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Série “Um olhar sobre a adoção”
Portas abertas – Fim da invisibilidade
Um abrigo deve servir para proteger, amparar e acolher, mas nunca para esconder. É com este pensamento que foi criado o projeto “Abrigo de Portas Abertas”, trabalho de acompanhamento ao processo de habilitação à adoção realizado em atendimento ao que determina os parágrafos 1° e 2° do artigo 197-C do Estatuto da Criança e do Adolescente. A ideia surgiu devido às demandas de habilitandos e habilitados durante as reuniões dos Grupos de Apoio à Adoção, onde os mesmos relatavam suas necessidades de entrarem em contato com as “crianças reais”.
Uma conversa entre os componentes do Grupo de Apoio à Adoção Ana Gonzaga e o Juízo da 3ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital do Estado do Rio de Janeiro, deu início ao projeto. Deste modo, foi expedida a Portaria n° 1/2014, em agosto de 2014, tornando a visitação acompanhada às entidades de acolhimento institucional (abrigos) obrigatória para concessão da habilitação.
As visitas são realizadas uma vez ao mês por membros voluntários componentes do Grupo de Apoio à Adoção Ana Gonzaga II, acompanhados de uma psicóloga, também voluntária, do grupo de psicólogos e psicanalistas denominado “Singularizando”. Nessas visitações, que já ocorrem há cerca de 19 meses, foram possíveis belos encontros entre pais e filhos.
Segundo Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM e uma das autoras do projeto, tais encontros seriam inimagináveis se baseados apenas no perfil frio que trata de idade, sexo e etnia. “O trabalho tem levado ao conhecimento da população a criança real, aquela que se encontra acolhida e que pode ampliar o perfil para os que realmente precisam de uma família”, explica.
Um dos locais que aderiram ao projeto é a Obra Social Dona Meca, fundada há 25 anos por um grupo de voluntários que, reconhecendo a carência de equipamentos próprios à reabilitação de pessoas com deficiência, reuniu-se para oferecer tratamento terapêutico a crianças e adolescentes oriundos de famílias carentes. Hoje, a Obra Social Dona Meca atende cerca de 270 crianças e adolescentes com deficiências neurológicas, tornando-se referência em todo o Estado do Rio de Janeiro.
“Há alguns anos, as crianças e os adolescentes acolhidos no Casa Lar Dona Meca recebem a visita dos Grupos de Adoção. Elas representam uma oportunidade para habilitandos e habilitados interagirem com nossas crianças, proporcionando-lhes momentos de descontração e lazer. Nessas visitas, buscamos sempre pontuar a importância das chamadas ‘adoções necessárias’. Em sua maioria, nossos acolhidos já se encontram disponíveis à colocação em família substituta, muitos dos quais já destituídos do poder familiar. Uma vez rompidos os vínculos familiares, ou mesmo já bastante fragilizados, as crianças e os adolescentes com deficiência que não encontrarem pessoas interessadas em sua adoção enfrentarão, infelizmente, um futuro de institucionalização em longa permanência”, afirma Rosângela Chacon Pereira, presidente da Obra Social Dona Meca.
De acordo com Maria Rita Barreto, membro da Comissão dos Direitos das Crianças e Adolescentes da OAB/RJ - (CDCA-OAB/RJ) e supervisora executiva da Obra Social Dona Meca, desde o início do Projeto Portas Abertas e o sequente estreitamento das relações com os grupos de adoção, muitas foram as crianças e os adolescentes com deficiência que tiveram a oportunidade de uma vida nova através da colocação em família substituta. Só em 2016, foram sete adoções realizadas, algumas inclusive para fora do estado do Rio de Janeiro.
“Em sua maioria, as crianças e os adolescentes adotados no Lar Dona Meca encontraram suas novas famílias através do mecanismo de Busca Ativa, empreendido pelos grupos de adoção que, em coordenação, localizam pessoas habilitadas interessadas em crianças disponíveis à adoção, porém de difícil colocação. Para tanto, é fundamental o engajamento pessoal dos voluntários que, de forma incansável, colocam suas forças nesse árduo trabalho cujo resultado é gratificante: crianças e adolescentes condenados a uma vida de institucionalização perpétua encontram novos pais, avós, irmãos, tios, mudando radicalmente sua trajetória pessoal. Mais recentemente, o Portal “Quero Uma Família” passou a também contribuir com essa busca, facilitando o encontro de habilitados interessados e crianças disponíveis”, lembra.
Atualmente 18 crianças e adolescentes com deficiência, entre zero e 16 anos, se encontram acolhidos no Casa Lar Dona Meca, dentre os quais 15 estão aptos à colocação em família substituta, à espera de novas famílias e de uma nova vida. Ana Lúcia Simões Silva, Coordenadora do Serviço de Psicologia da 3ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro/RJ, lembra que o fato de o abrigo estar de portas abertas não significa necessariamente que as pessoas possam entrar a qualquer momento. O bem-estar das crianças sempre precisa ser levado em consideração. Além de o abrigo ter horários de funcionamento, que precisam ser respeitados, é importante verificar o motivo pelo qual uma determinada pessoa se mostra interessada em conhecer o local e interagir com as crianças, visto que nem sempre este desejo pode ser benéfico para quem se encontra acolhido, por exemplo.
“Apesar de pouco tempo de implementação, podemos verificar resultados positivos, pois algumas pessoas conseguiram ampliar seus perfis a ponto de adotarem crianças mais velhas do que pretendiam inicialmente. Esta mudança ocorreu devido aos encontros que elas tiveram com as crianças/os adolescentes de carne e osso nos abrigos. Se não tivessem tido esta oportunidade, provavelmente teriam perdido a chance de as conhecerem e perceberem que podem ser tão encantadoras quantas as menores. Neste momento, já conseguimos cinco adoções neste contexto. Em termos quantitativos, pode-se pensar que é pouco. Entretanto, significa que cinco pessoas tiveram a chance de mudar suas vidas através da adoção. Caso contrário, muito provavelmente, ainda estariam crescendo no abrigo e vendo suas chances de serem adotadas diminuindo a cada ano”.
Ainda de acordo com a psicóloga, outro ponto, que merece ser destacado, é a importância da pessoa ampliar o seu olhar, quando decide visitar uma instituição. “Se ela ainda continua se sentindo presa ao desejo de adotar um bebê, por considerar necessário acompanhar todas as etapas do desenvolvimento do seu filho, observamos que a visita às nossas instituições não vai provocar nenhuma mudança de paradigma desta pessoa. Até porque, a entidade de acolhimento institucional destinada a crianças nesta faixa etária na nossa jurisdição não se encontra aberta à visitação livre, a fim de evitar que pessoas interessadas em burlar o cadastro de adoção apareçam”, complementa.
O funcionamento do "Abrigo de Portas Abertas" se dá com uma rápida conversa onde explica-se aos habilitandos e habilitados que não se trata de busca, mas de momentos de lazer para as crianças. Ao chegar, o grupo faz uma grande salada de frutas (cada um já leva uma fruta cortada), outros levam bolos, sanduíches, sucos, descartáveis. Depois do lanche pronto, cada um, ou cada grupo, serve uma criança e com ela senta para contar histórias, bater papo sobre assuntos diversos. Posteriormente, praticam esportes, fazem desfiles, pintam quadros, cantam e dançam, dentre outras atividades. A duração média de cada visita é de 3 horas.
FAMÍLIA PELAS REDES SOCIAIS
A Comissão Estadual Judiciária de Pernambuco (Ceja/PE) está realizando o projeto “Família: um direito de toda criança e adolescente”, que visa assegurar às crianças e aos adolescentes - com idade mais elevada e que ainda se encontram nas instituições de abrigo, com ações de decretação da perda do poder familiar concluídas, sem nenhuma perspectiva de serem adotados, em decorrência de suas características, seja por problemas de saúde, seja pela idade - dignidade e cidadania da convivência familiar para que lhes sejam garantidos um desenvolvimento psicossocial sadio.
De acordo com a juíza Hélia Viegas, esta é uma versão atualizada do projeto idealizado pela psicóloga Maria Tereza Vieira de Figueiredo, servidora integrante da equipe técnica da Ceja/PE, implantado em 2009. “Passamos a divulgar imagens das crianças e dos adolescentes do Projeto Família nas redes sociais e, até a presente data, conseguimos a adoção de sete crianças e adolescentes com perfil de difícil colocação em família substituta. O fundamento maior da implantação da segunda versão do projeto foi aumentar consideravelmente suas chances em ter uma família pela adoção ou, ao menos, uma convivência familiar e comunitária pelo apadrinhamento, a partir da visibilidade e humanização dada a esses crianças e adolescentes”, relata.
A juíza espera que o projeto consiga provocar uma quebra de paradigma para que, não só as crianças e os adolescentes de Pernambuco, disponíveis para adoção e sem pretendentes, saiam da invisibilidade perante à sociedade e tenham aumentadas, a partir da divulgação nas mídias/redes sociais, de suas imagens e de seus hábitos e anseios, as possibilidades de efetivarem o direito fundamental à convivência familiar e comunitária.
FÓRUM DE ABRIGOS
Todos os meses, o Fórum de Abrigos de Belo Horizonte discute políticas públicas voltadas para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional, buscando a garantia dos direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e legislações pertinentes. As plenárias são abertas e as atas aprovadas estão disponíveis no blog do Fórum de Abrigos.
Atualmente, de acordo com informação disponibilizada no site do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescentes, há 46 unidades com registro atualizado na capital mineira. No entanto, conforme o movimento social, existem 49 entidades de acolhimento institucional e uma de acolhimento familiar, perfazendo um total de 50. Das unidades de acolhimento, apenas três não possuem termo de parceria com município e são mantidas com recursos próprios, provenientes de doações: Creche Tia Dolores, Lar da Fraternidade Maria de Nazaré e Associação Lar de Luz Meimei.
Conforme a Coordenação Colegiada do Fórum de Abrigos BH, existe um esforço em manter permanente articulação com o Sistema de Garantia de Direitos - SGD, uma vez que o atendimento realizado pelas Unidades de acolhimento demanda de um trabalho inter-relacionado e intersetorial. Em abril de 2017, foi lançado o Primeiro protocolo de atendimento à criança e ao adolescente em acolhimento institucional de Belo Horizonte construído no segundo semestre de 2016 com vários atores do SGD.
Acesse o link abaixo e confira a linda história das famílias que se formaram através do Projeto “Abrigo de Portas Abertas”:
"Para mim, foi a certeza mais forte que tive quando a segurei em meus braços"
"Através da Busca Ativa, chegou nossa princesa"
"Quem sabe o seu coração também acelere ao ver um deles"
O Brasil tem hoje mais de 47* mil crianças e adolescentes esquecidos em abrigos. É uma situação cruel e dramática, que envergonha o País. A edição 31 da Revista IBDFAM, lançada em maio, tratou do tema adoção. Prestes a completar 20 anos de existência, o IBDFAM se junta à causa da adoção com a proposta de um anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção, ponto de partida para o Projeto “Crianças Invisíveis”, que será lançado no XI Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, em Belo Horizonte, do qual esta série, Um olhar sobre a adoção**, também faz parte.
* Números oficiais do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas: 47.198, em 20 de junho de 2017 – Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
** Consultoria: Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM.
A foto de capa desta edição do Boletim Informativo foi gentilmente cedida por Eurivaldo Bezerra e faz parte do seu livro Filhos.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br