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Herança digital
Herança digital
Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança, como legado virtual do acervo representado por vídeos, livros, músicas, fotos, e-emails e documentos outros armazenados nos servidores de internet e em sistemas de computação em nuvem. São as heranças de bens digitais, alcançando valores “on line” significativamente elevados.
Neste sentido, projeto legislativo (PL Nº 4.099/2012) altera o art. 1.788 do Código Civil introduzindo parágrafo único ao dispositivo, a permitir tratamento jurídico sucessório ao patrimônio digital existente.
Na justificativa do projeto, sustenta-se que a justiça brasileira tem sido demandada por situações “em que as famílias de pessoas falecidas desejam obter acesso a arquivos ou contas armazenadas em serviços de internet e as soluções tem sido muito díspares, gerando tratamento diferenciado e muitas vezes injustos em situações assemelhadas”.
De fato. O legado virtual representa, atualmente, bens que constituem patrimônio suscetível de especificação e partilha, com determinações a serem definidas, inclusive por testamento, nomeadamente porque as posses “on line” precisam ser atribuídas, legalmente, em destino da herança.
Lado outro, o Projeto de Lei nº 4.847/2012 estabelece que "A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes: I - senhas; II - redes sociais; III - contas da Internet; IV - qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido" (artigo 1.797-A). Ele acrescenta ao Código Civil o Capítulo II-A (intitulado “Herança digital”) e os artigos 1.797-A a 1.797-C.
Fica disposto que “se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos” (art. 1.797-B) e que “cabe ao herdeiro: I - definir o destino das contas do falecido; a) - transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou; b) - apagar todos os dados do usuário ou; c) - remover a conta do antigo usuário.” (art. 1.797-C). Como se observa, um projeto legislativo mais abrangente e oportuno.
Efetivamente, o destino dos arquivos digitais existentes (bens imateriais) depois da morte do titular tem ensejado inumeros questionamentos jurídicos, diante dos termos de uso de determinados provedores de serviços ou sobre o gerenciamento “post mortem” dos referidos arquivos e documentos armazenados.
No ponto, o jurista Fernando F. Stacchini exemplificou, em importante estudo, alguns problemas jurídicos, diante das atuais politicas de termos de uso:
(i) do iCloud, onde resulta expressa a “não existência de Direito de Sucessão” (“No Right of Survivorship"), porquanto ali é previsto que o usuário "concorda que a sua Conta é não-transferível e que quaisquer direitos à sua Apple ID ou Conteúdo dentro da sua Conta terminam com a sua morte”. Ou seja, “quando da recepção de cópia de uma certidão de óbito a sua Conta poderá ser terminada e todo o Conteúdo dentro da sua Conta eliminado". Ele aponta, porém, que a Apple tem permitido e possibilitado técnicas de gerenciamento de acesso a conteúdos digitais para transferencia de um usuário para outro, indicando-se, daí, um evidente rumo de direito sucessório.
(ii) do iTunes, quando vedada ao adquirente de músicas digitais, a revenda, transferencia ou sublicença dos produtos adquiridos, tudo fazendo entender que a coleção musical será extinta com o óbito do seu titular.
Pois bem. Ao final da presente legislatura, é preciso que os referidos PLS nºs. 4.099/12 e 4.847/2012, de tramitação ordinária na Câmara dos Deputados e ali paralisados há mais de ano, sobrevivam para a próxima e sejam apreciados com rapidez.
Afinal, os bens digitais devem merecer a melhor atenção da ordem jurídica, nas diversas esferas dos direitos patrimonial, familiar e sucessório, como tem ocorrido nas legislações européias, por representarem bens de extrema valia, financeira e afetiva. Somente no Reino Unido estimou-se, em pesquisa do Centro para Tecnologias Criativas e Sociais (Goldsmiths College, da University London, 2011) que o patrimonio digital britânico, guardado na computação em nuvem, representava a soma de R$ 6,2 bilhões.
Assim, acervos constituídos por e-books, músicas, filmes, fotos, softwares, aplicativos, albuns e documentos outros, de existência virtual, precisam de regras especificas disciplinando o patrimônio digital familiar. Regras jurídicas provendo o acesso dos herdeiros a essa nova herança, a herança digital.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.
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