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Quarentena agrava situações de abandono afetivo de crianças e pessoas idosas
O distanciamento social está entre as principais recomendações para conter a pandemia do Coronavírus. Por isso, desde o início da proliferação da Covid-19 no Brasil, o Poder Judiciário foi tomado por ações de regularização e disputas entre pais pela convivência com os filhos. Em contrapartida, o momento também agravou o abandono afetivo sofrido por crianças, adolescentes e idosos, já que pais e filhos negligentes podem usar a quarentena como justificativa para o rompimento definitivo do vínculo.
Presidente da seção Pernambuco do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Maria Rita de Holanda identifica a existência dessa possibilidade. Além do abandono afetivo, ela aponta, ainda, que o momento pode acirrar casos de alienação parental já existentes. O ordenamento jurídico, contudo, tem mecanismos que permitem evitar ambas as situações.
“É importante ressaltar que, sendo a guarda compartilhada uma regra, a imposição do isolamento, ainda que de forma mais permanente com um dos genitores, não deve servir de mote para o afastamento cômodo de quem já possuía essa propensão (ao abandono afetivo)”, defende Maria Rita.
Segundo a advogada, decisões judiciais recentes têm atentado a essas possibilidades de abandono e alienação. “O contato virtual é presencial também, portanto, a tecnologia socorre ao cumprimento do dever de convivência familiar dos pais neste momento. Contudo, as demandas mais perceptivas, atualmente, são de conflitos positivos à convivência familiar”, aponta.
Contato virtual
Na explosão de casos em que os pais pleiteiam a retomada da convivência com os filhos – por vezes, suspensa em razão da pandemia –, identificadas em maior quantidade pela advogada, a saída encontrada pelos magistrados tem sido justamente a determinação do contato por ligações ou chamadas de vídeo.
Assim, assegura-se que crianças e adolescentes respeitem o isolamento social sem que terminem afastadas da convivência com ambos os genitores, o que afetaria seu pleno desenvolvimento., “A imposição do isolamento não impede que os pais cumpram o seu dever de convivência familiar. Esta é um direito do filho, que poderá reivindicar judicialmente esse contato, ainda que virtual”, destaca Maria Rita de Holanda.
O direito à convivência com ambas as figuras parentais é assegurada a crianças e adolescentes pelo Código Civil – CC (Lei 10.406/2002). A Lei 13.058/2014 alterou diversos artigos do CC para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação.
“O abandono afetivo implica em afastamento de convivência, seja ela presencial ou virtual. Com os meios adequados, não há desculpas para o não estabelecimento do contato, a não ser que este esteja sendo impedido. Mas é importante ressaltar, também, que não havendo essa acessibilidade tecnológica, o isolamento fomentará esse abandono”, atenta Maria Rita.
Abandono afetivo inverso
Em paralelo à negligência de carinhos e cuidados a que crianças e adolescentes têm sido vítimas, os idosos também padecem do mesmo mal. Como “abandono afetivo inverso”, entende-se a ausência dos filhos em relação aos pais idosos. Estes têm um agravante: integram o grupo de risco da Covid-19, com maior propensão a desenvolver complicações caso contraiam a doença.
“Sob a desculpa de que os idosos são pessoas em maior situação de risco na pandemia, não se deve abandonar a sua convivência. Com relação a estes, ainda estamos culturalmente atrasados nas demandas judiciais de abandono afetivo”, avalia Maria Rita de Holanda.
Ela afirma que o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) “requer maior implementação”, debate privilegiado em eventos e grupos de discussão do IBDFAM. Em seu artigo 50, a norma prevê, entre outras determinações, a comunicação ao Ministério Público “para as providências cabíveis, a situação de abandono moral ou material por parte dos familiares”.
“O MP possui legitimidade para detectar e acionar os familiares na hipótese de abandono afetivo dos idosos parentes. Manter cuidados de distanciamento não justifica a falta de contato e preocupações diárias e mesmo de afetos, ainda que à distância. Precisamos ser mais diligentes a esse respeito”, defende Maria Rita.
Responsabilidade civil
Para além dos casos restritos a este momento de pandemia do Coronavírus, a Justiça tem adotado a responsabilização civil em casos de abandono afetivo. Em abril, no Tocantins, uma decisão acatou o pedido da Defensoria Pública do Estado – DPE para determinar que um pai pague R$ 50 mil de indenização à filha de 19 anos.
O entendimento foi de que apenas pagar a pensão alimentícia para dar como quitada a “obrigação” da convivência familiar não é o suficiente; o dever do genitor vai além e o descumprimento causa dano, passível de indenização. Saiba mais sobre o caso.
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