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STJ nega guarda compartilhada por falta de consenso entre os pais
Segunda decisão que nega a guarda compartilhada, no mesmo mês, divide opiniões de especialistas
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de um pai que buscava o compartilhamento da guarda da filha de quatro anos de idade por falta de consenso entre os genitores.
No pedido, que já havia sido rejeitado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o pai sustentou que a harmonia entre o casal não pode ser pressuposto para a concessão da guarda compartilhada e que a negativa fere seu direito de participar da vida da menor em igualdade de condições com a mãe.
O ministro João Otávio de Noronha reconheceu que não existe dúvida de que a regra deve ser o compartilhamento da guarda por atender melhor aos interesses do menor e dos próprios genitores, já que ambos permanecem presentes e influentes na vida cotidiana dos filhos.
Entretanto, no caso em questão, está clara a inviabilidade de seu exercício diante da impossibilidade de os pais chegarem a um acordo sobre quaisquer questões ou pensarem além de seus próprios interesses.
“Entendo que diante de tais fatos, impor aos pais a guarda compartilhada apenas porque atualmente se tem entendido que esse é o melhor caminho, quando o caso concreto traz informações de que os pais não têm maturidade para o exercício de tal compartilhamento, seria impor à criança a absorção dos conflitos que daí, com certeza, adviriam. E isso, longe de atender seus interesses, põe em risco seu desenvolvimento psicossocial”, ressaltou o relator em seu voto.
O ministro reiterou que o maior interesse do compartilhamento da guarda é o bem-estar da menor, que deve encontrar na figura dos pais um ponto de apoio e equilíbrio para seu desenvolvimento intelectual, moral e espiritual.
“Assim, considerando as peculiaridades contidas no presente feito, entendo que não posso contrariar tais conclusões para adequar a vida de pessoas a um entendimento doutrinário”, concluiu o relator. A decisão foi unânime.
Interesse do menor
“Concordo com a decisão. O debate que está subjacente é grande confusão teórica entre guarda e poder familiar que reina no Brasil”, diz o professor José Fernando Simão, diretor do IBDFAM/SP. Para ele, o fato de os pais não terem diálogo impede efetivamente a guarda compartilhada.
“Se os pais não têm maturidade, como diz a decisão, e a guarda compartilhada será prejudicial ao menor a solução é sua não aplicação por força do preceito constitucional do melhor interesse da criança”, garante.
Simão esclarece que mesmo não sendo a guarda compartilhada, o pai pode tomar todas as decisões sobre a vida, saúde, educação dos filhos. “Guarda é questão apenas de convívio”, afirma o professor.
“Não me pareceu, pelo conteúdo publicado da decisão, que o voto concluiu pela impossibilidade da guarda compartilhada quando há divergência entre os genitores. Ao contrário: todo o tempo o ministro afirma a regra do compartilhamento da guarda que, muito mais do que um prêmio para os pais é um direito da criança”, observa a juíza Andréa Pachá, vice-presidente da Comissão de Magistrados de Família do IBDFAM.
Para ela, a decisão foi no sentido de garantir o melhor interesse da criança, que não deveria passar a infância sendo objeto da disputa de pais imaturos. “Concordo que não se pode pretender educar os pais às custas do sofrimento dos filhos. Muitas vezes, o grau de litigiosidade é de tal ordem que a infância e a juventude são vivenciados nos tribunais”, diz.
A magistrada explica que uma decisão pontual, proferida em um caso concreto, não pode generalizar os demais conflitos, “especialmente porque a normatização da guarda compartilhada foi uma vitória para a afirmação da responsabilidade e do cuidado, deveres que devem ser exercidos pelos pais, vivendo juntos ou separados”. Ela destaca que o reconhecimento do compartilhamento da guarda como regra continua “em pleno vigor” e que o caso é uma decisão excepcional.
Já a advogada Melissa Telles Barufi, presidente da Comissão de Infância e Juventude do IBDFAM, acredita que a decisão vai contra dispositivo expresso no Código Civil, que foi alterado pela Lei da Guarda Compartilhada, que é o artigo 1.584, § 2º, segundo o qual “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”.
“Isso porque, o pedido de exercício da guarda compartilhada foi indeferido por ‘total falta de consenso entre os genitores’, e porque ‘os pais não têm maturidade para o exercício de tal compartilhamento’. A Lei Nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014 que tratou sobre a Guarda Compartilhada, afastou expressamente a ideia de que essa modalidade de Guarda somente poderia ser aplicada em caso de consenso entre os pais. A referida Lei tornou a Guarda Compartilhada regra a ser seguida, como meio de garantir o melhor interesse dos filhos”, explica.
Segundo Melissa, a negativa do STJ em tornar compartilhada a guarda somente privilegia o genitor detentor da guarda unilateral. “Foi dito que os pais não entram em consenso e não têm maturidade para o compartilhamento, porém, nenhum desses argumentos são impeditivos legais para implementação da guarda compartilhada, ao contrário, ao determinar que ambos os genitores deverão entrar em consenso para regularizar a vida dos filhos, o Judiciário tiraria o monopólio de ‘poder’ que um genitor exerce sobre os filhos, em detrimento do outro genitor. Desse modo, entendo que essa decisão não conseguiu atender ao melhor interesse da criança, pois nos parece que, mais uma vez, o que foi privilegiado foi o conflito conjugal e não o direito que ambos os genitores possuem em relação aos seus filhos independente da situação amorosa entre eles”, reflete.
Imbróglio conceitual
Na última semana, outra decisão, também do STJ, gerou muitas críticas por parte dos especialistas. Assim como essa, a decisão negava a guarda compartilhada. O motivo: os pais moravam em cidades diferentes.
José Fernando Simão afirma que não existe guarda compartilhada se os pais residem em países diversos ou localidades distantes. “A guarda será unilateral, pois é impossível o convívio efetivo nessa situação”, diz. Contudo, ressalta o professor, isso não retira daquele que tem o direito de visita o poder familiar. “Todas as decisões são conjuntas, apesar de a guarda ser unilateral. O erro é se crer que na guarda unilateral é o guardião que assume a direção da vida dos filhos em toda sua extensão. Não, o poder familiar prossegue para ambos”, garante.
Segundo José Fernando Simão existe um erro conceitual na lei ao chamar de compartilhada uma guarda que é alternada - quando a criança se reveza entre duas residências. “A guarda alternada prevista em lei é ruim para as crianças em termos de formação e não tem sido aplicada pelo Judiciário exatamente e novamente porque as decisões observam o melhor interesse da criança. É um caso claro de conflito entre o Código Civil e a Constituição. Prevalece, por óbvio, a última”, afirma.
Para Melissa Barufi, o indeferimento da guarda compartilhada ao argumento de que a distância física das residências paterna e materna impediria o exercício dessa modalidade de guarda comprova que ainda existe muita confusão em relação ao conceito da guarda compartilhada.
“Veja-se, não há qualquer dispositivo legal que imponha que a distância geográfica seja impedimento para a fixação e exercício da guarda compartilhada”, diz. “O intuito da Guarda Compartilhada é que ambos os genitores possam ‘compartilhar’ da vida dos filhos em comum, como fariam se vivessem juntos”, ressalta.
De acordo com a advogada, a guarda unilateral estabelece uma espécie de “poder” ao genitor que a possui, “de modo a submeter o outro genitor a um papel secundário, excluindo de decisões importantes da vida dos filhos, omitindo informações, e afastando de momentos rotineiros e diários”.
“É sabido que não podemos confundir o exercício do poder familiar com a guarda, mas, a imposição do compartilhamento da guarda, consequentemente fará com que haja maior possibilidade do exercício pleno do poder familiar àquele genitor com quem não resida os filhos”.
Para ela, a guarda compartilhada é o melhor modo de garantir o melhor interesse aos filhos, “(Na guarda compartilhada) deverá ser fixada uma residência base, buscando-se ampliação na convivência familiar entre os filhos e o genitor com o qual não residam, e concedendo maiores chances de os genitores exercerem conjuntamente o poder familiar, em prol dos filhos”.
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