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Partilha de bens
A partilha de bens do casal separado, após o divórcio, a separação judicial ou a dissolução de união estável, constitui um processo autônomo de conhecimento, objetivando a divisão do acervo patrimonial existente e cuja matéria apenas versa a direitos de coisa comum sobre os bens formados em condomínio.
Importa dizer que a questão relativa aos bens imóveis ainda não partilhados, fica reservada a uma ação autônoma, não cogitando, portanto, de matéria afeta ao Juízo de Família, onde ali já houvera sido resolvido, judicialmente, o término da união do casal.
O processamento do conflito conjugal ou convivencial, instalado a determinar a cessação da relação, com efeitos jurígenos declarados da sua ruptura, não exige, em bom rigor, incursionar também sobre a partilha dos bens que constituem o patrimônio comum. Isto significaria, bem é certo, uma maior demora do curso processual da ação, com discussões periféricas ou acessórias sobre um capítulo secundário da querela.
No ponto, implicam inexoráveis duas assertivas fundamentais no trato da particularização do tema:
(i) a culpa como causa determinante da separação, não acarreta qualquer penalidade legal a influir na divisão dos bens do casal, como que pudesse impor restrições de meação; sendo certo que apenas pode ponderar, de modo relativo, no atinente ao direito de alimentos (artigo 1.704, parágrafo único, Código Civil) ou ao uso do nome (art. 1.578, Código Civil).
(ii) o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens, tal como expressa o art. 1.581 do Código Civil; norma que revogou o art. 31 da Lei do Divórcio, a de nº 6.515, de 22 de dezembro de 1977, então vedando o decreto do divórcio “se ainda não houver sentença definitiva de separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha dos bens”.
Aliás, antecedendo em quase cinco anos o novo Código Civil, o verbete sumular nº 197 do Superior Tribunal de Justiça, editado pela sua 2ª Seção, em 08.10.1997 (DJU de 22.10.97), veio dispor no sentido de que “o divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens”, depois da construção jurisprudencial feita pelos Recursos Especiais nºs. 40.020-SP (4ª T. 22/08/95 - DJ 02/10/95), 11.292-PR (4ª T. 15/06/93 - DJ 30/08/93) e 40.221-SP (3ª T. 10/09/96 - DJ 21/10/96).
De efeito, questões residuais da dissolução litigiosa de uniões, quando a ação matriz de rompimento teve o seu curso findo nas Varas de Família, desafiam a competência do juízo cível, por representarem pretensões especificas, designadamente no efeito da partilha dos bens. Ou mais precisamente, não se entenda que a ruptura da sociedade conjugal, pela separação judicial ou divórcio, com sentença transitada em julgado em Vara de Família, acarreta uma suposta execução da sentença, no mesmo Juízo, nos fins da partilha de bens, em aparente suporte do atual artigo 575, II, do Código de Processo Civil.
Bem de ver que a extinção do condomínio existente entre as partes (o casal), constitui matéria do direito das coisas (artigo 1.320 do Código Civil), a tanto que uma vez não ultimada a partilha, em ato instante do processo judicial de separação ou divórcio, por convenção voluntária do casal, destinar-se-á, então, a referida partilha ao juízo cível comum.
Lado outro, observe-se, ainda que: (i) se as partes, nos próprios autos de separação judicial, deliberam sobre a partilha e nela, acessoriamente definida, resolvem constituir um condomínio sobre o único imóvel que possuam, as novas relações jurídicas sobre este bem passam a ser regidas pelo direito civil e não mais pelo direito de família, pelo que ações relacionadas a este convocam o juízo cível e (ii) em partilha dos bens, “se os bens do casal foram partilhados em regime de condomínio, a extinção deste se dá por ação de divisão, e não por nova partilha” (STJ – RESp. nº 255.059).
Trata-se, portanto, a partilha de bens de uma ação de natureza patrimonial, ainda que advinda de sentença em ação de divórcio, de separação judicial ou de reconhecimento e dissolução de união estável, figurando como competente o juízo de Vara Cível. De ver, afinal, que extinta a união, não mais subsiste um condomínio conjugal, a denominada “mancomunhão”; simplesmente haverá, a partir de então, um condomínio civil, regido pelas normas que lhes são pertinentes (STJ – RESp. nº 435.935).
Quando a partilha de bens é reservada para ocasião futura, pelo ditado da lei, mormente diante da falta de consenso das partes no ato da separação do casal, a ação de partilha ganha sua autonomia processual e em juízo próprio. Melhor será, portanto, que, por acordo de vontades, a separação separe tudo.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.
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