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“Pós-natal da Adoção”: assistência gratuita a pais adotivos
Ao gerar uma criança, é natural que os pais demandem certo período de adaptação até se acostumarem com as ações e reações do bebê, principalmente quando se trata do primeiro filho. A paternidade/maternidade afetiva também requer cuidados, haja vista que os adotantes podem optar pela adoção de crianças/adolescentes de qualquer idade, o que exige o mínimo grau de afinidade entre família e adotado, tornando necessário, portanto, um tempo para adequações - psicológicas, materiais, organizacionais, financeiras etc. Tal necessidade deu origem ao projeto “Pós-natal da Adoção”, o qual acompanha - de forma gratuita e por meio de reuniões mensais - dezenas de adotantes do Rio de Janeiro, tendo sido, inclusive, finalista do 12º Prêmio Innovare, em 2015.
Com a ajuda de uma equipe multidisciplinar, composta por advogados e psicólogos, o Projeto trabalha para evitar que crianças sejam “devolvidas”, o que ocorre tanto durante o trâmite do processo de adoção quanto após sua conclusão. A ideia é justamente suprir a lacuna deixada pelo Poder Judiciário, no que diz respeito ao acompanhamento das famílias na fase de adaptação e formação da parentalidade. Nas reuniões, realizadas há quase três anos, não há um tema pré-determinado, sendo este definido de acordo com as necessidades dos pais. As crianças participam dos encontros e numa sala separada participam de diversas atividades.
O Projeto, na prática
A consultora Ana Gabriela Rocha, 42 anos, sempre soube que seria mãe. Em seus sonhos, entretanto, não se via grávida. “Lógico que eu gostaria de engravidar, mas…”. Ela se imaginava carregando filhos no colo. Só não projetava dar à luz. Quando adolescente, teve seu primeiro contato com crianças adotadas: “À época, conheci uma família formada por laços afetivos. Pai, mãe e dois filhos. Eu me encantava com o amor que havia entre eles”, relembra. A experiência não saiu de sua memória, permanecendo viva também em seu coração. “Nem sei se eles sabem o quanto me influenciaram”.
Sentada no sofá e lendo jornal, numa bucólica tarde de sábado, a consultora questionou o marido, entretido com seu laptop:
- O que você acha de adotarmos uma criança?
- Você acha que não vai engravidar?
- Independentemente disso. Já que pensamos em [ter] dois filhos, poderia ser um adotivo e outro biológico.
- Ah, então se informa como devemos proceder.
O diálogo, curto e direto, mudou a vida de ambos. Ana Gabriela e o marido levaram quase um ano para se habilitar. “São reuniões obrigatórias, visitas à psicóloga e assistente social, e uma lista enorme de documentos necessários para anexar ao processo”. E as dificuldades não pararam por aí. “Tivemos que definir um perfil de criança que aceitaríamos. Como isso é difícil! Parece que estamos escolhendo um produto. Definimos desde a idade e a raça até doenças que aceitaríamos, além de lugares do Brasil em que poderíamos ir”, conta. A habilitação veio em outubro de 2012.
Ela, porém, não se conteve e, ao invés de aguardar pacientemente por um telefonema, o qual lhe direcionaria a uma criança de acordo com o perfil desejado, decidiu agir. “Participei de grupos de apoio à adoção [dentre eles o Pós-natal da Adoção], fiz reuniões com o Ministério Público e dei entrevistas para jornal e TV. Enfim, ‘coloquei a boca no mundo’. Durante este período, li muito. Mergulhei de corpo e alma. Ouvi histórias incríveis! Algumas tristes, inclusive. E todo esse conhecimento estava me preparando para o dia em que o meu telefone iria tocar. E ele tocou”.
- Alô?
- Gabriela, você está mudando de emprego? Está mudando de apartamento? Está com reforma em casa? Viagem programada?
- Não, não, não e não.
- Você e seu marido são o quinto casal da fila a ser contatado. Todos os contatados anteriormente disseram ‘Não’ à seguinte pergunta: ‘Pode receber um bebê imediatamente?’
- Imediatamente?
- Sim. É uma menina. Tem dois anos de idade, é negra e saudável.
“Fomos orientados sobre como proceder. Deveríamos ir conhecê-la no dia seguinte. Fomos. Chegamos lá e aguardamos em uma salinha, enquanto foram buscar o bebê. Ela era encantadora. Fofa demais. Dois olhinhos de jaboticaba e uma boquinha de coração. Mas não ouvi sinos tocando. Não explodi de amor. Não naquele momento. Era uma bebê linda e, sim, eu poderia ser sua mãe. Quando saímos do abrigo, tínhamos que ligar para a assistente social, dando o nosso aval para que houvesse continuidade no processo”.
O casal, então, decidiu ficar com a garotinha. “No dia seguinte, fomos à vara buscar a guarda e o termo de desacolhimento, para tirar nossa filha do abrigo. A cada dia, nossa Manoela foi conquistando a mim, aos meus pais, minha sogra, tios, tias, primos e primas”, recorda. Porém, surgiu um entrave: “A empresa em que eu trabalhava não estava entendendo que eu tinha direito à licença. E eu tinha”. Foi justamente aí que o “Pós-natal da Adoção” entrou em ação. Com a ajuda do Projeto, foi concedido à Ana Gabriela quatro meses de afastamento de suas atividades profissionais.
“Quando saí de licença, fui ao céu. Passar o dia com minha princesa, criar a nossa conexão, curtir cada gracinha, não tem preço. Foi realmente maravilhoso”. Meses depois, a consultora foi informada de que seria desligada da empresa. “Isso aconteceu na volta da minha licença. Infelizmente a lei não garante estabilidade para licenças-maternidade por adoção. Eu poderia ter aguardado o término do processo [de adoção], mas daí a licença já não teria sentido. Manoela precisava de mim naquele momento. Era a adaptação dela à nossa família, e eu não me arrependo nem por um segundo. Minha filha precisava de mim. Precisava do meu colo, do meu chamego”, revela.
“Nesse período, vivi experiências incríveis e momentos de completo desespero. Saí do emprego que eu adorava, vi meu padrão de vida despencar e desenvolvi doenças relacionadas ao estresse. Mas cada vez que eu vejo o sorriso da minha filha, cada braço estendido, cada corridinha na minha direção, meu coração transborda de felicidade. Agora, de volta ao mercado de trabalho, sinto-me grata por ter me dedicado de corpo e alma, durante um ano, à pessoa mais importante da minha vida”, conta, emocionada.
Manoela, hoje com três anos de idade, é uma menina amorosa, inteligente, esperta, líder nata e bastante “levada”, de acordo com a mãe. Ao falar da filha, Ana Gabriela até se perde ao tentar descrevê-la: “Ela é o xodó da minha família!”, resume.
Ana Gabriela e sua filha, Manoela
Foto: Divulgação
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