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Decreto que estabelece procedimentos para escuta de crianças e adolescentes é promulgado
Em 10 de dezembro, o presidente Michel Temer promulgou o Decreto Federal 9.603/2018, que regulamenta a Lei 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
O decreto visa reafirmar a principiologia de proteção à criança e ao adolescente, consagrada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trazendo parâmetros para a preparação e a atuação da rede de proteção no atendimento às crianças e aos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
Para o juiz de direito do Mato Grosso do Sul e vice-presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, Fernando Moreira, o decreto trata de um importante marco legal na tutela dos direitos dos infantes em razão da relevância da matéria nele tratada. No entanto, há ressalvas.
“É preciso notar que, infelizmente, ele não cumpriu adequadamente o seu papel de regulamentar a Lei 13.431/17, pois muito pouco trouxe de concreto àquilo que já estava previsto na própria lei federal. Ademais, transferiu para um ato conjunto dos Ministros de Estado da Justiça, da Segurança Pública, da Educação, do Desenvolvimento Social, da Saúde e dos Direitos Humanos a disposição de normas complementares para a implementação”, destaca.
Para ele, em matéria da infância e da adolescência, cujo mandamento constitucional determina a prioridade absoluta de proteção, “precisamos evitar essa técnica legislativa de sucessivas normas complementares, que acabam dando pouca ou nenhuma efetividade aos direitos das crianças e dos adolescentes”, diz.
Visando resguardar a garantia de direitos dos menores, o decreto visa combater a violência psicológica. No entanto, Fernando Moreira ressalta que o Poder Público precisa criar condições de acolhimento e proteção às crianças e aos adolescentes vítimas para que eles possam se sentir seguros para relatarem os atos de violência sem temerem qualquer tipo de represália.
Para que isso se torne viável, o juiz destaca que tornam-se necessários ambientes adequados de acolhida, escuta especializada, depoimento especial, atendimento na rede de saúde e de assistência social, acesso ao Conselho Tutelar, à autoridade policial, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.
“Percebe-se, portanto, a necessidade de uma integração total entre a rede de proteção, pois todas as entidades devem trabalhar de forma integrada para garantir um efetivo serviço de proteção aos infantes”, enfatiza.
Escuta especializada
Dentre as ações propostas está a escuta especializada, que é citada no Art. 19 do decreto. “A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados”.
Para Fernando Moreira, o objetivo da escuta especializada é a proteção da criança e do adolescente, e não colheita de provas para eventual procedimento criminal, razão pela qual as perguntas devem se limitar ao necessário para garantir proteção e cuidados ao infante. Por isso, ele destaca que não se deve confundir a escuta especializada com o depoimento especial, realizado perante a autoridade policial ou judiciária, com a finalidade de produzir provas para o processo.
“Em ambas as modalidades, frisa-se a necessidade de preparo do profissional que conduzirá a oitiva de modo a receber formação quanto à maneira correta para acolher o depoimento, formular as perguntas em linguagem simples e evitar atos de revitimização”.
De acordo com o vice-presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, o depoimento especial já tem sido implementado por diversos tribunais no país, sobretudo após o advento da Lei 13.431/2017.
Muitos deles, como é o caso do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, onde ele atua, já determinaram a construção de local apropriado para a colheita dos depoimentos, prepararam as equipes técnicas e investiram em equipamentos de informática, outorgando concretude ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por isso, Fernando Moreira diz que um dos maiores desafios seja a existência de profissionais disponíveis, já que muitas varas no país sequer possuem profissionais em assistência social e psicologia nos seus quadros, em total inobservância ao Provimento 36 de 2014 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Nesses casos, enquanto os tribunais não tiverem pessoal adequado em sua estrutura, recomendo que seja feita a nomeação de profissionais fora dos quadros do Judiciário, conforme preconiza o art. 151, parágrafo único, do ECA. O que não se pode é deixar de atender aos princípios de proteção à criança e ao adolescente em razão da ineficiência estrutural do Estado”, finaliza.
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