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Com base em novo Estatuto, Justiça de Goiás não interdita idoso com Alzheimer
Juíza considerou opção prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência
A curatela é extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico, desaparecendo, assim, a figura de interdição completa e do curador com poderes ilimitados. A diretriz contida no Estatuto da Pessoa com Deficiência foi determinante para a Justiça de Goiás decidir que um homem com Alzheimer não será interditado, mas apenas curatelado.
No caso, a filha pedia a interdição do pai de 85 anos, diagnosticado com a doença, mas a juíza Coraci Pereira da Silva, da Vara de Família e Sucessões da comarca de Rio Verde, acolheu parcialmente seu pleito para nomeá-la como curadora de seu pai. Assim, ela poderá representá-lo nos atos que importem na administração de bens e valores, celebração de contratos, outros que exijam maior capacidade intelectual e outros atos como emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado.
Para Coraci da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), é inegável reconhecer que o interditando necessita de adequada curatela para manutenção de seu bem-estar e para gerir seu patrimônio, pois ainda não foi descoberto tratamento para a cura do Alzheimer. Portanto, a tendência é ele necessitar de apoio nesta fase da vida. No entanto, a juíza constatou que o homem não pode ser considerado incapaz, pois demonstrou possuir noção da realidade e capacidade para certos atos que não envolvam raciocínio lógico e cálculo de grande complexidade.
Segundo ela, com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) pessoas com deficiência mental ou intelectual deixaram de ser consideradas absolutamente incapazes. Todavia, em situações excepcionais, a pessoa com deficiência mental ou intelectual poderá ser submetida a curatela, no seu interesse exclusivo, e não de parentes ou terceiros. Essa curatela, explicou a magistrada, ao contrário da interdição total prevista anteriormente na lei, deve ser, de acordo com o artigo 84 do novo Estatuto, ou seja, proporcional às necessidades e circunstâncias de cada caso.
“Este novo diploma legal procura adaptar o nosso sistema de incapacidades à Convenção de Nova York de 2007 (CDPD); para tanto, alterou por completo o regime de incapacidades da parte geral do Direito Civil brasileiro. O escopo basilar das novas disposições é preservar a dignidade e liberdade das pessoas com deficiência, com vistas a obtenção de uma maior igualdade”, diz o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM. Nesse sentido, afirma o advogado, abandona-se a interdição civil da pessoa, passando-se a adotar apenas a sua curatela, nos moldes que sejam necessários para cada situação específica.
Fim da interdição
Ricardo Calderón explica que a interdição civil completa da pessoa com deficiência não existe mais no novo modelo em vigor. Isso porque a nova legislação prevê que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa e assegura à pessoa com deficiência o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
“Para essas situações, o que temos atualmente seria a curatela como medida excepcional. Aspecto relevante é que essa nova curatela fica restrita aos atos de natureza patrimonial e negocial, não afetando a plena capacidade civil da pessoa. Com isso, resta permitido para a pessoa curatelada casar, constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, dentre outros. Cuida-se de uma curatela muito peculiar. As restrições sempre deverão ser necessárias e justificadas, ajustadas às efetivas necessidades da pessoa envolvida”, assegura.
Tomada de Decisão Apoiada
Ao lado dessa curatela específica, o novo Estatuto traz também uma nova alternativa, chamada de “Tomada de Decisão Apoiada”. É o processo no qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes as informações e elementos necessários para que possa exercer sua capacidade.
A ideia, explica o advogado, é que o portador de deficiência com algum grau de discernimento tenha o apoio de pessoas da sua confiança para alguns atos da vida civil. Essas situações serão verificadas em cada caso concreto, mediante a análise das peculiaridades específicas envolvidas.
“Há uma alteração de enfoque, evitando uma anulação da pessoa para que seja alcançada a sua efetiva proteção e promoção. Inequívoco que há que se ter o cuidado para não expor indevidamente a pessoa que se pretende proteger, um alerta que vem sendo feito por muitos juristas e que merece atenção”, diz.
Quem é interditado pode rever essa situação?
O advogado explica que o novo Estatuto não foi explícito nas suas regras de transição e que esta questão ainda deverá ser melhor elucidada. “Ao que parece, não haveria objeção intransponível para que as pessoas atualmente interditadas venham a demandar a alteração da sua situação jurídica atual para algumas das novas modalidades ofertadas pela legislação em vigor - como a curatela ou a Tomada de Decisão Apoiada. Uma leitura civil-constitucional, que priorize a tutela da pessoa e da sua dignidade, pode levar a essa conclusão. Há ainda que se observar que o Novo Código de Processo Civil, de 2015, pode merecer alguma adaptação para restar totalmente adequado ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, o que é outro desafio. Temos um novo horizonte a desbravar no que se refere a esse tema”, reflete.
Segundo Calderón, ainda há muita discussão sobre os termos e a extensão das disposições trazidas pelos novos dispositivos legais, “o que será objeto de debate na doutrina e na jurisprudência nos próximos anos”.
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