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CNJ recomenda aos cartórios que não façam escrituras de uniões poliafetivas
Na última semana, a Corregedora Nacional da Justiça, ministra Nancy Andrighi, emitiu comunicado às serventias extrajudiciais com atribuição de notas, informando que tramita no CNJ um Pedido de Providências que questiona a lavratura de escrituras públicas declaratórias de “uniões poliafetivas”. A ministra recomendou a conclusão do expediente administrativo acima citado para que sejam feitas novas escrituras públicas declaratórias de “uniões poliafetivas”.
É uma recomendação, não uma vedação, explica o advogado Marcos Alves da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). “Todavia, em regra, os notários são muito cautelosos e temem contrariar orientações das Corregedorias que supervisionam os seus atos. Assim, é possível que a recomendação seja recebida por muitos como uma proibição”.
O Pedido de Providências foi motivado pela recente divulgação de dois casos de registro de escritura pública declaratória de união estável poliafetiva. Ambas no estado do Rio de Janeiro. Para Marcos Alves, o País vive um momento de “recrudescimento” de posturas conservadoras e autoritárias, “temperadas de um inegável fundamentalismo religioso”.
“Há nítida mobilização de setores no parlamento e fora dele que são autêntica expressão de retrógrados preconceitos, de manifestações de homofobia, misoginia, etc. Esses setores sentem-se, nesse momento, fortalecidos em razão de que seus representantes têm alcançado certo protagonismo político”, diz. Contudo, segundo ele, o Poder Judiciário tende a atuar de forma mais cautelosa e técnica, “recusando, ao menos em tese, o contágio das pressões conjunturais da política. Entendo que por esse caminho deve enveredar o CNJ”.
Moral e bons costumes –
Para proibir a realização de declarações de uniões poliafetivas em cartório, o advogado afirma que o CNJ poderia argumentar que a mesma fere a moral e os bons costumes. Isso porque a artigo 115 da Lei de Registros Públicos estabelece que “não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas, quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades ilícitos ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes”.
No entanto, o argumento enfrentaria duas objeções fundamentais: somente a declaração não pode ser considerada ofensiva; a união homoafetiva, que é considerada ofensiva por parcela da população, já foi reconhecida como família pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Pode alguém até considerar o fato declarado ofensivo à moral e aos bons costumes, mas, jamais a declaração de existência e reconhecimento de tal fato. A declaração, portanto, é por si só, isenta”, explica Alves. “A declaração de união estável entre dois homens é considerada por boa parte da população brasileira uma ofensa aos bons costumes; todavia, o STF considerou tal união família e o CNJ, por meio de Resolução, estabeleceu que os cartorários não podem se negar a realização de habilitação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo”, ressalta.
“Ora, como poderá, agora, o CNJ evocar a moral ou bons costumes para vedar a feitura de escritura pública declaratória de união estável poliafetiva? Cada pessoa, cada família, cada grupo religioso ou associativo pode e deve reger-se pelos princípios morais que julgarem adequados, mas não têm o direito de fazer de tais princípios normas estatais impositivas a todos os cidadãos de um Estado que se declara laico, democrático e plural. Por tal razão, não sei que argumentos minimamente razoáveis poderiam ser evocados para que o CNJ venha a proibir as escrituras públicas de união estável poliafetiva. Note-se, não se trata de fazer qualquer juízo de valor sobre tais uniões. Não é esta questão. A vedação, todavia, constituiria, sem sombra de dúvida, grave ofensa a princípios constitucionais e a direitos fundamentais”, reflete.
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