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Mulher que trabalha em hospital consegue restabelecer convivência com os filhos
Uma mulher, que trabalha em um hospital de Cuiabá, teve restabelecido o seu direito à convivência com os filhos. O pai das crianças alegou perigo de contágio pelo novo coronavírus por sua ex-companheira estar mais suscetível à Covid-19. A guarda compartilhada foi mantida após a Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso – TJMT, em decisão unânime, dar provimento ao recurso interposto pela mãe.
O pai havia ingressado com ação na 5ª Vara Especializada de Família e Sucessões de Cuiabá, solicitando a modificação provisória da convivência. Após a decisão de primeiro grau, a mãe foi impedida de conviver com os filhos, apesar da guarda ser compartilhada. O argumento foi de que, com o afastamento materno-filial, se estaria protegendo as crianças da contaminação.
Contudo, a mulher trabalha no setor responsável pela limpeza, esterilização e desinfecção dos produtos e instrumentos utilizados por médicos, sem contato direto com os pacientes, como ficou comprovado nos autos do processo. Além disso, a instituição de saúde em questão não oferece pronto-atendimento, somente regulação por meio de agendamento no Sistema Único de Saúde – SUS, e não é destinada a pacientes com Covid-19.
Não havia, enfim, elemento que legitimasse a privação dos filhos do convívio com a mãe, como destacou o relator do processo, o desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho. Ele frisou que o momento de pandemia, apesar de preocupante, não autoriza a alteração da modalidade de guarda compartilhada acordada judicialmente pelas partes, lembrando que não há data prevista para que o período de pandemia acabe. Interpretar o caso de forma diferente seria impedir o exercício do direito à convivência de todos os profissionais da área da saúde, ressaltou o magistrado.
Ele também observou não haver evidências de que a agravante tenha sido negligente com a saúde e bem-estar das crianças, tampouco descumpriu as medidas sanitárias recomendadas pelas autoridades. Segundo o desembargador-relator, afastá-la dos filhos feriria os princípios da corresponsabilidade e da proteção integral, podendo trazer consequências danosas para a segurança e desenvolvimento das crianças, causando-lhes angústia, dor e sofrimento.
Leia, na íntegra, o voto do desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho. O acórdão que decidiu a matéria de forma unânime contou também com os votos dos desembargadores Guiomar Teodoro Bordes e Serly Marcondes Alves.
Alicerces do Direito de Família
A juíza Angela Gimenez, membro da seção Mato Grosso do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM-MT, elogia a decisão. Segundo ela, a sentença se fundamentou em pelo menos dois alicerces do Direito das Famílias: o princípio da corresponsabilidade entre os genitores e a necessidade de convivência com ambos, essencial para o pleno desenvolvimento biopsicossocial dos filhos.
“A decisão reafirma a igualdade parental existente entre pai e mãe, trazida pela Lei 13.058/2014, que deve persistir, mesmo em situação excepcional, como a decorrente da pandemia, desde que os genitores não possuam comorbidades e adotem todos os cuidados de higiene recomendados pela Organização Mundial de Saúde – OMS e autoridades nacionais”, destaca Angela.
Ela lembra que o compartilhamento do tempo das crianças entre os dois genitores, de forma equilibrada, também está preconizado no §2º do artigo 1.583 do Código Civil. “É, antes de tudo, uma prática protetiva da integridade física e psicológica da população infanto-juvenil e, por isso mesmo, atende ao seu pleno desenvolvimento”, ressalta.
Excepcionalidade do momento
Angela Gimenez é autora do artigo "A situação da guarda dos filhos em tempos de pandemia da Covid-19", divulgado pelo site Consultor Jurídico, em maio. O texto foi citado no voto do desembargador do Mato Grosso. Para a juíza, a decisão apresentou consonância e pertinência com a excepcionalidade do momento vivido por conta da proliferação e das consequentes medidas de enfrentamento da Covid-19.
“A decisão merece destaque porque o compartilhamento equilibrado do tempo dos filhos com seus dois genitores é o modelo legal a ser garantido, principalmente durante a pandemia, pois deixá-los somente com um dos responsáveis, em confinamento, tem demonstrado ser medida contrária à sua proteção integral, já que a sobrecarga de atribuições, somada à ausência de descanso, de espaço pessoal e de privacidade, têm levado ao aumento de maus-tratos infantis”, observa a magistrada.
Outros fatores, segundo Angela, impedem que o afastamento da convivência com os pais seja uma medida adequada. “Acrescente-se ainda as incertezas econômicas que geram ansiedade e tensões nos adultos, propiciando a condenável prática de castigos físicos às crianças que, igualmente, se encontram confinadas e irrequietas. Sem contar as outras tantas situações de violência doméstica que só aumentam nesses tempos de privação e apreensão, consoante têm demonstrado as pesquisas.”
Rompimento da convivência traz inúmeros prejuízos
A magistrada ressalta que nem toda a jurisprudência tem acompanhado o entendimento proferido recentemente pela Justiça do Mato Grosso. “Com a pandemia, temos observado que algumas decisões judiciais seguem uma diretriz de ‘não compartilhamento da custódia física’ de forma geral, negando, indiscriminadamente, a dupla convivência, sem olhar, pormenorizadamente, cada caso”, diz.
“Essa postura leva a inúmeros prejuízos, porque subtrai daqueles que poderiam permanecer desfrutando do acolhimento, zelo e amor de suas duas famílias, impondo-lhes medo, angústia e tristeza, por tempo longo ou indefinido, o que é contrário à primazia e à proteção determinadas por todas as normas nacionais e internacionais de defesa das crianças e dos adolescentes”, destaca Angela.
Por isso, ela afirma que a decisão aqui analisada é paradigmática. “Demonstra o compromisso da magistratura mato-grossense com o desenvolvimento infanto-juvenil e com o fortalecimento das famílias que, com a separação dos pais, não acabam, mas, somente, ganham um novo formato”, avalia. “A providência traduz um Judiciário humanizado e atento às múltiplas circunstâncias familiares, o que reveste a prestação jurisdicional entregue de contemporaneidade e de Justiça”, conclui Angela.
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