a partir do evento de Ouro Preto:
- Substituição da palavra “matrimônio” pela denominação “casamento” , usada na Constituição Federal, evitando-se interpretações errôneas pelo aplicador da lei.
- Correção da redação dos arts. 1552 e 1560, que continuavam a fazer referência à invalidação do casamento do menor de 18 anos e da menor de 16 anos , estabelecendo diferenciação entre homem e mulher, no que tange à capacidade para o casamento.
- Inclusão da referência ao “divórcio direto” no art. 1562;
- Supressão da expressão “conduta desonrosa” no art. 1572;
- Retificação do texto do art. 1593, substituindo a palavra “adoção” pela expressão “outra origem”, levando em conta a necessidade de não se excluírem outras fontes das relações de parentesco, além da consangüinidade e da adoção, a exemplo das técnicas de reprodução assistida com a utilização de material genético de terceiro;
- Inclusão do companheiro e da união estável na disciplina do parentesco por afinidade (art. 1595);
- Atualização do art. 1627 , que anteriormente conferia apenas ao menor adotado o direito de alterar o nome de família, incorporando o do adotante, quando o regramento do Código agora abrange menores e maiores;
- Modificação do art. 1628, cuja cláusula final mencionava apenas o vínculo de parentesco entre o adotante e os descendentes do adotado, o que limitava de forma inconstitucional a inserção do adotado na família do adotante, que deve ser plena, inclusive em relação a todos os parentes do adotante. A sugestão de nova redação foi sugerida pelo ilustre Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos do TJRGS e encampada pelo IBDFAM;
- Aprimoramento da redação do art. 1684, substituindo-se a expressão "ouvido o juiz" por "mediante autorização judicial", mudança também sugerida pelo Desembargador Luiz Felipe Brasil e encampada pelo IBDFAM;
- Alteração do art. 1725 para substituir terminologia tecnicamente imprecisa utilizada no texto do projeto (convenção válida) por denominação equivalente (contrato escrito), porém mais precisa, evitando-se interpretações errôneas pelo aplicador da lei, conforme sugerido pelo Professor Francisco Cahali em nome do IBDFAM.
São apenas alguns exemplos, dentre vários. E se não foram maiores e mais expressivas as mudanças , lembro a todos que naquela oportunidade só cabia ao relator apresentar as chamadas “emendas de redação”, com ajustes de cunho exclusivamente redacional ou de técnica legislativa. Ainda assim, desdobrou-se o Deputado Ricardo Fiuza no esforço ingente de dar aos dispositivos que regem o processo legislativo a interpretação mais ampla possível, de modo a acatar um maior número de sugestões.
Esses fatos nos levam a duas óbvias conclusões. A primeira delas é que o projeto de Código Civil, sobretudo no seu período de finalização, nunca esteve fechado à sociedade ou trancafiado nos escaninhos dos gabinetes de Brasília. Nunca houve uma relatoria tão aberta ao diálogo, tão receptiva a sugestões como a de que se incumbiu o Deputado Fiuza. O problema é que as sugestões do IBDFAM não foram apresentadas em tempo oportuno, face à opção inicial do instituto em combater o processo de codificação como um todo, sem se preocupar com a formulação de propostas pontuais e concretas.
A segunda conclusão, não menos óbvia, é a de que, tivesse outra sido a postura do IBDFAM, no sentido de , a par de combater o processo, também apresentar sugestões concretas para modificação de dispositivos específicos, como as que veio a formular posteriormente à aprovação do projeto, certamente teríamos um Código Civil bem melhor, a necessitar de um número menor de ajustes.
Registre-se que o Deputado Fiuza, por não haver podido acolher importantes sugestões, intempestivamente encaminhadas à relatoria, logo após aprovado e sancionado o novo Código Civil, já transformado na Lei nº 10.406 de 2002 e encerrado, portanto, o seu encargo de relator , mergulhou de corpo e alma em uma nova empreitada, consistente na elaboração dos diversos projetos de lei direcionados à complementação e ao aprimoramento do NCC.
As modificações propostas por Fiúza foram resultado de um longo trabalho de pesquisa empreendido junto a renomados juristas deste País, e, na parte relativa ao Direito Família, teve finalmente o concurso de apoio do IBDFAM.
O primeiro projeto veio a ganhar o nº 6.960 , em 12 junho de 2002, condensando propostas de alteração relativas a 188 artigos. A partir daí, verificou-se inédita mobilização da comunidade jurídica nacional, no sentido de participar e de apresentar novas sugestões, as quais não poderiam deixar de ser consideradas, o que ensejou a apresentação de mais dois projetos de lei, os PL nºs. 7.160, de 27 de agosto de 2.002 e 7.312 de 07 de novembro de 2.002.
Esses três projetos foram encaminhados à CCJ – Comissão de Constituição , Justiça e Redação da Câmara dos Deputados, e aguardam discussão e deliberação, oportunidade em que novas propostas poderão ser incorporadas ao texto, através de emendas apresentadas por qualquer parlamentar, como também pelo próprio relator, por ocasião da elaboração de seu parecer. Durante as discussões deverão ser realizadas audiências públicas na Câmara dos Deputados sobre os diversos temas abarcados pelos projetos , de modo a propiciar a ampliação dos debates e a participação de todas as entidades representativas, não só da comunidade jurídica, mas da sociedade civil como um todo.
Face à incontestável necessidade de se debater com a maior profundidade o assunto, é natural , inclusive por imperativo de responsabilidade dos senhores parlamentares, que não haja, ainda, previsão de votação, muito menos se possa falar em aprovação dessas mudanças a curto ou médio prazo.
Apraz-nos, enfim, constatar que, de crítico feroz , o IBDFAM passou à condição de maior parceiro e aliado do trabalho legislativo de incorporar à disciplina do Direito de Família todas as mudanças que sejam necessárias a que o NCC alcance a efetividade, a modernidade e a atualidade com que todos nós sonhamos.
Alegramo-nos , mais ainda, com o fato de, justamente agora, sermos oficialmente acolhidos no seio da família IBDFAM, da qual já nos sentíamos parte, tamanhos os laços (verdadeiramente “ancestrais” ) de afetividade e admiração que nos unem a diversos de seus componentes.
(*) Advogado e consultor jurídico, assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, em Brasília, especialista em direito processual civil pela Universidade Federal de Pernambuco e professor de direito civil em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas. Atuou como assessor e principal colaborador do relator geral do projeto de lei que deu origem ao novo Código Civil Brasileiro.
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